quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Juiz que foi ao motel durante o expediente tem reclamação arquivada no CNJ


Juiz manteve desempenho profissional e produtividade apesar das idas ao motel durante o expediente forense

Um magistrado que vai a um motel para manter relações extraconjugais durante o expediente forense não pode sofrer processo administrativo desde que não tenha negligenciado sua atividade profissional.
O colegiado do Conselho Nacional de Justiça negou, por unanimidade, recurso administrativo impetrado pela ex-mulher de um juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
No recurso que questionava o arquivamento da reclamação disciplinar pela Corregedoria Regional da Justiça Federal da 1ª Região, a ex-mulher alegou que seu ex-marido, ainda durante a constância do casamento, se ausentou injustificadamente do seu local de trabalho para ir a um motel da cidade de Manaus na companhia de uma outra pessoa.
Segundo a reclamante, o magistrado “cometeu condutas incompatíveis com a decência pública e privada”. Ela também juntou aos diversos comprovantes bancários comprovariam os dias e horários em que ele efetuou pagamentos em motéis da capital do Amazonas.
Ao analisar o caso, o ministro relator do CNJ, Humberto Martins, apontou que o fato do magistrado ter comparecido ao motel para manter relação extraconjugal, “por mais doloroso que seja para reclamante descobrir que o seu companheiro eventualmente quebrou o dever de lealdade conjugal, tal fato, por si só, não possui repercussão na esfera administrativo-disciplinar, uma vez que o episódio diz exclusivo respeito à vida privada do casal”.
O ministro elogiou os fundamentos da decisão da Corregedoria Regional de Justiça do TRF-1 e ponderou que “sob um prisma objetivo, a atividade do magistrado continua sendo desenvolvida dentro de uma aparente normalidade administrativa, até porque, o Juiz, como agente político que é, não se sujeita a uma jornada diária rígida, nem tampouco existe norma que lhe obrigue a uma determinada quantidade de horas de trabalho”.
Levantamento da Corregedoria do TRF-1 apurou que “os boletins estatísticos anexados, referentes ao período de janeiro a outubro deste ano, demonstram que o requerido exarou 826 sentenças, 779 decisões interlocutórias, 3.638 despachos e realizou 23 audiências de instrução e julgamento”.
Média superior à da juíza titular da mesma unidade, que proferiu 549 sentenças, 631 decisões interlocutórias, 2.611 despachos e realizou 15 audiências de instrução e julgamento.
Apesar de ter causado o fim de seu casamento, a aventura extraconjugal não afetou a produtividade do juiz alvo da reclamação.
Clique aqui para ler a reclamação
Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2019.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

As medidas alternativas que viram novas formas de punição e controle

A jovem inglesa de 22 anos Rebecca Gallanagh teve seus 15 minutos de fama em fevereiro de 2013 ao receber uma multa equivalente a R$ 1.000. Seu delito: enfeitar com diamantes a tornozeleira eletrônica que havia sido obrigada a usar. Estaria Rebecca lançando uma moda, que um dia chegará ao Brasil? Talvez. A tornozeleira parece ser a nossa rainha das medidas cautelares ou punitivas diferentes da prisão, que já foram aplicadas mais de 700 mil vezes por aqui.
O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em consultoria executada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), revelou que, em 2017, mais de 51 mil pessoas no Brasil foram forçadas a utilizar este aparelho. Cerca de 75% delas cumpriam pena por algum crime e outras 20%, medidas cautelares alternativas. 89% eram homens. Pernambuco apresentara o maior número de pessoas monitoradas (17.946), seguido do Paraná (6.289) e do Rio Grande do Sul (5.146).
O uso destes dispositivos foi introduzido como opção à prisão preventiva através de artigo no Código de Processo Penal, em 2011. Um parágrafo já havia sido incluído na Lei de Execução Penal no ano anterior, determinando que “a ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução”. Estes rapidamente adotaram-na como exigência, com base em artigo daquela Lei que declara que “o juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto”.
Medidas alternativas que visam o enxugamento do sistema penal terminam, muitas vezes, por gerar novas formas de punição e controle dos indivíduos pelo Estado, pois não têm força para conter o crescimento de repressão. A Lei que criou os Juizados Especiais Criminais em 1995 é um exemplo. O número de presos que, supunha-se, diminuiria com a aplicação dos procedimentos ali previstos, aumentou: passou de 148,8 mil naquele ano para 726,3 mil em 2017 – além daquelas 51 mil pessoas portadoras de tornozeleiras.
Embora o Código de Processo Penal estabeleça que a aplicação de medidas cautelares dependa de necessidade e adequação da restrição imposta, a tornozeleira passou a ser remédio para todos os males, assim como o aprisionamento sem respeito à proporcionalidade da pena.
Integrante do panóptico pós-moderno, o monitoramento eletrônico tornou-se um lucrativo Big Brother do Judiciário, fomentando um negócio milionário ao qual são submetidas desnecessariamente inúmeras pessoas.
A informação oficial do DEPEN é que “o Ministério da Segurança Pública mantém uma política de fomento aos serviços de monitoração eletrônica no País. Nos últimos anos, foram investidos R$ 40 milhões no financiamento das Centrais de Monitoração Eletrônica nos estados”.
As oportunidades de ganho não se restringem, porém, aos arredores das decisões judiciais. Se, conforme ensina Loïc Wacquant em seus livros “As Prisões da Miséria” e “Punir os Pobres”, a prisão se inicia com o objetivo de tornar os presos trabalhadores prontos para as fábricas, seu modelo portátil e preso ao tornozelo pode cumprir ainda melhor a missão. Hoje, surgem startups voltadas à inserção desses “monitorados” no mercado de trabalho, de maneira a viabilizar sua exploração econômica, quem sabe na forma contemporânea de portadores para aplicativos de entregas.
Os diamantes com que aquela jovem inglesa decorou sua tornozeleira eletrônica eram, como se sabe, falsos.
 é sócio do Fernando Fernandes Advogados, advogado criminalista e doutor em Ciência Política.
Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2019.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Juiz dos EUA pede a serial killer para doar seu cérebro à ciência

Considerado o mais novo serial killer dos Estados Unidos, Harvey Robinson tinha apenas 17 anos quando estuprou e matou sua primeira vítima. Em pouco tempo, estuprou e matou mais duas mulheres e estuprou uma menina de 5 anos. Sua quinta vítima foi estuprada, mas conseguiu escapar da morte. Robinson voltou à casa dela para matá-la. Mas a polícia estava à espreita. Trocaram tiros e ele se feriu. Foi preso no hospital.
Shutterstock.com
Por suas duas primeiras ações criminosas, Robinson foi sentenciado à pena de morte. A sentença foi anulada por razões processuais e comutada para prisão perpétua. Mas essa sentença também caiu, porque, em 2012, a Suprema Corte dos EUA decidiu que a pena de prisão perpétua para menores era inconstitucional.
Nesta semana, Robinson, agora com 44 anos, compareceu a uma audiência, em que sua pena, por suas primeiras ações criminosas, foi comutada para 35 anos – e veio acompanhada de uma surpresa. O juiz Edward Reibman, do Condado de Lehigh, na Pensilvânia, lhe pediu que considerasse, em seu testamento, a doação de seu cérebro a cientistas que estudam mentes criminosas – ou comportamentos criminosos.
Depois de Robinson murmurar alguma coisa que ninguém entendeu, o juiz argumentou: “Doar seu cérebro à ciência é uma forma de compensar um pouco a sociedade por seus crimes horríveis. É um pequeno presente para ajudar a ciência a entender seu comportamento”.
O juiz explicou ainda a Robinson que o estudo das concussões na prática de esportes e o próprio estudo do cérebro se aperfeiçoou muito desde que ele foi condenado.
“Vou ver se a doação do meu cérebro é consistente com minha religião”, disse Robinson, que é muçulmano, segundo o jornal The Morning Call e o site lehighvalleylive.com.
De acordo com o Departamento de Saúde e a Divisão de Serviços Humanos de Transplantes, os seguidores do Islamismo podem doar seus órgãos, desde que sejam cumpridas as diretrizes e controles da religião.
O juiz tinha uma razão para pedir a Robinson, especificamente, que doasse seu cérebro a ciência. Sua defesa, no julgamento, sustentou que ele sofreu lesões cerebrais ainda criança. Dois serial killers famosos, Ed Gein e Gary Heidnik, sofreram lesões cerebrais ainda crianças, segundo testemunhos na justiça e um estudo do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt.
Esse estudo conclui que lesões cerebrais contribuem para o comportamento criminoso, por danificar regiões do cérebro envolvidos em processos neurológicos complexos. Já há algum tempo, os cientistas tentam descobrir o que motiva os assassinos em série, a química do cérebro e as lesões cerebrais.
A primeira vítima de Robinson, então com 17 anos, foi a auxiliar de enfermeira Joan Burghardt de 29 anos. Ele a matou a pauladas, depois de estuprá-la. A segunda foi Charlotte Schmoyer, que tinha 15 anos e era entregadora de jornal – o Morning Call. A polícia encontrou o corpo dela no mato, com marcas de 22 facadas.
A terceira foi Jean Fortney, uma avó de 47 anos. Logo depois, Robinson espancou e estuprou Denise Sam-Cali que, apesar de tudo, conseguiu escapar. Depois de preso, exames de DNA o conectaram a todos os crimes.
Apesar de já ter passado 25 anos na prisão, faltando 10 para completar a pena agora comutada para 35 anos, Robinson não vai sair da prisão tão cedo. Ele ainda tem penas que somam de 90 a 118 anos de prisão pelos demais crimes.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 19 de outubro de 2019.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Colateral Filmes lança curta que debate o bullying


O menino das estrelas' está em circuito de exibição nas escolas de Porto Alegre e no YouTube

O próximo domingo, 20, é marcado como o Dia Mundial de Combate ao Bullying. O tema é abordado no filme mais recente da produtora Colateral Filmes, 'O menino das estrelas', que foi lançado na última semana e já está disponível no YouTube. O curta-metragem está em circuito de exibição nas escolas de Porto Alegre, sempre seguido por uma sessão de debate com a comunidade escolar.
Com financiamento da Secretaria de Estado da Cultural do Rio Grande do Sul, através do Pró-Cultura RS - FAC, o filme conta a história de Benji, garoto do sétimo ano que sofre bullying na escola onde estuda. Após um misterioso cometa cair em sua cidade, o menino adquire poderes especiais e tem que decidir se irá ou não revidar aos ataques que sofre.
A obra ficcional, com direção dos Irmãos Christofoli, busca utilizar o universo fantástico para trazer à tona a discussão sobre essa que é uma das formas de violência que mais cresce no mundo. No elenco de 'O menino das estrelas', estão Guilherme Pacheco, Ezequias Schaffer, Anna Lisboa, Marcus Vinícius Moares, Carina Dias, Vinicius Plein e Erik Oliveira. A produção é da Colateral Filmes e Submerso Filmes, com a produtora-associada Machina Filmes.
O filme completo pode ser visto aqui:


Prisão em segunda instância: como distorcer os números

As expectativas sobre a retomada ou não da vigência do inc. LVII do art. 5º da CF, objeto de deliberação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, têm ricocheteado no problema sobre a eficácia do direito fundamental à presunção de não culpabilidade e alcançam também questões de ordem estatística. Afinal, caso o Supremo Tribunal Federal declare novamente como eficaz a presunção de não culpabilidade, proscrevendo novamente a execução provisória da pena a partir do julgamento da causa pelas instâncias ordinárias, quantas pessoas serão soltas?
O estardalhaço que se formou, portanto, sobre o cenário de “prisões abertas” de forma generalizada não se firma em nenhum dado disponível
Estado de Minas fez um levantamento (em abril de 2018), a partir do Painel do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça, alegando que esse número seria de 22 mil presos.[1] O site O Antagonista[2], em postagem recente, fala em 169 mil, a partir do mesmo banco de dados do CNJ que teria sido acessado pela publicação mineira. O número postado pelo Antagonista não destoa do retratado pela Veja (os mesmos 169 mil), em reportagem publicada em dezembro de 2018.[3]
Temos dois levantamentos considerados “precisos” sobre população carcerária: o primeiro é o banco de dados do Infopen, ligado ao Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, que teve o seu último relatório divulgado em junho de 2017.
O segundo é decorrente de atividade do Conselho Nacional de Justiça, a partir do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, sistema que é alimentado pelos órgãos do poder judiciário em todo o Brasil como instrumento de organização e gestão dos mandados de prisão expedidos por qualquer razão (prisão preventiva, temporária, execução provisória, execução definitiva etc). 
Cada forma de “contagem” tem seus percalços. Enquanto o Infopen recebe informações diretamente vinculadas ao que é repassado pelas próprias unidades prisionais (que, em tese, estão contando os presos de forma presencial), o BNMP é um sistema que não tem acesso direto ao preso, mas ao mandado de prisão (cumprido ou não cumprido) alusivo a quem ingressa ou sai do sistema.
O primeiro teria, em tese, a garantia de uma imagem real do cenário; o segundo tem a suposta vantagem da integração informatizada entre documento e estatística.
O primeiro depende da eficácia da contagem em estabelecimentos precários e muitas vezes arruinados e o segundo depende da eficácia do treinamento dado aos funcionários do Poder Judiciário em todo o país, além de fatores como a exata correspondência entre a existência de um mandado cumprido e um ser humano preso pelas exatas razões descritas no mandado.
O primeiro sistema tem uma história e a sua idade trouxe experiência e problemas. O segundo ainda é muito recente e sua implantação ainda vai enfrentar desafios previstos e imprevistos.
Ocorre que, num e noutro, o preso que ingressa no sistema prisional porque foi atingido pela execução provisória causada pelo esgotamento da instância ordinária não é objeto de contagem específica.
A divisão feita nos relatórios do Ministério da Justiça fala em presos provisórios sem condenação e presos sentenciados, sem indicação se a execução da pena é a definitiva ou provisória.
No CNJ, a novidade é a indicação de presos em “execução provisória” da pena, que em 6 de agosto de 2018 (data do encerramento do levantamento, que não contava com números do Rio Grande do Sul) seriam 148 mil. 
Ocorre que, mesmo falando em presos condenados em “Execução Provisória”, o universo de pessoas que podem ser atingidas pela eventual alteração do posicionamento do STF precisaria ser definido de forma particularmente precisa. Para que o número correto ou estimado de pessoas sujeitas atingidas com o fim da execução da pena em segunda instância seja definido seria necessário que:
(a) fossem retratados presos fora das hipóteses de prisão preventiva;
(b) contabilizados apenas os presos que não estão cumprindo pena que tenha transitado em julgado e
(c) não consideradas as execuções provisórias de presos que tiveram sua situação convertida para fins de facilitar o acesso aos direitos de progressão, remição etc.

Enfim: a conta teria que ser feita sobre as prisões exclusivamente executadas porque o acusado estava solto até o recurso de apelação e passou a ficar preso porque, mantida a condenação, recorreu ao STJ e/ou ao STF. Não há nenhum levantamento, entretanto, com esse nível de filtragem.
Fora isso, a contagem de presos cumprindo pena em “execução provisória” dá margem a erros.
Muito antes do STF suspender o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado dos recursos aos tribunais superiores, milhares de presos optavam por requerer a expedição de guia de execução provisória para que fossem desde logo garantidos os direitos relativos, por exemplo, à remição de pena pelo trabalho (pois é comum o estabelecimento para presos provisórios não ter condições de assegurar atividades laborais) ou à mudança de regime prisional (situação que ocorre comumente em presos provisórios que passam presos preventivamente tanto tempo que, quando são sentenciados, tem direito à mudança de regime).
Essas peculiaridades compõem um fator de elevada complexidade para a aferição correta do impacto do posicionamento do STF tomado a partir de 2016 e, provavelmente, a fonte do grande alarme produzido sobre o número de presos “que seriam soltos” a partir da eventual mudança de posicionamento do STF se deve ao fato de que as execuções provisórias de pena decorrerem, em sua esmagadora maioria, da conversão, em favor do réu, de prisões preventivas que não eram revogadas quando o processo chegasse na fase de sentença.
Por fim, caso o número apocalíptico de 169 mil pessoas fosse objeto de soltura em caso de mudança na jurisprudência do Supremo, seria de se imaginar que, só em virtude do cenário decisório de 2016, o mesmo número de presos teria ingressado no sistema prisional brasileiro entre fins de 2016 e fins de 2019, algo como um aumento de 56 mil prisões em três anos.
Um implemento dessa monta, só nesse tipo de prisão, representaria um fator de colapso do sistema a um ponto ainda mais insuportável do que o atual. Afinal, segundo estatísticas do próprio Infopen, nem mesmo a explosão de 2014 para 2015 (622 mil presos para 698 mil) chegaria aos pés de um incremento de presos levando em conta todo o tipo de prisão, somada a essa em decorrência do esgotamento dos recursos ordinários.
O estardalhaço que se formou, portanto, sobre o cenário de “prisões abertas” de forma generalizada não se firma em nenhum dado disponível e, assim como outras especulações baseadas no repúdio às liberdades públicas, representa a tentativa de usar a irracionalidade para prestigiar uma política de encarceramento contrária ao projeto democrático plasmado na Constituição de 1988.
[1] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/04/16/interna_politica,951891/fim-da-prisao-apos-segunda-instancia-pode-tirar-22-mil-da-cadeia.shtml
[2] https://www.oantagonista.com/brasil/fim-da-prisao-em-segunda-instancia-vai-libertar-ao-menos-169-mil-presos/
[3] https://veja.abril.com.br/politica/decisao-de-marco-aurelio-atinge-quase-1-4-dos-presos-no-brasil/
 é sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados. Revista Consultor Jurídico, 15 de outubro de 2019.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Homem que ficou 18 anos preso por estupros que não cometeu deverá ser indenizado

À esquerda, Pedro Meyer, apontado como autor de uma série de estupro; à direita, o artista plástico Eugênio Fiuza de Queiroz — Foto: Reprodução/TV Globo

À esquerda, Pedro Meyer, apontado como autor de uma série de estupro; à direita, o artista plástico Eugênio Fiuza de Queiroz — Foto: Reprodução/TV Globo



Artista plástico Eugênio Fiúza de Queiroz foi acusado injustamente por 5 crimes. Segundo Justiça, inocência ficou comprovada quando o verdadeiro autor dos crimes, Pedro Meyer, foi reconhecido em 2012.

O estado de Minas Gerais foi condenado a indenizar, em R$ 3 milhões, um atrista plástico que ficou 18 anos preso por crimes que não cometeu. O valor será pago a Eugênio Fiuza de Queiroz, de 69 anos, como reparação por ter sido condenado injustamente por cinco estupros em Belo Horizonte.

Segundo a Justiça, Queiroz ficou preso enquanto o verdadeiro estuprador, Pedro Meyer, que ficou conhecido como "maníaco do Anchieta", estava solto. Somente em 2012, o ex-bancário foi preso ao ser reconhecido pelas vítimas como o verdadeiro autor dos crimes.

A decisão é o juiz da 5ª Vara da Fazenda Estadual, Rogério Santos Araújo Abreu. O magistrado ratificou a decisão antecipada, confirmando o pagamento vitalício ao artista plástico de cinco salários mínimos mensais, como complementação de renda. Ele ainda terá direito aos valores retroativos, a contar da data em que foi preso.

Queiroz foi detido em agosto de 1995, quando conversava com sua namorada em uma praça do bairro Colégio Batista, sem mandado de prisão, sob a alegação de ter sido reconhecido por uma das vítimas de uma série de estupros ocorridos naquela época.

Levado à delegacia, outras vítimas o apontaram como autor de outros estupros. Segundo a Justiça, o artista plástico alegou ainda que confessou os crimes mediante tortura física e psicológica.

Na ação, ele citou ainda que, durante o período em que esteve preso, perdeu o contato com a família, em especial com o filho. Só depois de sair da prisão, ele descobriu a mãe dele e cinco irmãos haviam morrido.

O que diz o estado

A Advocacia-Geral do Estado disse que avaliará a sentença e se manifestará nos autos processuais.

À esquerda, Pedro Meyer, apontado como autor de uma série de estupro; à direita, Paulo Antônio da Silva, condenado injustamente — Foto: Reprodução/TV Globo


Porteiro também foi preso injustamente

O porteiro Paulo Antônio Silva também foi acusado e condenado injustamente a 30 anos de prisão por estuprar duas crianças na década de 1990 na capital mineira. O caso também começou a se esclarecer após a prisão do ex-bancário Pedro Meyer.

O porteiro, o ex-bancário e ainda o artista plástico Eugênio Fiuza de Queiroz tinham características físicas parecidas, porém Silva sempre negou os crimes e alegou inocência. Em 2012, a defesa do porteiro disse acreditar que ele teria sido confundido com o artista plástico. A partir da retomada das investigações, o porteiro entrou com um processo de revisão criminal e foi inocentado pela Justiça.

Pedro Meyer em liberdade condicional

O ex-bancário Pedro Meyer deixou a cadeia em agosto deste ano, após conseguir o benefício de liberdade condicional, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Ele estava detido na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH.

Apesar de Pedro Meyer ser apontado como autor de uma série de estupros em Belo Horizonte, a única condenação foi em 2013. Outros 13 processos prescreveram e, em outros dois casos, ele foi absolvido.

A condenação foi pelo estupro de uma jovem, quando ela tinha 11 anos. O ex-bancário foi preso depois que, aos 27 anos, a vítima o reconheceu, quando andava em uma rua da cidade, em 2012.

O advogado de Pedro Meyer, Lucas Laire, afirmou que ele cumpriu 2/3 da pena, que terminaria em 2021. Como não teve nenhum comportamento inadequado neste período, segundo o advogado, Meyer conseguiu o benefício da liberdade condicional.


Cumprimento de transação penal não suspende prazo de prescrição

De acordo com STJ, prazo continua a correr durante cumprimento de transação penal


Por falta de previsão em lei, não há suspensão do prazo de prescrição durante o cumprimento dos termos de acordo de transação penal. A tese foi fixada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer a prescrição e declarar a extinção da punibilidade em um caso de lesão corporal no trânsito.

De acordo com o colegiado, em respeito ao princípio da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal.
Segundo o processo, o acusado bateu o carro e causou graves lesões na passageira que estava ao seu lado. Fugiu sem prestar socorro e, em seguida, retornou à Argentina, onde estudava, sem dar esclarecimentos à polícia nem o devido auxílio à vítima.
Foi celebrado acordo de transação penal, consistente no pagamento de R$ 150 mil à vítima da lesão corporal, em 60 parcelas mensais. O acordo, porém, deixou de ser cumprido — o que levou o Ministério Público a pedir a instauração da ação penal. A defesa alegou que já teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva e pediu o trancamento da ação.
O Tribunal de Justiça do Ceará negou o pedido sob o argumento de que não se pode falar em prescrição durante período de prova e sem o cumprimento total da transação penal oferecida pelo Ministério Público.
No recurso em habeas corpus apresentado ao STJ, o recorrente alegou constrangimento ilegal por estar sendo indevidamente processado com base em pretensão punitiva já prescrita. Disse que já tinham transcorrido 12 anos desde o acidente e que não havia causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, motivo pelo qual pediu o trancamento da ação penal.
Segundo o relator do recurso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, a orientação jurisprudencial do STJ considera que as causas suspensivas da prescrição exigem expressa previsão legal.
O ministro explicou que, embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena restritiva de direitos ou multa pelo acusado, não se pode falar em condenação, muito menos em período de prova, enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do artigo 117, V, do Código Penal.
"A interrupção do curso da prescrição prevista no referido dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que justamente impede a sua instauração", afirmou.
Antonio Saldanha Palheiro destacou ainda que o regramento da transação penal prevê apenas que a aceitação da proposta não gera o efeito da reincidência, bem como impede a utilização do benefício novamente em um prazo de cinco anos.
Ele observou que, como disposto na Súmula Vinculante 35 do Supremo Tribunal Federal, se o acordo for descumprido, o Ministério Público poderá oferecer a denúncia, momento em que se dará início à persecução penal em juízo.
"Não há previsão legal de que, celebrado o acordo, e enquanto não cumprida integralmente a avença, ficará suspenso o curso do prazo prescricional", esclareceu.
De acordo com o relator, ao tratar de um instituto diverso, a suspensão condicional do processo, a Lei 9.099/1995 previu de forma expressa, diferentemente da transação penal, que não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão. Semelhante previsão — destacou — consta do artigo 366 do Código de Processo Penal, que, ao cuidar da suspensão do processo, impõe, conjuntamente, a suspensão do curso do prazo prescricional.
"Assim, a permissão de suspensão do curso do prazo prescricional sem a existência de determinação legal consubstancia flagrante violação ao princípio da legalidade", concluiu.
Como, no caso analisado, o prazo prescricional é de oito anos, e entre a data do fato e a denúncia passaram-se mais de dez anos, a turma acompanhou o voto do relator e, de forma unânime, reconheceu a prescrição da pretensão punitiva. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
RHC 80.148
Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2019.

Promotor pede que conste em ata que defensor público é maconheiro


Debate sobre suposto uso de maconha acabou em ata do TJ de São Paulo

A 1ª Vara do Júri do Tribunal de Justiça de São Paulo serviu de cenário para um debate inusitado. Um defensor público requereu a desclassificação do crime de que o réu era acusado para lesão corporal ou mesmo a absolvição  por clemência.
Por sua vez, o promotor perguntou a uma das testemunhas envolvidas no caso — irmão do réu — se ele usava drogas. A resposta foi negativa.
Mas, durante o debate, o defensor, que também é advogado, insinuou que o representante do Ministério Público julgava as pessoas pela aparência. A razão da alegação teria sido o fato de a acusação ter perguntando a apenas uma testemunha se ela usava drogas.
A réplica veio e o debate esquentou. O promotor afirmou que não julgava as pessoas pela aparência, e que poderia perguntar para qualquer um sobre o uso de drogas.
Para demonstrar seu argumento, ele perguntou diretamente ao membro da Defensoria Pública se ele fumava maconha.
A tréplica do defensor foi positiva. E, sem pestanejar, o representante acusatório da lei solicitou que constasse em ata que ele teria admitido em público que era um "maconheiro".
Diante do pedido, o advogado também pediu que estivesse em ata que sua resposta foi "irônica". Que sua afirmação teria meramente fins retóricos no exercício da plenitude de defesa. Ninguém evocou a fumaça do bom direito.
Clique aqui para ler o trecho da ata
 é repórter da revista Consultor JurídicoRevista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Crime de estupro e “beijo lascivo”

A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em habeas corpus no qual se pretendia a desclassificação do delito previsto no art. 217-A do Código Penal (CP) (1) — “estupro de vulnerável” — para a conduta versada no art. 65 da Lei das Contravenções Penais (LCP) (2) (Informativos 870 e 928).

No caso, tratava-se de paciente condenado a oito anos de reclusão pelo delito de estupro de vulnerável com base no caput do art. 217-A do CP. A ação consistiu em ato libidinoso (beijo lascivo) contra vítima de cinco anos de idade.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (redator para o acórdão), que considerou que, para determinadas idades, a conotação sexual é uma questão de poder, mais precisamente de abuso de poder e confiança. Entendeu presentes, no caso, a conotação sexual e o abuso de confiança para a prática de ato sexual. Para ele, não há como desclassificar a conduta do paciente para a contravenção de molestamento — que não detém essa conotação.

O ministro Luiz Fux, na linha da divergência iniciada pelo ministro Alexandre de Moraes, denegou o writ, no que foi acompanhado pela ministra Rosa Weber. Acrescentou que o art. 227, § 4º, da Constituição Federal (CF) (3) exige que a lei imponha punição severa à violação da dignidade sexual da criança e do adolescente. Além do mais, a prática de qualquer ato libidinoso diverso ou a conduta de manter conjunção carnal com menor de quatorze anos se subsume, em regra, ao tipo penal de estupro de vulnerável, restando indiferente o consentimento da vítima.

Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que concedeu a ordem para enquadrar a conduta do paciente na contravenção penal de molestamento, e o ministro Roberto Barroso, que denegou o habeas corpus, mas concedeu a ordem de ofício para que o juízo de origem aplicasse ao caso o tipo previsto no art. 215-A do CP (4), incluído pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018.

(1) CP: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”
(2) LCP: “Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.”
(3) CF: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”    
(4) CP: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. ”

HC 134591/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 1.10.2019. (HC-134591)

Bolsonaro sanciona projeto que tira posse de arma de agressor

Nova lei prioriza matrícula de dependentes de vítima de violência doméstica

O presidente Jair Bolsonaro sancionou dois projetos de lei que alteraram a Lei Maria da Penha nesta segunda-feira (7/10). Em um, prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica.
No outro, prioriza a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar na instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio.
Para ter o benefício, a vítima deve apresentar documentos que atestem o registro de uma ocorrência policial ou de processo de violência doméstica e familiar em curso.
A Lei Nº 13.882 também garante o sigilo dos dados da vítima e de seus dependentes matriculados ou transferidos para outras escolas. O acesso às informações será reservado a juízes, membros do Ministério Público e outros órgãos competentes.
Já a lei Nº 13.880 determina que se verifique se agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo. Em caso positivo, o poder público tem que juntar aos autos do processo essa informação e notificar instituição responsável pelo registro ou emissão do porte de arma.
A lei também determina apreensão imediata de arma de fogo em posse do agressor.
Essa não é a primeira alteração da Lei Maria da Penha do governo Bolsonaro. No último dia 17 de setembro, o presidente sancionou o projeto de lei 2.438/19, que insere três parágrafos no 9º artigo da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
Agora a legislação prevê que o agressor seja obrigado a ressarcir os custos dos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde a vítimas de violência doméstica.
Clique aqui para ler a Lei 13.882/2019
Clique aqui para ler a Lei 13.880/2019


 é repórter da revista Consultor JurídicoRevista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2019

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Igualdade como requisito de existência


* Wagner Dias Ferreira


Na última cerimônia de entrega do EMMY, o prêmio da TV Norte Americana, um ator negro de uma série da Netflix foi premiado, fruto de um reconhecimento praticamente unânime de seu trabalho. O tema da série é o preconceito racial e o racismo nos Estados Unidos. Percebe-se claramente como as instituições estão estruturadas para constranger a liberdade e restringir a vida dos negros norte americanos. Que é facilmente transcendente para outras realidades onde o povo negro foi escravizado e luta hoje para um efetivo tratamento de igualdade e com as devidas reparações históricas.

No Brasil, estamos chegando ao mês de novembro onde se relembra no dia 20 a significação de Zumbi de Palmares. O líder lendário do quilombo onde se realizava a liberdade e a igualdade. Na região que hoje é a Serra da Barriga em Alagoas. Território quilombola mantido com muita batalha e que prossegue conquistando até os dias de hoje.

A busca da igualdade entre os seres humanos é exigência de sua existência.

Observando a história dos primeiros cristãos, encontram-se relatos de que, nos primórdios, os cristãos, que assim foram chamados pela primeira vez na cidade de Antioquia, foram fortemente perseguidos pelo Império Romano.

Havia prisões, como a de Paulo, que mesmo cidadão romano foi martirizado por causa de sua convicção cristã. Muitos foram lançados na arena para o confronto com feras e ali foram devorados.

A resistência cristã levou os seguidores de Jesus, por volta do século terceiro, a serem reconhecidos e incorporados ao mundo imperial. Foi necessário muito martírio e resistência para se chegar a um lugar onde cristãos podiam expressar sua religiosidade livremente e sem repressão. Superando o preconceito e o racismo dos romanos em relação a esta nova religião nascida no ceio do povo judeu.

As múltiplas minorias que vivem nos dias de hoje, notadamente os negros e o universo LGBTQ, estão encontrando o caminho do reconhecimento de suas realidades. Agora, não no mundo imperial, mas na cidadania contemporânea com gozo e pleno exercício de direitos.

Um avanço importante foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 26 e Mandado de Injunção – MI 4733 que definiu pelo enquadramento da homofobia e da transfobia no crime de racismo.

É possível pensar que a atitude do STF eleva a um grau mais pleno de cidadania o universo de pessoas LGBTQ, convocando toda a sociedade para este novo “dever ser” que o Direito invoca exigindo evolução social e, tão importante quanto isso, reconhece e reafirma a necessidade de mudar a realidade do preconceito racial que acontece contra os negros, principalmente aquela institucional, como na série de TV da Netflix, e que o martírio do povo negro e suas lutas para o pleno exercício da cidadania estão ensinando as instituições brasileiras a progredir.

Zumbi vive e prossegue ampliando os domínios de liberdade e igualdade do Quilombo de Palmares. Sendo certo que já se apresentam, nos dias de hoje, novos confrontos para manutenção das conquistas.


*Advogado criminalista


O TEXTO É DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO AUTOR, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO OU POSICIONAMENTO DO INFODIREITO

STJ divulga 14 teses da corte sobre crimes da Lei de Licitações

A fraude na licitação para fins de contratação de serviço não está abrangida pelo tipo penal previsto no artigo 96 da Lei 8.666/1993, uma vez que este apresenta hipóteses estreitas de penalidade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu, à luz do princípio penal da taxatividade.
A tese é uma das destacadas pelo Superior Tribunal de Justiça na nova edição da ferramenta Jurisprudência em Teses, com o tema Crimes da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993). A ferramenta reúne entendimentos do STJ sobre temas específicos, apontando os precedentes mais recentes até a publicação da edição.
Outra tese da corte sobre o tema destacada no documento estabelece que o crime do artigo 90 da Lei 8.666/1993 é formal e prescinde da existência de prejuízo ao erário, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no procedimento licitatório.
Veja as 14 teses divulgadas pelo STJ sobre a Lei de Licitações
1) Para a configuração do delito tipificado no artigo 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao erário, bem como do prejuízo à administração pública.
2) O artigo 89 da Lei 8.666/1993 revogou o inciso XI do artigo 1º do Decreto-Lei 201/1967, devendo, portanto, ser aplicado às condutas típicas praticadas por prefeitos após sua vigência.
3) A condição de agente político (cargo de prefeito) é elementar do tipo penal descrito no caput do artigo 89 da Lei 8.666/1993, não podendo, portanto, ser sopesada como circunstância judicial desfavorável.
4) O crime do artigo 90 da Lei 8.666/1993 é formal e prescinde da existência de prejuízo ao erário, haja vista que o dano se revela pela simples quebra do caráter competitivo entre os licitantes interessados em contratar, causada pela frustração ou pela fraude no procedimento licitatório.
5) O crime previsto no artigo 90 da Lei 8.666/1993 classifica-se como comum, não se exigindo do sujeito ativo nenhuma característica específica, podendo ser praticado por qualquer pessoa que participe do certame.
6) É possível a incidência da agravante genérica prevista no artigo 61, II, g, do Código Penal, no crime de fraude em licitação, quando violado dever inerente à função pública, circunstância que não integra o tipo previsto no artigo 90 da Lei 8.666/1993.
7) É possível o concurso de crimes entre os delitos do artigo 90 (fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório) com o do artigo 96, inciso I (fraudar licitação mediante elevação arbitraria dos preços), da Lei de Licitações, pois tutelam objetos distintos, afastando-se, portanto, o princípio da absorção.
8) Em relação ao delito previsto no artigo 90 da Lei 8.666/1993, o termo inicial para contagem do prazo prescricional deve ser a data em que o contrato administrativo foi efetivamente assinado.
9) É idônea a valorização negativa da culpabilidade do agente pelo fato de exercer cargo de prefeito ao cometer os crimes previstos nos artigo 90 e artigo 92 da Lei 8.666/1993, dada a lisura e a ética que se esperam de um representante do interesse público.
10) O delito do artigo 93 da Lei 8.666/1993 somente se tipifica se as condutas nele previstas forem praticadas no curso do procedimento licitatório.
11) A fraude na licitação para fins de contratação de serviço não está abrangida pelo tipo penal previsto no artigo 96 da Lei 8.666/1993, uma vez que apresenta hipóteses estreitas de penalidade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu, à luz do princípio penal da taxatividade.
12) As infrações penais tipificadas na Lei n. 8.666/1993 não são meio necessário ou fase preparatória ou de execução para a prática de crimes de responsabilidade de prefeitos (artigo 1º da Decreto-Lei 201/1976), tratando-se de delitos autônomos e distintos, a tutelar bens jurídicos diversos, não sendo possível a aplicação do princípio da consunção.
13) À luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a norma contida no artigo 400 do Código de Processo Penal - CPP (com redação dada pela Lei 11.719/2008), que prevê a realização do interrogatório ao final da instrução criminal, é de observância obrigatória no âmbito dos procedimentos especiais, não havendo que se falar em afronta ao rito procedimental previsto no artigo 104 da Lei de Licitações.
14) Compete à Justiça Castrense processar e julgar os crimes licitatórios praticados por militar contra patrimônio sujeito à administração militar (artigo 9º do Código Penal Militar - CPM).
Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 7 de outubro de 2019.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Lei não define se sentenciado pode rejeitar progressão de regime

Em carta divulgada hoje, Lula rejeita progressão de pena para o semiaberto 

Ainda que a Lei de Execução Penal estabeleça que a pena deve ser executada de forma progressiva, existe um impasse interpretativo: não se sabe se o sentenciado pode rejeitar a progressão da pena para um regime menos rigoroso.

O caso atípico ganhou ainda mais dimensão por envolver o ex-presidente Lula. O líder petista afirmou, em carta divulgada nesta segunda-feira (30/9), que rejeita o benefício da progressão de pena proposto pelo Ministério Público Federal do Paraná.
Na petição, os procuradores afirmaram que Lula cumpriu os requisitos para progredir: tem bom comportamento e já cumpriu um sexto de sua pena no caso do tríplex do Guarujá (SP).
No entanto, a negativa do ex-presidente é incomum e divide a opinião de advogados ouvidos pela ConJur. A discussão emerge sob a ótica de que a liberdade é irrenunciável e, portanto, Lula não poderia negá-la, como avalia o jurista e professor de Direito Constitucional Lenio Streck.
Para ele, "trata-se de um direito que, pela tradição constitucional, não está disponível". "É como um HC; não se pode desistir de Habeas Corpus. Não se pode renunciar à liberdade."
"Todavia, tratando-se de todo o entorno do processo que o condenou —estando o processo que o condenou sob forte suspeita de parcialidade—, o ex-presidente pode, quem sabe, estar inaugurando a desobediência civil. Não seria a primeira vez na história. Nossa Constituição Federal alberga implicitamente esse direito no parágrafo segundo do artigo 5. A ver", diz Lenio.
O entendimento geral dos advogados é que a progressão em estágios é recomendável justamente para expiração da pena, em especial para a etapa de ressocialização. Para eles, a decisão sobre a progressão ficará a cargo interpretativo da juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, responsável pela execução penal do ex-presidente. 
A análise é também de que Lula não pode rejeitar especificamente a progressão, mas sim negar ou descumprir as medidas cautelares, como não trabalhar ou não usar tornozeleira eletrônica. Assim, permaneceria em regime fechado, pontua o advogado e professor Alberto Zacharias Toron.
"Se essas condições não forem cumpridas, o condenado volta ao regime mais grave. Só que não seria prudente um juiz conceder a progressão contra a vontade da pessoa, e esperar ele descumprir alguma condição para voltar. Então se o condenado recusar a cumprir as condições, o juiz nem poderia prosseguir na concessão da progressão", afirma o criminalista João Paulo Martinelli.
O constitucionalista Pedro Estevam Serrano interpreta que Lula pode renunciar à progressão porque a lei prevê essa progressão como um direito e não um benefício concedido pelo Estado. "No plano prático, o semiaberto exige o cumprimento de alguns requisitos, como entrega de passaporte, uso de tornozeleira, e Lula pode se negar a cumprir esses requisitos", afirma. 
Serrano é categórico em dizer que o caso é "absolutamente inusitado": "o acusador pede para o réu sair e o réu não quer! Isso, claro, é sintoma de um processo político, e não jurídico".
No mesmo sentido, o criminalista Fernando Castelo Branco afirma que Lula pode negar a progressão, já que é um direito do preso e não um instituto compulsório que obriga o sentenciado a aceitá-lo.
"O Estado oferece, e se o sentenciado não aceitar, o Estado não pode obrigá-lo a isso. Ele continua preso cumprindo pena e, claro que, se a pena terminar, a pessoa compulsoriamente é colocada em liberdade", defende.
Ponto sem nó
A questão desencadeia outros questionamentos, como, por exemplo, se o Estado é obrigado a manter no sistema uma pessoa que tem o direito e cumpriu os requisitos, mas não deseja a progressão. "A lei é omissa, não há uma disposição sobre a faculdade de se aceitar ou não a progressão de regime", diz a criminalista Maitê Cazeto Lopes.

O advogado especialista em Direito Público Marco Aurelio Carvalho afirma que o ex-presidente tem o direito de abrir mão da progressão do regime “de sua arbitrária e criminosa prisão". Segundo Carvalho, a decisão de Lula é corajosa e ratifica a "confiança na revisão de seu processo e na confirmação de sua inocência". 
Já Adib Abdouni, criminalista e constitucionalista, afirma que o único regime de cumprimento do qual o sentenciado não pode negar é o aberto. "O semiaberto é um benefício que é dado a quem está cumprindo uma pena e ele pode negar o benefício. Se a progressão fosse no regime aberto, ele seria obrigado a sair." 
O advogado levanta ainda a questão dos custos para o Estado na manutenção do preso. No caso de Lula, como ex-presidente, ele tem prerrogativas decorrentes do cargo exercido.
De acordo com o criminalista Welington Arruda, o juízo tem a obrigação de garantir ao preso sua progressão para um regime mais brando e "não tem a discricionariedade de optar em não progredir, salvo em casos absolutamente excepcionais", afirma, citando o caso de Suzane von Richthofen, que alegou que temia por sua vida caso fosse para o semiaberto.
Seletividade do MP
Ainda que entenda as razões alegadas por Lula, o criminalista Augusto de Arruda Botelho diz que a progressão de regime, "além de um direito do réu, é um dever do Estado, no sentido de que ela é uma forma de reinserir o preso aos poucos na sociedade". 

Ele se espanta com a atenção dispensada pelo Ministério Público neste caso, enquanto milhares de pessoas que continuam presas são ignoradas. Segundo Botelho, o órgão vem "há anos fechando os olhos para situação caótica do sistema penitenciário brasileiro". 
"Temos dezenas de milhares de presos com direito a progressão de regime que mofam nas cadeias sem que o Ministério Público e a Justiça façam absolutamente nada. Aproveitando que o MP, mesmo sem um pedido, fez isso, eu sugeriria que eles adotassem a mesma medida para todos os presos que têm esse direito", diz.
 é repórter da revista Consultor Jurídico
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de setembro de 2019.

Pesquisar este blog