“Ainda não encontrei ninguém que me explicasse, sem argumentos corporativistas, porque o Ministério Público entrou nessa aventura de querer investigar.” A frase é do superintendente da Polícia Federal em São Paulo, o delegado Roberto Troncon Filho, e foi usada para explicar a jornalistas porque ele não sabe os motivos de o MP querer tomar para si o poder de fazer as investigações penais.
Ele falou durante evento organizado pela Polícia Federal em São Paulo para discutir a Proposta de Emenda à Constituição 37, que diz que a Polícia tem o poder exclusivo de conduzir as investigações. Sob o nome de “PEC 37 e o dever-poder de investigação criminal no Brasil”, o encontro é uma discussão sobre os diferentes aspectos da investigação criminal, explicando por que o MP não pode investigar.
O professor Ives Gandra da Silva Martins, constitucionalista e tributarista, explicou que o artigo 144 da Constituição, que define os órgãos responsáveis pela segurança pública, é bastante claro em não elencar o Ministério Público como um deles. “Venho ler a Constituição porque às vezes no Brasil é preciso ler o óbvio. E justamente para dizer que ninguém está tirando nenhum poder do Ministério Público, porque ele nunca teve esse poder. Onde está, no texto constitucional, que eles podem fazer a apuração? Não há!”, afirma. “O Ministério Público não pode, obviamente, ir além do que a Constituição diz.”
Evidentemente, a discussão se encaminhou se era necessária uma emenda constitucional para dizer o que a Constituição já diz. Vicente Greco Filho, professor titular da USP e procurador de Justiça aposentado, entende que, de fato, não seria necessária a PEC. Ele cita o artigo 129 da Constituição, que fala das funções institucionais do Ministério Público, para fazer valer seu argumento.
Greco Filho aponta que o inciso I, que fala em “promover a ação penal pública”, já diz qual a principal função do MP em matéria criminal. Já o inciso VII estabelece, como função institucional do MP, “exercer o controle externo da atividade policial”. O que seria necessário, segundo o procurador aposentado, seria uma regulamentação clara do que seria esse “controle externo”.
Ives Gandra teceu comentários sobre sua tese de interpretação constitucional. Segundo ele, “a lei é sempre mais inteligente que o legislador”, pois, na hora de decidir, o juiz deve sempre levar em conta a letra da lei, e não a vontade do legislador, já que a régua do sistema jurídico brasileiro é a Constituição. Se a lei confronta a Constituição, não pode ser aplicada.
“Mas a Constituição não é mais inteligente que o constituinte.” Gandra explica que ao contrário da lei, que tem a Constituição como fato histórico anterior e, portanto, sua medida de validade, não há fato anterior ao texto constitucional. A Constituição é a pedra fundamental do direito no regramento jurídico.
Portanto, ao interpretar a Constituição, deve sempre ser levada em conta a vontade do constituinte quando escreveu determinado dispositivo. E, se o constituinte quisesse que o Ministério Público fizesse investigações penais, o teria escrito expressamente.
Deveres republicanos
O delegado Roberto Troncon Filho acredita que o principal motivo contra o poder de investigação do MP é evitar abusos contra os cidadãos. Ele afirma que o sistema da independência de Poderes, que obriga um Poder a fiscalizar o outro, existe para proteger o cidadão contra abusos de poder. “E esse fundamento precisa ser aplicado à persecução penal.”
Troncon explica que o MP, como órgão responsável pela acusação e pela fiscalização da Polícia, não pode fazer a investigação pelas próprias mãos. “A investigação é a forma mais invasiva de atuação do Estado na sociedade. É o que permite ao Estado invadir sua casa, vasculhar sua intimidade e vigiar suas ações e te priva da sua liberdade. A Polícia exerce essa função, mas o Ministério Público fiscaliza se ela age de acordo com a lei e a Constituição”, declarou.
Ives Gandra adicionou a esse argumento o fato de que, quando o constituinte falou em “polícia judiciária”, se referiu especificamente à relação entre o delegado e o juiz. Segundo ele, o delegado é a longa manus do Judiciário, e por isso é tão imparcial quanto o juiz. O juiz, segundo o professor, ouve todos os lados da questão, e o delegado também, “sempre para garantir o direito à ampla defesa”.
E se a questão ficou clara para todos os debatedores e para a plateia, a discussão levantada foi sobre a necessidade do debate. Ives Gandra justificou com a história da companhia aérea que, em dificuldades financeiras, tinha poucos funcionários e poucos aviões. Seu melhor piloto era cego, assim como o melhor copiloto, o que, claro, sempre causava bastante desconforto a todos os passageiros.
Durante uma decolagem, ao perceber que o avião avançava pela pista de decolagem sem ameaçar subir, os passageiros começaram a se desesperar e gritar. O professor descreveu uma situação apavorante. Quando o avião chegou perto do fim da pista, os berros se intensificaram e a aeronave decolou suavemente. Foi quando o piloto comentou com o copiloto: “No dia em que eles pararem de gritar não sei o que será de nós.”
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 25 de maio de 2013
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