sábado, 1 de novembro de 2008

Artigo: A Lei nº 9.099/95 e a contravenção de vias de fato

Com o advento da Lei nº 9.099/95, que tratou dos Juizados Especiais Criminais, os delitos de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, previstos, respectivamente, nos arts. 129, "caput" e 129, parágrafo 6º, do Código Penal, sofreram sensível alteração no que diz respeito à condição de procedibilidade.

Ou seja, passou-se a exigir, como condição para o exercício da ação penal pelo Ministério Público, a prévia representação do ofendido ou de seu representante legal ou mesmo de seus sucessores, nos termos do disposto no art. 88 da mencionada lei. De sorte que, tais delitos anteriormente elencados entre aqueles de ação penal pública incondicionada, passaram a receber tratamento de ação penal pública condicionada a anterior manifestação de vontade da vítima, sem embargo da titularidade ser mantida com o órgão do "Parquet".

Entretanto, questão que tem causado certa discussão no âmbito prático — e é somente esta a abordagem que se pretende com o presente trabalho — é a atinente à necessidade da mencionada representação também para as hipóteses da contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 da lei própria.

Ressalte-se, de plano, que a lei foi, sob esse aspecto, omissa, talvez por preferir deixar a questão para uma reforma futura, mais abrangente, que venha a culminar, inclusive, com a edição de uma nova lei que cuide das contravenções penais.

Contudo, entendo que, por criação jurisprudencial, acabará por se exigir, também nas hipóteses de vias de fato, a prévia representação do ofendido.

E se cobrará tal condição por uma questão que parece-me lógica: se para o delito de lesão corporal leve, que é crime e portanto mais grave já se exige a representação, com muita mais razão para a mera contravenção penal de vias de fato tal condição de admissibilidade da persecução penal deverá estar presente.

Saliente-se que a infração em tela tem um caráter marcantemente subsidiário em relação ao crime de lesão corporal, revelado pela própria letra do art. 21 da LCP, ao estabelecer, em seu parágrafo único, que "...se o fato não constitui crime".

Ademais, são infrações penais da mesma espécie, a primeira delas prevista no capítulo do Código Penal que prevê os crimes contra a pessoa; e, a segunda, elencada, na lei própria, entre as contravenções referentes à pessoa. A distinção reside no fato de que, enquanto a contravenção é infração de perigo, o crime do art. 129 reclama, além do perigo, o dano decorrente da lesão suportada pela vítima.

Portanto, se para o mais que é o crime se exige a representação, com razão exigir-se, também, para o menos que é a contravenção. Cuida-se, mesmo, de aplicação da analogia in bonam partem, de resto expressamente prevista no art. 3º, do Código de Processo Penal.

Parece-me pois, que, a despeito do que reza o art. 17 da LCP, ao ressaltar o caráter público incondicionado da ação penal, a jurisprudência caminhará, ante as razões expostas, no sentido de exigir, também nas hipóteses de vias de fato, a prévia representação do ofendido.


Ronaldo Batista Pinto, Promotor de Justiça em Ribeirão Preto (SP)

PINTO, Ronaldo Batista. A Lei n. 9.099/95 e a contravenção de vias de fato. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.44, p. 03, ago. 1996.

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