quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Prisão antecipada não é obrigatória e exige fundamentação, diz Celso de Mello

A decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou a execução antecipada da pena de prisão não obriga o Judiciário a executar condenações no segundo grau e nem dispensa os tribunais de motivarem suas decisões. É o que afirma o ministro Celso de Mello ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao conceder Habeas Corpus a réu que teve a prisão decretada num pedido de HC à corte, mesmo sem prisão cautelar ordenada.
Antecipação de execução da pena exige fundamentação, afirma Celso de Mello.
U.Dettmar/SCO/STF
De acordo com o ministro, a antecipação da pena foi decidida, em fevereiro de 2016, num Habeas Corpus, um processo subjetivo sem força vinculante para os demais casos. Portanto, vale a regra do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual ninguém pode ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado da condenação.
No entanto, explicou Celso, os tribunais continuam autorizados a decretar medidas cautelares, até prisões provisórias. “O sistema jurídico brasileiro, ao disciplinar o instituto da tutela cautelar penal, outorga ao Estado poderosos instrumentos que legitimam a adoção de medidas privativas de liberdade cuja efetivação independe do trânsito em julgado de eventual condenação criminal”, escreveu o ministro.
“É que a prisão cautelar não se confunde com a prisão penal, que exige, esta sim, considerado o disposto na declaração constitucional de direitos inscrita em nossa Carta Política, o efetivo trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, explica.
Com a decisão, o decano do STF desautorizou a Súmula 122 do TRF-4, segundo a qual, depois da decisão condenatória de segunda instância, “deve ter início a execução da pena imposta ao réu”. Segundo Celso, a decisão do TRF-4, nesse caso, se limitou a apenas citar o texto da súmula e a decisão do Supremo sobre a execução provisória, sem fundamentar a ordem de prisão do réu. 
Clique aqui para ler a decisão.
RHC 129.663


 é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2017.

terça-feira, 29 de agosto de 2017

Especial: Da prisão em flagrante ao juiz, a rotina das audiências de custódia

Todos os dias cerca de 40 pessoas presas em flagrante  são ouvidas pelos juízes do DF.FOTO: Gláucio Dettmar/Agência.CNJ
Saulo* foi preso em flagrante por dirigir embriagado um caminhão de distribuição de gás no Recanto das Emas/DF, após o veículo desgovernado destruir uma barraca de comércio. 
Na segunda-feira (14/8), menos de 24 horas após o acidente, Saulo entrou cabisbaixo, vestindo o chamativo uniforme laranja da companhia em que trabalha, na sala do quinto andar do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), escoltado por três policiais. Ficou diante do juiz que decidiria se ele deveria responder ao processo preso ou em liberdade. 
Todos os dias cerca de 40 pessoas presas em flagrante no Distrito Federal – na maioria homens – são levadas pela polícia à presença de um juiz para audiência de custódia. Implantadas em 2015 em cumprimento à determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presentes hoje em todas capitais brasileiras, as audiências estão em fase de interiorização. 
Nos últimos dois anos, foram realizadas 258,4 mil audiências no Brasil e 55,32% delas resultaram na decretação de prisão preventiva do acusado. No Distrito Federal, as audiências ocorrem todos os dias pela manhã – inclusive domingos e feriados – comandadas por dois magistrados que trabalham, como costumam definir, em ritmo de “drive thru do McDonald’s". Em seus dias de folga os juízes são substituídos por colegas. Em 2016, em torno de 11,2 mil pessoas foram levadas ao Núcleo de Audiência de Custódia (NAC) do tribunal.
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Do lado de fora da sala, uma fila de pessoas presas em flagrante aguarda para ser conduzida pela polícia – a faixa majoritária é de homens entre 20 e 30 anos e, entre eles, quase sempre há moradores de rua e usuários de crackacusados de furto. 
O primeiro lembrete do juiz, no início da audiência, é que a pessoa não sairá dali nem condenada, nem absolvida – apenas presa ou solta. E que terá de responder ao processo criminal de qualquer jeito perante a Justiça. Embora os flagrantes que levam as pessoas às audiências tenham os mais diversos motivos – de uma briga de vizinhos a homicídios qualificados –, o juiz Aragonê Nunes Fernandes, que faz audiências de custódia no TJDFT, observa que há uma certa constância nos crimes cometidos. 
Segunda-feira, por exemplo, é o dia da “Maria da Penha”, pela maior frequência de homens que agridem mulheres durante o fim de semana e de acidentes causados por embriaguez ao volante. Já na quinta-feira, sempre há uma grande quantidade de pessoas que tentam entrar com drogas dentro do presídio, pois na quarta-feira é dia de visita. “Roubos e furtos têm todo dia”, diz o juiz Aragonê.
As audiências duram cerca de vinte minutos cada uma e, em todas, o juiz pergunta se houve violência policial. Já foi alegada violência no ato da prisão em doze mil audiências de custódia no país. No Distrito Federal, em 2016, foram 521 casos. “Os relatos de violência policial são poucos e isolados, caíram gradativamente desde a implantação das audiências”, diz o juiz Aragonê.
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Naquela segunda-feira 36 pessoas passaram pelas audiências de custódia no TJDFT. Desse total, 18 poderão responder ao processo em liberdade, e 19 não tiveram a mesma sorte: vão para a delegacia aguardar o chamado “bonde” que desce todas terças e sextas-feiras ao Centro de Detenção Provisória (CDP), no Complexo Penitenciário da Papuda, e lá esperarão pela sentença do juiz de instrução do processo. 
É o caso de Saulo, que, embriagado, causou o acidente e não possuía habilitação para conduzir um caminhão de gás. Na tentativa de fazer que pudesse responder ao processo em liberdade, o defensor público alegou que ele não costumava dirigir o veículo. Só o fez naquele dia em substituição a um motorista que estava doente. O defensor disse ainda que Saulo sofria danos emocionais, uma vez que sua esposa faleceu precocemente há três meses. Na oportunidade que teve para falar, Saulo disse ao juiz que apenas obedecia a ordens de seu patrão; que sustentava sua mãe e sua filha de 16 anos com o salário de R$ 1,2 mil.                 
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Ao manter a prisão, no entanto, o juiz considerou que Saulo tinha condenações anteriores, inclusive pelo mesmo tipo de crime, e cumpria prisão domiciliar por um “157”. Ou seja, roubo. “Não será a primeira vez que o senhor deixa a sua filha desamparada”, ponderou o juiz Aragonê. Para o juiz, as audiências de custódia são um ganho para a sociedade. “Melhorou exponencialmente a qualidade de quem fica preso e quem fica solto. Não existe esse oba-oba de que as pessoas são sempre soltas”, diz. 

Pobreza, baixa escolaridade e crack

Dois rapazes de pouco mais de 20 anos entraram algemados na sala de audiência de custódia. Muito altos e fortes, mas maltrapilhos e descalços, são acusados de dano ao patrimônio e furto qualificado por conta de uma ação ousada: invadiram o pátio de uma delegacia de polícia em Samambaia para furtar. Os rapazes não estudam, vivem de “bicos” de pintura, usam drogas esporadicamente e têm passagens pelo sistema socioeducativo quando menores de idade. 
O juiz Aragonê determina que cada um pague R$ 2 mil para repor os danos causados ao patrimônio – quantia praticamente impossível para eles, cuja renda mensal gira em torno de R$ 750 – e, antes de dizer que poderão responder em liberdade, avisa a cada um: “se aparecer aqui de novo, fica preso, viu?”. Um dos jovens sai inquieto, resmungando. Seu companheiro parece indiferente, como se já estivesse acostumado àquela rotina. Outros tantos passariam pelo procedimento naquele mesmo dia, com perfil muito parecido: pobre, de baixíssima escolaridade, sem emprego fixo e, muitas vezes, usuários de crack
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Para a juíza Lorena Alves Campos, que atua na outra sala de audiências   do TJDFT, o fato de poder verificar pessoalmente as condições do acusado facilita encaminhamentos sociais. Entre eles, estão os pedidos para tratamento de dependência química na rede pública, pedidos para assistência social (especialmente no caso de moradores de rua) e ao Conselho Tutelar, caso o acusado relate que os filhos ficarão desamparados com a sua prisão. “Antes das audiências muitas vezes não tínhamos essa informação no papel e nem sempre essas perguntas são feitas na delegacia”, diz a juíza Lorena. 

Maria da Penha não tem classe social

A despeito dos acusados se encaixarem, quase sempre, em um contexto de extrema vulnerabilidade social, alguns crimes, de acordo com a juíza Lorena, não são exclusivos de alguma classe social, faixa etária ou escolaridade: embriaguez ao volante e agressão contra mulher. “Na Lei Maria da Penha, chegam pessoas desde o morador de rua até moradores do Lago Norte”, diz, referindo-se a uma região de elite de Brasília. 
Descalço e muito sujo, Henrique*, 23 anos, pertencia ao primeiro grupo, o dos moradores de rua. O flagrante se deu em Planaltina, por conta de agressão e ameaça de morte a sua companheira, também moradora de rua. Henrique é negro, alto, usuário de crack há quatro anos e dorme nos fundos de um supermercado. Já passou, sem resultado, por tratamentos para dependência química. Ao ser indagado do pelo juiz se tem filhos, ele hesita um pouco e menciona um menino de três anos que moraria com uma tia em Minas Gerais. 
A vítima da agressão declarou, na delegacia, estar grávida de três meses, informação que Henrique disse desconhecer. Ela estava muito machucada no rosto e no quadril. Teve que se esconder do companheiro em uma academia de ginástica. Henrique já tem outras passagens na polícia por furto, uso de droga e outras agressões a mulheres. O representante do Ministério Público considerou o episódio deste flagrante triste, já que a vítima relatou na delegacia abaixar a cabeça para “tomar menos socos” quando Henrique se aproxima. 
Ao decidir que o acusado permanecerá preso até o julgamento, juiz levou em consideração que ele ameaçou de morte a companheira e os pais dela. Além disso, Henrique não tem endereço fixo, o que dificulta a comunicação da Justiça para que responda ao processo em liberdade. 
Todos os dias há pelo menos um caso de “Maria da Penha” e muitas vezes já são dadas as medidas protetivas na audiência de custódia – por exemplo, a proibição de o agressor entrar em contato com mulher ou filhos, ou medidas de acolhimento para a vítima. Antes das audiências, era comum que, após a agressão, o juiz marcasse uma audiência para dali a dois ou três meses, para conceder as medidas protetivas. “Nesse tempo, a situação poderia se agravar”, diz a juíza Lorena. 
Outro benefício é que nas audiências de custódia há possibilidade de explicar a medida protetiva ao acusado e verificar se ele, de fato, compreendeu como deve proceder.
“Antes das audiências, muitas vezes eles recebiam o papel da Justiça e, sem compreender a linguagem jurídica, achavam que podiam voltar para casa e tentar se reconciliar com a esposa”, diz Lorena 

Evitar prisões desnecessárias

“Nunca passei por uma situação dessa na vida, doutor”, afirma o homem baixo e corpulento, de olheiras profundas. Jânio*, 46 anos, foi pego em flagrante sob acusação de tentar furtar uma caixa de cerâmica nos fundos de uma loja. Ele não tem antecedentes criminais e disse, durante a audiência, que não usa drogas e vive de bicos de serralheria e de catar latinhas para reciclagem.
O defensor público esclarece que, ao remexer o lixo em busca de latinhas, o que costumava fazer todos os dias, Jânio foi confundido com um ladrão e acabou sendo agredido por diversas pessoas até a chegada da polícia. Sua mulher está desempregada e, para agravar a situação, Jânio é soropositivo e já estava há dois dias sem tomar seus remédios de rotina. O promotor esclareceu que a caixa de cerâmica, alvo da confusão, praticamente não tem valor financeiro. 
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O juiz decidiu soltá-lo, com a proibição de retornar ao local dos fatos. Casos de furtos simples e que nem chegam a se concretizar são comuns nas audiências – no dia anterior, por exemplo, houve um caso de furto de uma lata de atum. Para o juiz Aragonê, as audiências têm o papel fundamental de evitar prisões desnecessárias como a de Jânio  não fosse a audiência, ele provavelmente ficaria meses preso até que seu caso fosse avaliado. “A ideia geral é que houve um desencarceramento em massa, o que não é verdade. Não chega à população a informação de que o número de presos não variou significativamente com a implantação das audiências de custódia”, diz.
Quando falam da rotina antes da existência das audiências, os juízes lembram de casos de prisões desnecessárias. Uma semana antes das audiências serem implantadas, em 2015, o juiz se deparou, no CDP, com um homem preso há quatro meses sob acusação de roubo circunstanciado e corrupção de menores. Na verdade, o homem não tinha nenhum envolvimento com o crime, era dono de uma pizzaria no Lago Norte, bairro nobre de Brasília, e empregava quatro entregadores, entre eles, um adolescente.
No dia fatídico, os meninos pediram carona ao patrão para uma festa na Asa Sul, após o expediente. Não encontraram a festa e um deles pediu para parar em um posto para ir ao banheiro. Em vez disso, assaltou uma pessoa na avenida e foi apanhado em flagrante. Como o patrão o aguardava no carro, foi levado junto para a delegacia. “Era evidente a inocência do homem e foi facilmente comprovada no processo. Mas a mancha de ter ficado quatro meses preso, ninguém vai tirar dele”, diz o juiz. 
Acesse aqui aos dados estatísticos das audiências de custódia em todo o país.

*Nomes foram trocados para preservar a identidade.
Luiza Fariello

Nova publicação do IBCCrim quer unir academia e casos concretos

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais anunciará nesta terça-feira (29/8) uma nova publicação acadêmica com o objetivo de analisar problemas concretos do Direito Penal. O Jornal de Ciências Criminais será lançado em novembro, com previsão de três edições online por ano, que devem ser reunidas depois em uma versão impressa.
A chamada de artigos será oficializada durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, em São Paulo. Interessados terão prazo para enviar textos de 15 a 20 páginas, e as produções serão avaliadas por um conselho editorial formado por oito membros.
Estão entre os conselheiros Luís Greco, da Universidade de Augsburg (Alemanha); Fábio D’Ávila; Frederico Horta (UFMG) e Thiago Bottino (FGV Direito Rio).
A ideia é que 25% dos artigos sejam em língua estrangeira, inéditos no Brasil, de acordo com a coordenadora e editora-chefe, Marina Pinhão Coelho. Ela afirma que o objetivo é criar um espaço de excelência no Brasil para análise racional de jurisprudência com base na doutrina sobre temas da atualidade, como delação premiada e critérios sobre a definição de lavagem de dinheiro.
Marina Coelho era responsável pela Revista Brasileira de Ciências Criminais, que recentemente subiu no conceito Capes (de B1 para A1). Segundo ela, a nova publicação vai discutir temas de forma mais aprofundada. O IBCCrim também já conta com um boletim mensal.
Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2017.

Mais de 50% dos presos monitorados por tornozeleiras descumprem regras

Dos 384 presos que usam tornozeleiras no Tocantins, 115 foram flagrados fora do perímetro e 99 equipamentos foram violados neste ano. Delegado diz que monitorados tiram as tornozeleiras ou deixam descarregar.


Tornozeleira encontrada em terreno baldio (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Tornozeleira encontrada em terreno baldio (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

O estado tem atualmente 384 presos do regime semiaberto sendo monitorados por tornozeleiras eletrônicas. A medida tem o objetivo de proporcionar maior reintegração do preso e também é um meio de desafogar as unidades prisionais. Porém, em 2017, pelo menos 115 detentos foram flagrados fora do perímetro permitido, descumprindo determinação da Justiça.
A maior discussão quanto ao uso das tornozeleiras fica em torno da efetividade da medida e segurança do equipamento. A lei que regulamenta o monitoramento eletrônico determina que o preso não pode remover, violar ou danificar o equipamento.
Mesmo assim, um levantamento feito pela Secretaria de Cidadania e Justiça, a pedido do G1, mostrou que 99 tornozeleiras foram violadas neste ano. Ou seja, dos 384 monitorados, 214 descumpriram as regras do regime de alguma forma.
Em abril, por exemplo, um suspeito de homicídio quebrou o lacre e retirou a tornozeleira um dia após ganhar liberdade. Dois meses depois, outros quatro homens foram presos em uma semana após retirar ou deixar os equipamentos descarregarem.
"Alguns dos presos simplesmente retiravam as tornozeleiras que estavam usando a fim de se ausentar para longe da residência em que deveriam permanecer para cumprimento da pena. Outros, propositalmente, deixavam a bateria dos dispositivos descarregar", disse o delegado Reginaldo de Menezes Brito, naquela ocasião.
Os presos flagrados descumprindo as regras podem voltar para o regime fechado ou ter revogada a saída temporária e prisão domiciliar. Na capital, das 240 pessoas que são monitoradas 90 tiveram regressão provisória de regime, segundo o Tribunal de Justiça (TJ).
Essa regressão provisória seve para que o preso tenha a oportunidade de explicar o motivo de descumprir o limite ou da tornozeleira ter parado de funcionar. O TJ não quis comentar os dados de regressão.
A Polícia Civil e a Secretaria de Cidadania e Justiça também não comentaram os números do levantamento.

Ministra Cármen Lúcia articula integração dos tribunais a banco de dados da população carcerária

Integrar os sistemas de tramitação eletrônica de processos dos Tribunais de Justiça (TJs) é a prioridade da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia para implantar o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) 2.0.
A ferramenta digital vai permitir às autoridades judiciárias monitorar, em tempo real, cada prisão ocorrida no país e acompanhar on-line a movimentação processual da população carcerária.
Por isso, a ministra promoveu na manhã desta segunda-feira (28), no gabinete da Presidência do STF, uma reunião com representantes estaduais de Justiça e o diretor-executivo de uma empresa responsável pelo sistema de tramitação eletrônica de processos de vários tribunais brasileiros (Softplan), Ilson Stabile, para acertar os últimos detalhes dessa adaptação tecnológica.
No encontro, a ministra enfatizou a urgência de se compatibilizar o funcionamento dos sistemas próprios dos TJs ao BNMP 2.0. “A população brasileira e os juízes deste país precisam saber quantos presos temos, onde estão, por que estão presos. Como nosso atraso nessa área é de 30 anos, não temos como negociar prazos”, disse a ministra.
O êxito do funcionamento da nova plataforma depende da solução tecnológica e da participação dos tribunais, que serão responsáveis por alimentar o sistema gerido pelo CNJ com mandados de prisão, alvarás de soltura e documentos relacionados à entrada e saída dos presos do sistema carcerário. Atualmente, dados sobre a permanência dos cidadãos acusados ou condenados pelo sistema de Justiça abastecem apenas os sistemas eletrônicos de cada tribunal. O BNPM 2.0 permitirá, por exemplo, que um juiz de comarca no Rio Grande de Sul acesse informações on-line sobre um condenado pela Justiça do Amapá.
Prazos e custos
Ilson Stabile, da Softplan, estimou em 90 dias o prazo para fazer os ajustes necessários à integração no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), em que o BNMP 2.0 opera de forma experimental desde o início deste mês.
A experiência catarinense servirá para balizar os ajustes que serão adotados futuramente nos demais tribunais. Stabile se comprometeu ainda a avaliar se será possível descontar os custos da operação do valor dos contratos que sua empresa mantém com Tribunais de Justiça, entre os quais estão o TJ do Acre (TJ-AC) e o de São Paulo (TJ-SP).
De acordo com o cronograma do projeto, o BNMP 2.0 deverá estar em pleno funcionamento até o fim do ano. Por isso, o sistema, que será gerido pelo CNJ e alimentado de informações prestadas pelos órgãos do Judiciário, está em fase de testes em Roraima, além de Santa Catarina.
Aprimoramento
O sistema aprimora a justiça criminal ao fornecer em tempo real e de forma integrada aos juízes de todo o Brasil informações sobre cada fase da prisão de um cidadão. Todas as movimentações realizadas entre o momento da detenção até o dia da libertação serão informadas por meio do BNMP 2.0. A data de soltura do preso, inclusive, poderá ser consultada tanto pelos magistrados quanto pelas famílias das vítimas dos crimes, caso desejem.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Em 2017, confiança da população na Justiça e no MP diminuiu, diz estudo da FGV

A operação “lava jato” pode ter levado o mundo do Judiciário para as manchetes como nunca antes uma investigação foi capaz. E o efeito da exposição foi uma queda na confiança da população no Judiciário e no Ministério Público, aponta a edição de 2017 do Índice de Confiança na Justiça, da Fundação Getulio Vargas. Isso além, é claro, da já esperada redução do número de pessoas que confiam no governo.
Em 2016, o MP havia sido citado como "confiável" por 44% da população. Neste ano, o número caiu para 28%. De acordo com a pesquisa, enquanto 30% dos entrevistados pela GV diziam confiar na Justiça em 2016, só 24% disseram o mesmo entre maio e junho deste ano, quando o levantamento foi feito.
Pelo que já foi divulgado, a imagem do governo federal foi a mais prejudicada com os acontecimentos dos últimos anos. Em 2017, só 6% dos entrevistados disseram confiar nos assuntos ligados ao Executivo Federal. Um ano antes, a cifra era de 11%, quase o dobro. Dois anos antes, 29% dos entrevistados diziam confiar no governo federal.
Havia a expectativa de que a popularidade do juiz federal Sergio Moro, que toca a “lava jato” em primeira instância, pudesse alavancar a confiança no Judiciário, mas ela não foi confirmada pelos dados. O que se viu, na verdade, foi o contrário.
“A conclusão a que chegamos foi que conhecer uma instituição é desconfiar dela”, disse nesta sexta-feira (25/8) a professora Luciana de Oliveira Ramos, responsável pela pesquisa. O levantamento ainda não foi divulgado, mas alguns dados preliminares foram apresentados pela professora durante o InnovationDay Tribunais, evento organizado pela Softplan, empresa de tecnologia que fornece software e soluções para o mundo jurídico.
A FGV considera que as pessoas levaram em conta não só os efeitos da “lava jato”, mas também o resultado do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e a crise econômica por que passa o país. A pesquisa ouviu 1.650 pessoas em oito estados, que a fundação calcula representar 60% da população brasileira.
 é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2017.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Possibilidade de extinção da punibilidade barra execução antecipada da pena

A possibilidade de extinção da punibilidade do crime pela ocorrência da prescrição superveniente, ou seja, quando há sentença condenatória, mas ainda não transitada em julgado, é motivo para conceder efeito suspensivo a recurso especial pendente de julgamento e barrar a execução antecipada da pena de prisão.
O entendimento foi utilizado pelo ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça, para conceder liminar em favor de dois homens condenados pelo juiz da 7ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso pelos crimes de associação criminosa, fraude processual e violação de sepultura.
Após a sentença ter sido confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a defesa da dupla protocolou o REsp, já admitido. Segundo os advogados Nabor Bulhões e Carolina Abreu, os clientes estavam presos de forma provisória desde junho deste ano por causa de penas “verdadeiramente extintas pela prescrição” e fixadas em contrariedade à legislação de regência.
De acordo com a defesa, o juiz de primeiro grau, após o julgamento da apelação, determinou a execução antecipada da condenação depois de já ter decidido antes mantê-los em liberdade até o julgamento definitivo do REsp. "O juiz agiu de forma manifestamente ilegal e abusiva, pois já havia apreciado a matéria e decidido 'de forma preclusa' pela não execução antecipada das penas dos requerentes", dizem os advogados.
O magistrado, segundo o recurso, decidiu determinar a prisão fazendo menção a portarias da Presidência da 3ª Turma do TRF-1 e da Presidência da 2ª Seção daquela corte federal. Ele afirmou que aqueles instrumentos infralegais teriam estabelecido que “a execução provisória da sentença penal condenatória, quando confirmada em 2ª instância, deve ocorrer de ofício, independentemente de requerimento do MPF”.
A defesa afirma, porém, que as portarias, ambas datadas de 25 de maio deste ano, dão orientações genéricas. Além disso, afirmam ainda que o acórdão confirmatório da sentença condenatória de 1ª instância, no caso concreto, foi proferido pela 4ª Turma do TRF-1.
O ministro Mussi, relator do recurso, concordou com os argumentos da defesa e concedeu efeito suspensivo ao recurso até seu julgamento de mérito. Ele diz acreditar, ao menos em um juízo de cognição sumária, haver plausibilidade jurídica necessária à concessão da medida de urgência diante da possibilidade de estar extinta a punibilidade dos crimes de fraude processual tentada e de violação de sepultura, pela ocorrência da prescrição superveniente.
“E caso declarada a extinção da punibilidade pelos delitos acima referidos, remanesceria apenas a pena pelo delito de quadrilha com a possibilidade de imposição de regime mais brando que o fechado, evidenciando-se, neste ponto, o periculum in mora na prestação jurisdicional, na medida em que ambos os requerentes se encontram cumprindo pena em regime mais gravoso", afirmou.
Clique aqui para ler a decisão.
TutPrv no REsp 1.590.350

 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2017.

STJ divulga entendimentos da corte sobre crimes contra o patrimônio

O Superior Tribunal de Justiça divulgou a edição 87 da publicação Jurisprudência em Teses, que tem como tema os crimes contra o patrimônio.
Conforme um dos entendimentos, o crime de extorsão (artigo 158 do Código Penal), se praticado com o objetivo de extrair vantagem econômica indevida, também pode ter como alvo os bens da vítima.
Já outra tese define que, no caso de dano ao patrimônio público praticado por preso para facilitar a fuga, é necessário demonstrar o dolo específico de causar prejuízo ao bem público, sem o qual a conduta é atípica. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2017.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

75% das mulheres soltas em audiência de custódia no RJ têm filhos de até 12 anos

Do total de mulheres presas em flagrante no Rio de Janeiro que têm filhos com até 12 anos de idade, 75% receberam a liberdade provisória após terem sido apresentadas a um juiz dentro do prazo legal de 24 horas. É o que mostra o 5º Relatório de Audiência de Custódia, produzido pela Diretoria de Estudos e Pesquisa de Acesso à Justiça da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O trabalho traz informações sobre os casos atendidos pela instituição entre 19 de setembro de 2016 e 17 de março deste ano.
Mulheres representam 7,4% do total de pessoas presas em flagrante em seis meses (entre 19 de setembro de 2016 e 17 de março deste ano).
Reprodução
Nos seis meses analisados, a Defensoria acompanhou 3.011 presos apresentados a um juiz, que avaliou a necessidade de a prisão ser mantida. Desse universo, 245 eram mulheres. Isso corresponde a 7,4% do total das pessoas presas em flagrante no período pesquisado.
Entre as mulheres detidas, 168 relataram que eram mães; sendo que 122 delas, de filhos com até 12 anos. Desse total, 46 foram presas por furto (37,7%), 41 por crimes relacionados ao tráfico de drogas (33%) e 21 por roubo (17%).
Do total das mães com filhos de até 12 anos, 91 acabaram recebendo a liberdade provisória após serem submetidas à audiência de custódia (ou seja, 75%). Durante o procedimento, 22 mulheres relataram ter condenação anterior. Detidas por tráfico de drogas e roubo, sete delas permaneceram presas.
Números constantes
A diretora de Estudos e Pesquisa de Acesso à Justiça da Defensoria Pública do Rio, Carolina Haber, apontou que o número de liberdades concedidas às mães presas em flagrante foi praticamente o mesmo que o constatado nos relatórios anteriores feitos pela instituição.

Segundo a pesquisa referente ao primeiro ano da audiência de custódia, por exemplo, divulgado em setembro do ano passado, 193 das 284 mulheres com filhos, então presas em flagrante, foram soltas após a apresentação a um juiz. A taxa de soltura registrada naquele período foi de 70%.
Os relatórios também mostram o índice de liberdades provisórias entre as gestantes. De acordo com o 5º relatório, entre as 35 mulheres grávidas (26 gestantes e nove com suspeita de gravidez), 27 receberam a liberdade provisória após a audiência de custódia. No relatório de um ano do procedimento, das 41 mulheres que indicaram estar grávidas e oito com suspeita, 28 tiveram a liberdade provisória concedida. O índice de soltura foi, respectivamente, de 0,12 e 0,25 por dia.
Sobre o perfil das presas, Carolina Haber destacou que a maioria é jovem, tem baixa escolaridade, é da cor preta ou parda e praticou crimes sem violência, como furto e tráfico de drogas.
“A situação das mulheres precisa receber uma avaliação diferenciada pelo Judiciário. Essas mulheres carregam a responsabilidade exclusiva pelo cuidado dos filhos, e o poder público não pode fechar os olhos para essa realidade, ainda mais quando se verifica que não cometeram crimes violentos e não vão deixar de responder ao processo se ficarem em liberdade, pois têm casa e família para cuidar. Mesmo quando respondem por tráfico, na maioria das vezes, agiram pra levar drogas ao presídio para seus companheiros, não são traficantes profissionais. Talvez por isso o índice de soltura seja maior para as mulheres do que em geral, mas ainda é preciso fortalecer essa política de atenção à mulher”, afirmou a pesquisadora.
Para Emanuel Queiroz, coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, os dados apontam uma tendência dos juízes em observar a política de proteção das mães com filhos menores de 12 anos, instituída a partir da alteração do Código de Processo Penal pela Lei 13.257/2016. Essa norma prevê a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para as mulheres que têm filhos de até 12 anos.
“Espera-se que essa sinalização dos juízes que promovem audiência de custódia se espraiem por todo o Estado, iluminando à atuação do Ministério Público e dos magistrados, possibilitando que a regra seja aplicada, ou seja, a liberdade seja a regra, e não o inverso. E, nos casos em que não for possível a não aplicação da liberdade, que seja observado o direito das mães à prisão domiciliar, respeitando-se, dessa forma, o direito da mulher mãe e os direitos das crianças à convivência familiar.”
Taxa de retorno
Em um ano e meio, apenas 2,84% das pessoas soltas nas audiências de custódia no Rio de Janeiro voltaram a ser presas em flagrante, revela também o 5º relatório sobre o procedimento. Conforme o documento, 3.311 pessoas passaram pelo procedimento nos seis meses pesquisados. Desse total, 1.679 continuaram presas. Outras 1.566 receberam a liberdade provisória e 32 obtiveram o relaxamento da prisão em flagrante. A taxa de soltura registrada foi de 48% — a maior entre os períodos pesquisados.

Nos 1º e 2º relatórios, produzidos pela Defensoria entre os dias 18 de setembro e 13 de outubro de 2015 e 14 de outubro de 2015 a 15 de janeiro de 2016, respectivamente, a liberdade foi concedida em 40% dos casos. O índice de soltura, contudo, caiu para 29% no período analisado no 3º relatório, entre 18 de janeiro e 15 de abril de 2016.
Das 1.598 liberdades concedidas, 743 réus informaram que trabalham e também forneceram endereço — ou seja, em 46,5% desses casos, os réus preenchiam os requisitos de residência e emprego, ainda que informal. Do total de liberdades concedidas, 84,74% foi para os presos por furto, enquanto 18,44% por roubo. Quanto aos tipos penais da Lei de Drogas, se considerados de forma isolada, a liberdade foi concedida em 62,82% dos casos.
Ainda segundo o 5º relatório, do total de pessoas que passaram pela audiência de custódia em um ano e meio desde a implantação da iniciativa, apenas 234 réus voltaram a ser presos em flagrante.
O 5º relatório confirma o perfil das pessoas presas no Rio: pretos e pardos (74,93%), com apenas o ensino fundamental (64,58%) e idade entre 18 e 36 anos (83,54%), que trabalham no mercado informal e praticaram crimes contra o patrimônio ou previstos na Lei de drogas.
Mais audiências
A Justiça promoveu, em média, 30 audiências de custódia por dia, aponta ainda o 5º relatório sobre o procedimento. De acordo com a pesquisa, o número é três vezes superior ao registrado em setembro de 2015, quando o procedimento foi implantado no Estado.

Carolina Haber explica que o total de audiências feitas por dia foi aumentando gradativamente, em parte porque o número de delegacias atendidas pelo projeto foi ampliado ao longo do tempo.
Segundo a pesquisadora, no primeiro mês, foram registradas 10 audiências por dia. Nos três meses seguintes, a média passou para 14; e, nos três meses posteriores, para 24.
Ainda segundo o relatório, 35,1% do total de réus que passaram pela audiência disseram ter sofrido agressão policial. Quando questionados se poderiam identificar o agressor, 989 réus responderam que sim. O agressor que mais aparece indicado é o policial militar, seguido de populares e da segurança privada.
Clique aqui para ler a íntegra do relatório.
Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2017.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Passo a passo dos atos praticados no inquérito policial

Retomando as discussões de algumas colunas atrás, ao tratar da figura do inquérito policial, conforme já fizemos nos textos “É preciso discutir o inquérito policial sem preconceitos e rancores”, bem como nos seguintes “Algumas sugestões para o interrogatório na esfera policial” e “Algumas considerações sobre testemunhas no inquérito policial”, assim como como nos textos de Henrique Hoffmann ou mesmo o artigo com o qual abri minha participação nesta coluna, ainda no ano de 2015, nosso objetivo aqui é tratar dos atos praticados no inquérito policial, visando seu desenvolvimento.

Assim, é possível dividir essa cadeia de atos em atos iniciais (que marcam o nascimento do inquérito policial), atos de instrução (que são voltados para o seu desenvolvimento até o indiciamento) e, por fim, como ato final, o relatório, que marca seu encerramento.
1. Dos atos iniciais
O inquérito policial tem, via de regra, duas origens: a notícia de um crime (seja ela de origem interna ou externa) ou uma prisão em flagrante, formalizado pelo auto de prisão em flagrante.

O ato que marca temporalmente seu início, conforme o caso, se dá pela portaria de instauração do inquérito policial, ou por meio da formalização do auto de prisão em flagrante, no segundo caso.
No caso dos crimes de ação penal pública, o CPP prevê, seu artigo 5°, duas formas de início: de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária, do Ministério Público, ou requerimento do ofendido ou seu defensor.
No caso de requerimento do ofendido, o CPP prevê ainda seus elementos:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.
A requisição de instauração, por sua vez, embora não haja previsão expressa no CPP, deve conter a descrição dos fatos a serem investigados, bem como documentos que a instruam minimamente, como diligências realizadas na esfera administrativa, cópias de procedimentos fiscais etc.
1.2. Dos atos de investigação (diligências)
Para o desenvolvimento da investigação, o Código de Processo Penal prevê diversas diligências que podem ser realizadas na sua fase instrutória, as quais podemos dividir entre ordinárias e extraordinárias.

As diligências ordinárias estão previstas nos artigos 6° e 7° do CPP, que estabelecem como diligências:
  • exame do legal de crime;
  • apreensão de provas destinadas ao esclarecimentos do fato e suas circunstâncias;
  • oitiva do ofendido, testemunhas e indiciado;
  • reconhecimento de pessoas e coisas;
  • acareações;
  • exame de corpo de delito e outras perícias;
  • identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, com a juntada da folha de antecedentes;
  • questionário de vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter; obtenção de informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa;
  • reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública.
Nessa fase, é possível ainda a realização de diligências extraordinárias, como a representação por medidas cautelares sujeitas a reserva de jurisdição, tais como a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico, telemático, bem como a interceptação telefônica, busca e apreensão, infiltração policial, colaboração premiada e ação controlada, entre outras.
1.3. Do indiciamento
Uma vez finda a fase de colheita dos elementos probatórios, que pode ser chamada de fase de “instrução” do inquérito policial, a autoridade policial, mediante análise técnico-jurídica dos fatos, poderá proceder ao ato de indiciamento do(s) investigado(s), quando presentes os indícios de autoria e materialidade, nos termos do parágrafo 6° do artigo 2° da Lei 12.830/2013.

O ato de indiciamento é o ato do delegado de polícia, enquanto presidente da investigação, via de regra praticado ao término da mesma, ao considerar concluída a fase de coleta de elementos probatórios do delito investigado, quando é possível concluir-se pela autoria de determinado crime, individualizando-se o autor.
Funciona, portanto, como uma das etapas da formação da culpa na investigação criminal, quando os elementos constantes no inquérito policial permitem ao delegado de polícia formar sua convicção de autoria e materialidade na investigação criminal, no processo de filtragem apontado por Lopes Jr (2012, p. 280), “purificar, aperfeiçoar, conhecer o certo”.
Bonfim (2006, p. 124) destaca a mudança no status do investigado, de simples suspeito de ter praticado a infração penal passando a ser considerado o provável autor da infração. Trata-se de ato formal, conforme Rosa (2013, p. 120), que consubstancia uma “declaração pelo Estado de que há indicativos convergentes sobre sua responsabilidade penal, com os ônus dai decorrentes” ou, ainda, uma “declaração de autoria provável” (CAPEZ, 2006, p. 92).
A Lei 12.830/2013 trouxe, em seu artigo 2°, parágrafo 6º, “o indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias”.
Nos parece, portanto, indiscutível que o delegado realize juízo de valoração da conduta no inquérito policial. Como bem pondera Castello Branco (2013), “o papel do delegado de polícia é de juiz do fato. Não é o juiz das linhas do processo, mas do fato bruto”. Essa deve ser a interpretação coerente com o Estado Democrático de Direito.
Quanto à sua natureza, pode ser entendido como um ato administrativo com efeitos processuais, cujas consequências são bastante claras. Steiner (1998, p. 307) ressalta que:
“O indiciamento formal tem consequências que vão muito além do eventual abalo moral que pudessem vir a sofrer os investigados, eis que estes terão o registro do indiciamento nos Institutos de Identificação, tornando assim público o ato de investigação. Sempre com a devida vênia, não nos parece que a inserção de ocorrências nas folhas de antecedentes comumente solicitadas para a prática dos mais diversos atos da vida civil seja fato irrelevante. E o chamado abalo moral diz, à evidência, com o ferimento à dignidade daquele que, a partir do indiciamento, está sujeito à publicidade do ato”.
Saad (2004, p. 262-263) aponta ainda o indiciamento como condição para o exercício do direito de defesa na fase investigatória “a partir do qual se deve, necessariamente, garantir a oportunidade ou ensejo ao exercício do direito de defesa”.
Deve ser destacado ainda que o ato de indiciamento no inquérito policial é privativo do presidente da investigação, sendo incabível, no caso, requisição por parte do Ministério Público ou do Poder Judiciário para que o faça, tendo em vista ser ato de seu juízo de valor. Dessa forma, requisições para indiciamento formuladas no bojo da investigação são ilegais e não carecem de cumprimento.
1.4. Do relatório final
Consiste no ato que marca o encerramento da investigação preliminar, quando é oferecido, pela autoridade policial, o relatório onde a autoridade aponta as diligências realizadas e sua interpretação técnico-jurídica dos fatos.

O relatório final pode prescindir do indiciamento, que somente ocorre quando presente os indícios de materialidade e autoria de infração penal.
Com o oferecimento do relatório, abrem-se três possibilidades ao Ministério Público: requisitar novas diligências (necessárias) — sobre cujo tema já me manifestei no texto “A presidência do inquérito policial
e a requisição de diligências”, publicado nesta coluna —, pedir o arquivamento ou oferecer denúncia.

No caso de arquivamento, caso o juiz discorde, deve aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal, remetendo os autos ao procurador-geral, que, concordando com as razões apresentadas pelo juiz, deve designar novo promotor para atuar no caso.
Esses são, em síntese, os passos por quais percorre o inquérito policial de sua instauração até o seu encerramento com o relatório final da autoridade policial.

Referências
BONFIM, Edílson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 124.
BRANCO, Paulo Braga Castello. A análise da antijuridicidade da conduta pelo delegado de polícia sob a perspectiva da teoria dos elementos negativos do tipo penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3609, 19 maio 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24487>. Acesso em: 22 jul. 2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto de Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
SAAD, Marta. O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
STEINER, Sylvia. O indiciamento em inquérito policial como ato de constrangimento – legal ou ilegal. Revista Brasileira de Ciência Criminais, v. 24, 1998.

Revista Consultor Jurídico, 22 de agosto de 2017.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Prisão cautelar não pode ser baseada em suposições, diz STJ ao conceder HC

A prisão cautelar é a mais excepcional das medidas e não pode ser estabelecida com base em suposições. Com esse entendimento, o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, concedeu Habeas Corpus a dois empresários acusados de participar de esquema de roubo e receptação de cargas.
Os autores da ação são donos de uma loja de bebidas na cidade de Ibiporã, no Paraná. São acusados junto com outras pessoas de formar o esquema de rouco e receptação.
O juiz que decretou a prisão dos suspeitos afirmou na decisão que os crimes foram praticados “em tese, pelos investigados”, que existem “fortes indícios” que eles formam uma organização criminosa e que “maioria” dos investigados possui antecedentes criminais.
Atuando na defesa dos dois empresários, os advogados Lucas Andrey BattiniGuilherme Maistro Tenorio Araujo ressaltaram no HC apresentado ao STJ que seus clientes não possuem antecedentes e que contra eles pesam "apenas suposições". Eles ressaltaram que, ao decretar a prisão, o juiz considerou o grupo como uma coisa só, sem individualizar os suspeitos.
Os argumentos foram acolhidos pelo ministro Reis Júnior, que ressaltou que a prisão cautelar só deve ser estabelecida se for comprovada sua inequívoca necessidade.
“Não há, por ora, dados concretos (mas, apenas suposições) que indiquem que os pacientes tentaram obstruir as investigações e, muito menos, que eles pretendem fugir da comarca. Quanto ao risco de reiteração de criminosa, o Magistrado tratou todos os investigados de uma única forma, como se todos tivessem antecedentes criminais e, por isso, pudessem continuar a prática delitiva. O que não condiz com a realidade”, disse o ministro. 
Clique aqui para ler a decisão do STJ. 
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2017.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Nos Estados Unidos, muitos advogados estão buscando refúgio na literatura

A advogada Alesia Holliday começou a pensar seriamente em deixar a advocacia para se dedicar a escrever romances em tempo integral, com o pseudônimo de Alyssa Day, depois que um juiz federal lhe deu uma injeção de ânimo: “Suas petições são muito agradáveis de se ler. Você consegue prender minha atenção com suas histórias”.
Muitos advogados americanos vêm aprendendo e praticando redação criativa por duas razões: uma, descobriram que os juízes apreciam a leitura de uma petição escrita como se fosse uma novela; duas, souberam que os leitores de romances adoram ler histórias que envolvem disputas judiciais.
Esse foi, por exemplo, o caminho seguido pela bem-sucedida escritora Julie James (pseudônimo), em sua transição da advocacia para a literatura. Ela deixou a advocacia, mas a advocacia nunca deixou a escritora. Um de seus romances explora o sistema criminal de Chicago. Em outra de suas novelas dramáticas, Just the Sexiest Man Alive, o protagonista é um advogado de entretenimento que representa um “dilacerador de corações” hollywoodiano, em uma disputa judicial.
Em outra de suas novelas, Practice Makes Perfect, dois advogados competem por uma vaga de sócio do escritório. E no desenrolar do drama, eles acabam se apaixonando. E essa é a parte que mais agrada os advogados convertidos em escritores: por mais dramática que seja a história, ela sempre terá um final feliz, no melhor estilo dos filmes de Hollywood e, obviamente, da maneira que mais agrada a maioria dos leitores.
“Na área que eu atuava, não havia final feliz”, disse ao Washington Post a ex-advogada KelenKay Dimon, agora escritora em tempo integral. Sua área era Direito de Família e a maioria de seus casos envolvia divórcios, guarda dos filhos e outros litígios familiares. O que ela via diariamente eram casais em uma batalha “sangrenta” por “até o último dólar” e por qualquer porção de direito que poderia lhes caber, sem complacência ou compaixão.
“Sempre havia uma decisão. Mas, por mais justa que fosse, as duas partes saiam gravemente feridas da disputa judicial. Não havia final feliz”, ela disse. Em meio a uma depressão e com distúrbios do sono, uma colega de escritório lhe entregou três romances, com o recado: “Você precisa de finais felizes”.
Ela não só leu os romances como comprou outros e começou a escrever os próprios, primeiro como passatempo. Quando descobriu uma competição on-line de romances amadores, ela se inscreveu, mandou sua melhor obra e ganhou. A partir daí, sua carreira de escritora disparou. “Nos meus romances, os casais podem se atracar, se ferir, mas o final feliz é garantido”, disse.
A advogada Heidi Bond, escritora sob o pseudônimo de Courtney Milan, foi assistente judicial de dois ministros da Suprema Corte dos EUA. Nessa função, fazia muita pesquisa e redigia áridas decisões judiciais. Até que ela escreveu Proof by Seduction, que conta a história de um cientista que queria provar que uma cartomante era uma farsa. Bem, eles se apaixonam...
Os casos de advogados que se tornam escritores não são isolados. São muitos os advogados membros dos Romance Writers of America e quatro deles fazem parte do conselho da entidade. A questão é: por que advogados acabam enveredando pelo caminho da literatura?
Um fato é que aos advogados não faltam histórias dramáticas (algumas trágico-cômicas) para contar. Outro, segundo a advogada Heidi Bond, é que uma das habilidades de um bom advogado é pegar uma penca de acontecimentos discrepantes e entrelaçá-los para formar uma história que excita a imaginação humana — e contá-la nos tribunais.
“Da mesma forma que você monta uma história para convencer um júri ou um juiz de que seu cliente é inocente ou merecedor de uma indenização, você arquiteta um romance sobre um casal que enfrenta inúmeras situações na vida para, no final das contas, tudo terminar com um final feliz. Nos romances, diferentemente dos tribunais, os mocinhos sempre ganham.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2017.

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