quinta-feira, 2 de maio de 2013

Redução da maioridade penal aumentará a criminalidade


Questão que sazonalmente aparece nos meios de comunicação, e é matéria de discussão acalorada na sociedade civil, diz respeito à redução da idade de imputabilidade penal (maioridade penal). A discussão, pela sua importância, deve ser tratada com o devido grau de cientificidade que a sociedade merece, evitando-se a disseminação de argumentos de senso comum, que não raro conduzem à incompreensões e em nada colaboram para um amadurecimento democrático sobre o assunto.
A partir dessas premissas, serão pontuados alguns argumentos contrários à redução da idade de maioridade penal, a partir de sólidos critérios científicos.
No campo da dogmática jurídica, deve-se desde logo afastar veementemente uma informação equivocada que povoa o inconsciente coletivo, qual seja, a de que o cidadão menor de 18 (dezoito) anos é completamente irresponsável por seus atos e está imune a qualquer intervenção estatal, mesmo que pratique uma conduta análoga a crime.
Esta concepção é equivocada, bastando transitar pelo ECA (Lei 8.069/1990) para saber que os adolescentes estão sujeitos a um processo de responsabilização diferenciada (artigos 171 a 190), cujas regras — mesmo possuindo finalidade distinta daquelas inerentes ao direito e processo penal — são extremamente efetivas, em que pese nunca terem sido aplicadas devidamente em nosso País (Mario Luiz Ramidoff/Alexandre Morais da Rosa).
No aspecto constitucional, a idade de imputabilidade penal está disciplinada no artigo 228, da CR/88 (“são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”), tratando-se de cláusula pétrea, que não pode ser reduzida ou suprimida do texto constitucional, sequer por vontade popular majoritária ou absoluta (artigo 60, da CR/88).
Não é demasiado recordar que referido critério etário não é fruto de mero achismo do legislador. Ao contrário, deriva de sérios estudos científicos que concluem, como regra geral, que a capacidade plena de autodeterminação do sujeito se dá aos dezoito anos completos. Tal critério é inclusive adotado massivamente no Direito Internacional (artigo 1º, da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, ratificada pelos Estados Membros das Nações Unidas, exceto Somália e EUA). E não só: países como Alemanha, Argentina, Colômbia, China, Chile, Equador, Holanda, Finlândia, França, Grécia, Inglaterra, Japão (21 anos), Itália, México, Paraguai, Uruguai, Venezuela, dentre vários outros, utilizam o mesmo critério (Unicef — Porque dizer não à redução da idade penal).
Nas sociedades em que este critério objetivo não é adotado, várias são as críticas formuladas. Exemplo disso são os EUA, que admitem a aplicação de sanção penal a menores de 18 anos e que “(...) cometeram um erro de cálculo desastroso quando submeteram adolescentes infratores à Justiça de Adultos, em lugar de aplicar-lhes as regras e procedimentos das Cortes Juvenis. Os promotores argumentavam que tal política retiraria das ruas os infratores adolescentes violentos e inibiria futuros crimes. Entretanto, um recente estudo nacional endossado pelo governo federal demonstrou que os jovens submetidos às penas de adultos cometeram, posteriormente, crimes mais violentos, se comparados àqueles que foram julgados e responsabilizados pela Justiça Juvenil Especializada.” (jornal New York Times, 11 de maio 2007)
Neste particular, outro argumento de senso comum bastante difundido deve ser fortemente atacado, qual seja, o de que os adolescentes (principalmente aqueles entre 14 anos completos e 18 anos incompletos) possuem conhecimento sobre o que é ‘certo e errado’, pelo que se poderia concluir que deveriam responder criminalmente pelos seus atos.
Não se nega que crianças e adolescentes têm muito conhecimento. Contudo, o mero conhecimento não é suficiente para a responsabilização criminal. É necessário um plus, ou seja, a capacidade de autodeterminação do sujeito em relação à proibição contida na regra penal. Esta capacidade depende de maturidade, algo que perpassa diversas questões — psíquicas, biológicas, hormonais etc — e que se não tem, como regra, antes dos dezoito anos (Geraldo Prado), pois “o final da adolescência vai ocorrer em torno dos 18 ou 19 anos, quando o desequilíbrio [emocional, psíquico] dá início a uma estabilidade” (Ana Claudia V. S. Lucas).
Ademais, algumas PEC’s (Propostas de Emenda Constitucional) atualmente em trâmite buscam reavivar institutos experimentados e fracassados na história institucional recente. Basta rememorar caso concreto ocorrido em 1967: “um menor participou da morte da estudante Aída Cury, o que levou o Parlamento — por forte influência midiática e popular — a promulgar a Lei 5.258/1967, culminando com um regime de semi-imputabilidade a jovens entre 16 e 18 anos. Ou seja, permitia que o juiz, consideradas as peculiaridades do caso concreto, determinasse a aplicação de reprimenda penal ou não ao adolescente. Este regime perdurou por ínfimos 13 (treze) meses, dada a sua completa falibilidade. Tanto assim que após este período entra em vigência a Lei 5.439/1968, restabelecendo o regime de imputabilidade aos 18 anos (Alexandre Morais da Rosa).
Os dados estatísticos também são valiosos aliados neste tema. Estudos formulados pela Unicef (Porque dizer não à redução da idade penal) demonstram que, no ano de 2004, apenas 0,1583% dos adolescentes se envolviam em conflitos com a lei. Outro dado relevante: em 2001, de todos os internos da extinta Febem-SP, apenas 1,4% haviam praticados atos infracionais análogos ao delito de homicídio (Ilanud — www.ilanud.or.cr). Estes dados revelam, para além de qualquer dúvida razoável, que a “criminalidade” infanto-juvenil é desprezível, sendo certo que a incidência de regras de Direito Penal nesta seara não conduzirão à redução da criminalidade.
Mais que isso, a redução da idade penal apresentaria outras consequências extremamente deletérias: a) provocaria uma expansão desmedida da criminalização de jovens pobres das periferias — se a clientela preferencial do sistema de justiça criminal é constituída de homens, negros, jovens de até 25 anos, em regra envolvidos com a criminalização das drogas, a redução da idade para a imputabilidade penal alargaria consideravelmente a rede do poder punitivo, com todas as suas mazelas já conhecidas; b) se, não raro, adultos utilizam adolescentes para praticarem delitos (levando em consideração o falacioso argumento da impunidade do adolescente), em vez de a legislação produzir algum efeito de intimidação, produzirá efeito invertido: adultos passarão a fazer uso de pessoas cada vez mais jovens.
Outra questão bastante importante diz com a situação caótica dos presídios brasileiros, taxados diuturnamente como universidades do crime, masmorras etc. Isso significa que o ingresso de um cidadão no cárcere é um fator criminogênico, ou seja, que não ressocializa a pessoa e não a torna melhor, mas somente a embrutece e a deixa mais dessocializada. Portanto, a redução da idade de imputabilidade será fator de colaboração para com o acréscimo da criminalidade e não sua redução.
Assim, é possível dizer que a questão infanto juvenil não deve sofrer incidência do Direito Penal. A redução da idade de imputabilidade penal não é a solução para as mazelas sociais evidentes que afligem nossa sociedade. A criminalidade — seja ela qual for — somente será reduzida através de sérias e comprometidas medidas de inclusão social, transitando pela efetivação de políticas públicas nas áreas de educação, esporte, lazer, cultura etc.
Bruno Milanez é professor de direito processual penal, bacharel em direito pela UFPR, especialista em direito penal e criminologia pelo ICPC/UFPR, mestre em direito processual penal pela UFPR, advogado criminalista e sócio do Escritório Milanez & Foltran Advogados Associados.
Felipe Foltran Campanholi é bacharel em direito pela UFPR, advogado criminalista e sócio do escritório Milanez & Foltran Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2013

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