A avaliação é do antropólogo Roberto Kant de Lima, em aula na Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre Justiça Criminal e Segurança. Criador da primeira graduação em Segurança Pública do Brasil, na Universidade Federal Fluminense, ele afirmou que esse cenário apenas reflete o fato de o Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1941 não ter sido substituído com a promulgação da Constituição de 1988.
Um exemplo clássico de como o Judiciário está alinhado com o MP contra a defesa se manifesta no fato de promotores ficarem ao lado do juiz nos julgamentos, disse Lima. “Nada disso é casual. O sistema está dizendo o que ele realmente é”.
Antes da “lava jato”, porém, polícia, MP e Judiciário brigavam pela verdade no processo, o que dava margem para advogados anularem casos. Mas a operação mudou a situação, destacou o antropólogo. Agora, a delação premiada virou a única forma de o acusado se defender.
O problema, segundo ele, é que o instrumento foi importado para o Brasil com base no modelo dos EUA. Só que lá o mecanismo está baseado na ideia de que o processo judicial é um direito do acusado, cuja inocência é presumida. Dessa forma, com a colaboração, ele abre mão dessa garantia. Já aqui, apontou Lima, o processo é obrigação do Estado, e o sujeito é obrigado a se defender. Ou seja: o delator é pressionado a contar tudo o que sabe sob a ameaça de voltar a encarar a Justiça.
“Do jeito como o processo é construído, desde a fé pública do policial, a presunção é sempre de que, se o sujeito está sendo acusado, ele está devendo alguma coisa. Vide as transações em juizados especiais. Nelas, o sujeito é ameaçado: se não celebrar o acordo, ele será processado. Então, no Brasil, o processo não é do acusado”, declarou o especialista em segurança pública.
Desigualdade legitimada
De acordo com Roberto Kant de Lima, o fato de o Brasil pós-Independência ter tido escravos submetidos ao Código Penal, mas sem direitos civis, consolidou uma idéia de igualdade jurídica cristalizada por Rui Barbosa: a de que os desiguais devem ser tratados de forma desigual, pois não seria natural tratar todos igualitariamente.
Por isso que os brasileiros têm dificuldade em compreender os direitos humanos, opina o professor da UFF. “Se estamos o tempo todo ouvindo que as pessoas são desiguais, como dizer que todos são iguais e têm alguns direitos fundamentais? Isso gera diferenças para as pessoas. Daí que alguns entendem, por exemplo, haver um direito dos bandidos e outros dos policiais”, analisou o antropólogo.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2017.
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