O ex-presidiário Reginald Dwayne Betts se formou em advocacia na Faculdade de Direito de Yale – a número um dos EUA, de acordo com o ranking de 2017 da U.S. News das melhores faculdades de Direito do país. Em fevereiro deste ano, ele passou no exame de ordem do estado. Mas, sua licença para exercer a advocacia no estado está sub judice.
Em casos como esse, a pergunta é: ex-presidiários podem exercer a advocacia nos EUA? Em três estados (Mississippi, Missouri e Texas) e um território (Ilhas Marianas do Norte) a resposta é "não". Nos demais 47 estados e no Distrito de Colúmbia (D.C., o distrito federal dos EUA) a resposta é "sim", desde que o “candidato” consiga comprovar seu “bom caráter moral”. Alguns estados acrescentam “adequação para exercer a advocacia”.
Não há distinção de crime, como no Brasil, onde a lei menciona “crimes infamantes, salvo reabilitação judicial”, ao se referir à inidoneidade para exercer a advocacia. “Bom caráter moral” é o que provavelmente se chama no Brasil de “conduta ilibada” ou “idoneidade moral”. Enfim, são atributos recuperados que justificam uma “segunda chance”.
No caso de Betts, sua passagem pelo crime é atribuída às circunstância socioeconômicas de sua vida. Ele cresceu em um bairro de Suitland, em Maryland, que convive com “drogas, violência e atalhos para a prisão”. Aos 16, se envolveu em um assalto armado e roubo de carro em um shopping de Virgínia. Foi condenado a oito anos de prisão.
Agora, aos 36 anos, ele faz o que pode para merecer a segunda chance. Para isso, deverá apresentar “provas claras e convincentes” de que se reabilitou ao Comitê de Exame de Ordem de Connecticut, que é formado por juízes e advogados. Sua vida está sob investigação e ele terá uma audiência em breve.
A vida do ex-prisioneiro é uma história de recuperação. Depois de libertado, ele fez os estudos básicos na Universidade de Maryland (48º lugar no ranking) e um “fellowship” na Universidade Harvard (3º lugar no ranking), antes de ir para Yale, em Connecticut. Enquanto espera pela advocacia, ele trabalha como funcionário da Defensoria Pública de Connecticut.
Além disso, Betts se tornou um escritor e poeta celebrado. Escreveu dois livros de poesia, que receberam boas críticas da mídia, de acordo com o jornal da ABA (American Bar Association). E um terceiro livro, com o título A Question of Freedom: A Memoir of Learning, Survival, and Coming of Age in Prison (Uma questão de liberdade: memória do aprendizado, sobrevivência e amadurecimento na prisão), foi premiado.
O ex-presidiário, que hoje é casado e tem dois filhos, será representado na audiência pelo advogado William Dow III. O advogado disse aos jornais que já reuniu testemunhas de muitas profissões e posições sociais para depor em favor de Betts. Isso, junto com outras provas, deverá lhe garantir a licença para exercer a advocacia em Connecticut. Se posteriormente, ele fizer exame de ordem para atuar em outros estados, seu passado não será mais um problema.
A presidente da Comitê de Exame de Ordem, ex-juíza Anne Dranginis, não pode falar sobre casos específicos, mas deu uma ideia sobre como os comitês da maioria dos estados veem os casos de ex-presidiários que querem se tornar advogados.
“O fato de o candidato ser um ex-presidiário não é um desqualificador. Há muitos casos em que pessoas cometem erros graves, porém se reabilitam no futuro e assumem responsabilidade por sua própria conduta. Nosso comitê já aprovou ex-presidiários no passado, embora isso não seja comum”.
No ano passado, o Tribunal Superior do Ohio negou licença para advogar ao ex-presidiário John Tynes, que foi preso por perseguir garotas por sexo. Mas lhe disse que poderia tentar novamente em 2018. No final da década de 1990, o mesmo tribunal permitiu ao ex-condenado por homicídio Derek Farmer exercer a advocacia.
Em 2013, o Tribunal Superior de Washington concedeu licença para exercer a advocacia ao ex-condenado por assalto a banco, que foi jogador de futebol americano, Cleodis Floyd, após uma audiência sobre seu caráter na Seccional da ABA no estado.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2017.
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