Proposta de modernizar a legislação criada há mais de 70 anos e alterada pontualmente ao longo do tempo está no Senado esperando um parecer, e está longe de ser consenso entre os juristas.
O anteprojeto, que agora passa por uma reavaliação em uma comissão de senadores, apresenta mais de 500 artigos – o atual CP possui 356. Na prática, conforme aponta o relator da comissão de juristas, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, há o transporte de cerca de 130 leis penais “extravagantes” para o anteprojeto, além da inclusão e da modificação de alguns tipos penais.
Trâmite
Os senadores integrantes da comissão de análise do anteprojeto do novo Código Penal podem apresentar emendas até o dia 4 de novembro. No dia seguinte, termina o prazo para votação dos relatórios parciais. O relatório final da comissão deve ser entregue por seu relator-geral, senador Pedro Taques (PDT-MT), até o dia 20 de novembro e, se não forem prorrogados, os trabalhos devem ser concluídos até começo de dezembro. A proposta ainda passa por votação em plenário e, se aprovada, segue para a Câmara dos Deputados.
Câmara dos Deputados têm outras propostas de mudança
Essas reformas não são tão abrangentes quanto as do Senado, mas também visam modernizar a atual legislação, corrigindo distorções decorrentes de alterações difusas dos últimos anos
“A proliferação da legislação extravagante criou um sistema confuso, sem coordenação ou nenhuma lógica”, diz Gonçalves, que é procurador regional da República da 3ª Região. Ele destaca o fato desta ser a primeira proposta de reformulação penal brasileira dentro de um regime democrático, já que o Código Penal é de 1940 e houve uma reforma na parte geral em 1984.
Já para o professor titular de Direito Penal do UniCuritiba, Mário Ramidoff, há vários pontos a serem discutidos, a começar pela real necessidade de reforma do código. “O atual não é ruim tecnicamente”, diz. Para Ramidoff, também não houve tempo suficiente para discussão dos artigos com a sociedade.
Gonçalves admite que o tempo de atuação da comissão foi limitado, mas acredita que o anteprojeto possui mais acertos do que erros. O mestre em Direito Penal e professor de Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Paraná Neemias Moretti Prudente também avalia a reforma de maneira positiva. “O projeto traz avanços notáveis, enfrenta temas polêmicos e criminaliza condutas que hoje não existem”, acredita.
Ramidoff não concorda. Ele afirma que a reforma não é “socialmente consequente” e, se aprovada, deve gerar inúmeros problemas, principalmente aos gestores públicos. “Parece que o Poder Judiciário tem a chave para resolver todos os problemas através da punição, mas o Estado não tem. A punição estatal é uma das políticas sociais públicas e deve ser a última razão para o Estado agir”, avalia.
Veja alguns pontos incluídos ou alterados pelo anteprojeto do novo Código Penal em trâmite no Senado e comentários sobre cada um deles:
Crimes hediondos
Amplia o número de crimes considerados hediondos, incluindo à lista: redução à condição análoga à escravidão, tortura, terrorismo, financiamento ao tráfico de drogas, racismo, tráfico de pessoas e crimes contra a humanidade. Já homicídio qualificado e também privilegiado deixa de ser considerado hediondo.
Mário Ramidoff
“Tem por objetividade a ampliação do tempo de privação da liberdade para determinados crimes que, na verdade, deveriam ser objeto de revisão teórico-pragmática.”
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
“Trouxemos para o Código os crimes contra a humanidade, que é um compromisso internacional que o Brasil firmou. Outras condutas que não constam na lei também foram incluídas. Mas não foi um movimento unidirecional, outros crimes deixaram de ser hediondos também.”
Responsabilidade penal da pessoa jurídica
Passa a responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas de direito privado pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente. As penas, neste caso, variam de multas, restritivas de direitos, prestação de serviço comunitário, perda de bens e valores até o encerramento definitivo das atividades. Não exclui a responsabilização das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destas.
Mário Ramidoff
“A pessoa jurídica não pratica diretamente qualquer comportamento senão através de seus representantes legais. A pessoa jurídica certamente teria muito mais preocupação com medidas administrativas despatrimonializadoras do que com sanção penais.”
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
“Entendemos que há uma necessidade de controle penal não apenas administrativo de pessoas jurídicas delinquentes e notadamente nos crimes contra a administração pública.”
Intimidação vexatória
O bullying passa a ser tipificado com o nome de “intimidação vexatória” por qualquer meio. A pena prevista é de um a quatro anos de prisão.
Neemias Moretti Prudente
“O objetivo da criminalização é conferir ao fenômeno a devida tecnicidade e sistematização, chamando atenção para a relevância e gravidade do tema. A iniciativa do projeto é bem-vinda, mas não deve ser enfocada isoladamente. O bullying deve ser enfrentado, primeiramente, com programas preventivos e restaurativos e, só então, com a ferramenta penal.”
Abandono e maus-tratos de animais
Criminalização do abandono de animais, além de tratamento mais severo para abusos e maus-tratos. A pena, em ambos os casos, passa a ser de prisão de um a quatro anos.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
“Os maus-tratos contra pessoas é uma figura privilegiada de tortura, ao passo que as penas de maus-tratos contra animais encerram toda proteção.”
Racismo e crimes resultantes de preconceito e discriminação
Passa a proibir a discriminação ou preconceito também por gênero, orientação sexual e procedência regional ou nacional. Inclusive considera esses crimes imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. A pena é agravada caso o agente cometa o crime por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade social, religião, procedência regional ou nacional.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
“Temos uma lei sobre isso, mas ela deixou de fora algumas coisas, como o preconceito em razão da origem e a questão da homofobia. Houve a preocupação com a proteção penal da identidade e da orientação sexual.”
Barganha
É instituído o acordo durante o processo, permitindo a aplicação imediata da pena antes da audiência de instrução e julgamento. O acordo implica a assunção de culpa do acusado que receberá, em contrapartida, a pena mínima, a ser cumprida no regime semiaberto ou aberto.
Neemias Moretti Prudente
“Esse instituto possibilitará desafogar o Judiciário, deixando o processo para casos mais complexos. Além de reduzir os gastos estatais, o acusado estaria dispensado de sofrer as agruras de um processo judicial e posterior encarceramento.”
Aborto
Ampliam-se as hipóteses em que o aborto não é penalizado, com a possibilidade de interrupção da gestação até a 12ª semana por vontade de gestante mediante atestado médico.
Paulo Leão, procurador do estado do Rio de Janeiro
“A proposta de reforma do Código Penal é extremamente facilitadora da prática do abortamento provocado desrespeitando claramente a vida humana no seu início, na fase intrauterina, e desrespeitando também a vida e a dignidade das mulheres e das mães.”
Mário Ramidoff
“É uma questão relacionada à atenção integral da saúde e, portanto, para além da ampliação das hipóteses legais de abortamento, impõe-se uma ampla discussão social sobre a necessidade ou não da criminalização do aborto. De outro lado, é dever do Estado estabelecer acompanhamento psicológico e médico para as gestantes.”
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves
“É uma questão de saúde pública. Entendemos que há um conflito entre o direito do nascituro e o direito da mulher sobre o próprio corpo. Mas a balança não pode pender para um dos lados e foi encontrado um ponto de equilíbrio. Trouxemos também as questões modernas, como fertilização in vitro indevida e a anencefalia.”
Veja outros pontos incluídos ou alterados pelo anteprojeto (para conferir mais detalhes, clique no link):
Fontes:
Senado Federal. Relatório final. Anteprojeto de novo Código Penal. Disponível em: .
PRUDENTE, Neemias Moretti. Principais Mudanças e Polêmicas: Projeto de Novo Código Penal (PLS 236/2012). Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/neemiasprudente/2013/02/20/principais-mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-2362012/
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