Um réu por homicídio que respondia ao processo em liberdade foi preso preventivamente após ser acusado de ingerir bebida alcoólica, violando um dos requisitos para sua liberdade condicional. A denúncia foi feita pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que viu no ato, mesmo sem investigá-lo, descumprimento de determinação judicial.
O homem tornou-se réu ao ser apontado como responsável pela morte de um segurança de uma boate de Campo Grande. Segundo a denúncia, durante uma briga generalizada, em 2011, a vítima e o acusado se agrediram até que, ao supostamente levar um chute no peito, o segurança morreu.
O acusado afirma que não agrediu a vítima, apenas resistiu às tentativas de ser retirado do local. À época dos fatos, o homem foi preso sob a alegação de conveniência da instrução criminal, manutenção da ordem pública, fuga do local do crime e por responder a outras acusações de agressão.
Foi solto pouco tempo depois pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do MS. “O fundamento utilizado pelo julgador singular para segregação cautelar do paciente para conveniência da instrução criminal é inidôneo e não guarda qualquer relação com o processo”, afirmaram os desembargadores.
O colegiado disse também que o fato de o réu ter deixado o local após supostamente ter cometido o crime não justifica a prisão preventiva, pois é “perfeitamente compreensível que após cometer um delito o agente não permaneça no local dos fatos e procure se ocultar para evitar a prisão do flagrante”.
“Há de se ponderar que nem sempre a evasão do local onde o delito foi cometido pode ser interpretada como evasão do distrito da culpa e intenção de frustrar a aplicação da lei penal”, complementou a 2ª Turma.
Ao permitir que o réu respondesse ao processo em liberdade, o juízo o proibiu, entre outras determinações, de ingerir bebidas alcoólicas e de frequentar “casas noturnas, bares, boates, raves, exposições e estabelecimentos similares, bem como qualquer festa, seja em local residencial ou comercial, baladas, confraternizações, shows, jogos, amistosos e clubes de luta”.
E foram essas proibições que o levaram de volta à cadeia. Em uma noite de junho deste ano, o réu foi jantar no Outback da capital sul-mato-grossense acompanhado de uma amiga. No restaurante, os dois foram flagrados por uma prima da vítima, que tirou fotos do acusado e de sua companhia depois que dois copos de chopp foram servidos.
Esse material foi encaminhado ao MP-MS, que usou as imagens para pedir a prisão do réu. O pedido foi prontamente atendido pelo juízo responsável pelo caso.
A decisão foi tomada sem qualquer perícia ou apuração mais profunda. Para o juízo do caso, essas confirmações não são necessárias para decretar a prisão por descumprimento de ordem judicial.
Ele destacou na decisão que não há como alegar que o conteúdo dos copos registrados na foto não eram alcoólicos “porque notoriamente se sabe que o ‘Outback’ tem a principal fonte de renda em todo o país oriunda da venda de chopps, aliás justamente em copos no modelo fotografado”.
O julgador também afirmou que não foi descumprida apenas a proibição relacionada a bebidas alcoólicas, mas também o impedimento de frequentar bares e festas. “Dentro da proibição de não frequentar bares e casas noturnas, existem três expressões que podem ser tidas como cláusulas gerais, quais sejam: ‘a) estabelecimentos similares; b) qualquer festa, seja em local residencial ou comercial; e c) confraternizações,’ expressões essas que reclamam a complementação pelo juízo diante do caso concreto.”
Em sua manifestação, o advogado do acusado, José Trad, disse que o copo não era para seu cliente, pois ele e sua companhia estavam esperando uma terceira pessoa. Afirmou ainda que a proibição era restrita a bares e festas, não restaurantes.
Para o juízo, esse argumento “é um subterfúgio interpretativo que visa esvaziar a finalidade da condição". "Vale sublinhar que [o Outback] é um dos melhores restaurantes desta capital, cuja frequência notoriamente se sabe que é marcada por filas enormes da média e alta sociedade, que fica horas a fio de espera para conseguir uma vaga, principalmente no dia e horário a que foi flagrado”, elogiou.
Recurso que atrapalha
Em dezembro de 2012, às vésperas do júri do réu, o Superior Tribunal de Justiça concedeu recurso apresentado pelo MP-MS e suspendeu liminarmente a sessão. O pedido questionou a desconsideração das qualificadoras que foram imputadas ao acusado: motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima. O processo está suspenso desde então.
Esse lapso temporal desde a suspensão do processo pelo Superior Tribunal de Justiça foi um dos argumentos usados pela defesa do réu contra o pedido de prisão do MP-MS. Segundo Trad, a demora no julgamento de mérito pelo STJ impede o prosseguimento da ação, privando o acusado de ter uma vida plena porque as restrições são mantidas indefinidamente.
Porém, para o juízo que o devolveu à prisão, o tempo de duração do processo é culpa do próprio acusado, não do Judiciário. “Quem primeiro deu causa à demora do julgamento foi o próprio acusado ao não concordar com a pronúncia no homicídio qualificado, sendo que estas foram retiradas pelo Tribunal/MS, inclusive por embargos infringentes, dando ensejo ao assistente de acusação postular o retorno junto ao STJ.”
Para a defesa do réu, a denúncia do MP-MS foi feita “na base da especulação [...] do achismo e da conjectura”, porque o pedido foi feito exclusivamente com base nos elementos trazidos pela prima da vítima. “Há que se destacar, a propósito, que o copo não foi apreendido, a bebida não foi periciada e a alegação [...] sequer foi apurada pelo Ministério Público.”
Trad também acusa o juiz de tornar o caso uma questão pessoal e cita como exemplo dessa afirmação o ofício enviado pelo magistrado ao Superior Tribunal de Justiça cobrando o julgamento do recurso especial apresentado pelo MP-MS.
Ao suspender o júri, o ministro do STJ Og Fernandes, relator do Resp, destacou na liminar que “a exclusão das qualificadoras em questão decorreram da interpretação atribuída pelo Tribunal a quo ao conjunto probatório, e não da ausência de elementos mínimos que lhe dessem suporte”. “É vedado ao magistrado emitir valoração pessoal acerca das circunstâncias do crime na fase de pronúncia, por se tratar de mero juízo de admissibilidade da acusação”, disse.
Explicou ainda que o a jurisprudência da corte determina que as circunstâncias qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia se forem improcedentes e não tiverem amparo nos elementos dos autos, “uma vez que não se deve usurpar a competência constitucionalmente atribuída ao Tribunal do Júri”.
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2017.
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