terça-feira, 25 de novembro de 2008

Artigo: Apontamentos sobre a quesitação no júri

Por estar a instituição do Júri prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5.º, inc. XXXVIII, como um direito e garantia individual, não pode ser a mesma suprimida, nem por Emenda Constitucional, constituindo, portanto, verdadeira cláusula pétrea (núcleo constitucional intangível).

No Código de Processo Penal, sua previsão se dá a partir do artigo 406. Ressalte-se que, por decisão meramente política, aí leia-se Emenda Constitucional n.º 01, de 17 de outubro de 1969, o rol de crimes levados a julgamento perante o Tribunal de Justiça resume-se a crimes contra a vida. A sua operacionalidade sempre se mostrou motivo para reflexão, atraente a todos, independentemente se operadores ou não do Direito.

Um das peculiaridades adotadas em nosso ordenamento, diz respeito a que a decisão final não fica a cargo do Juiz-Presidente, a quem cabe apenas a aplicação da lei ao caso concreto.

Ela será tomada de forma soberana por um Corpo de Jurados (ou Conselho de Sentença) Princípio da Asserção ou da Afirmação, formado por sete (7) pessoas escolhidas dentre vinte e cinco (25) dos oitenta (80) a mil e quinhentas (1500) que se alistaram, número este variável conforme a população da Comarca (art. 425 combinado com o art. 433 e art. 447, CPP).

Tal soberania, em caso de recurso, será mitigada em duas oportunidades: i) quando se apela e o Tribunal em análise ao mérito anula a decisão; e, ii) em caso de revisão criminal, podendo o condenado ser inocentado pelo juízo técnico.

Com a edição da lei 11.689/08, de 09 de agosto de 2008, alterou-se a maneira do jurado ao ser instado a expor sua decisão. A partir de então, o jurado será indagado por meio de proposições afirmativas, simples, claras e precisas.

Tais proposições serão elaboradas pelo Juiz-Presidente, tendo por base os termos utilizados na pronúncia, interrogatório e nas alegações das partes (art. 482), haja vista a extinção do libelo-crime-acusatório.

E segue o art. 483, ditando o roteiro da formulação, afirmando que, primeiramente, os jurados serão indagados sobre a materialidade do fato, depois, sobre autoria e participação. No caso, se 3 jurados responderem negativamente a qualquer destas indagações, encerra-se a votação, decretando-se a absolvição do acusado.

No entanto, se mais de 3 jurados responderem afirmativamente às duas indagações (materialidade e autoria ou participação), a eles será perguntado se o acusado deve ser absolvido.

Em decidindo pela condenação, serão formulados quesitos sobre eventual causa de diminuição de pena apontada pela defesa, bem como sobre circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena. Ambas devem constar na sentença de pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

Até então, maiores dificuldades não há. Ocorre que todas as teses apresentadas pela defesa em Plenário devem ser indagadas aos jurados e, conforme já prelecionava a Súmula 156 do Supremo Tribunal Federal, ainda em vigor, considerando que o questionário sugerido pelo legislador não dá conta a solucionar a questão a contento.

Certamente, desta forma, tanto o julgamento como a decisão serão mais seguros, sabendo qualquer das partes (e quem mais tomar ciência do julgado), quais os motivos que desencadearam aquela decisão. Note-se que o conhecimento de tais motivos reflete, inclusive, na limitação de uma eventual interposição de ação civil ex delicto.

Portanto, as teses defensivas passam a ser um desdobramento do 3.º quesito se o acusado deve ser absolvido, cuja redação, por ser genérica, assim permite. Assim será, acaso a defesa alegue que, por exemplo, o fato se deu sob a égide de uma excludente de ilicitude, ou se no seu emprego houve o cometimento de excessos, sejam eles dolosos ou culposos.

Diversa é a indagação afeta à tentativa e à desclassificação própria. Em casos como este, o legislador determinou, pela redação dos parágrafos 4.º e 5.º do art. 483, que os jurados serão indagados após a análise do 2.º quesito, levando-se a concluir não ser o caso de desdobramento do 3º quesito.

Em se operando a desclassificação própria, ficará a cargo do Juiz Singular a decisão final. Se com tal desclassificação, o delito remanescente comportar transação penal ou suspensão condicional do processo (hipótese do reconhecimento de lesão corporal leve ou exposição a perigo de vida ou homicídio culposo fora do trânsito), será mais prudente ao juiz aguardar o trânsito em julgado da decisão para só então abrir vistas dos autos ao Ministério Público para que este se manifeste acerca da oferta ou não de proposição naquele sentido.

No que se pertine à conexão e continência, a quesitação obedecerá às mesmas regras que o delito que firmou competência perante o Tribunal do Júri.

Anote-se que, acaso haja a alegação de que o acusado era inimputável à época do fato, revela-se necessária a elaboração de um quesito próprio, considerando que a absolvição era imprópria.

Por fim, os jurados não serão indagados sobre circunstâncias agravantes ou circunstâncias atenuantes e nem sobre as hipóteses de continuidade delitiva. Por serem questões referentes à aplicação da pena, ficarão a cargo do Juiz-Presidente, ao momento de lavrar a sentença. São, enfim, os apontamentos a que se sugere reflexão.


Mara Francine Levin David é assessora jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 23/11/2008.

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