quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Artigo: Prestação de serviços à comunidade - Uma alternativa viável às penas de encarceramento de curta duração - Resultados

O encarceramento não reeduca para a liberdade, posto que é impossível treinar um homem recolhido para voltar a viver em liberdade.

O preso precisa "adequar-se" às normas da penitenciária para receber o conceito de "bom comportamento". Porém, ao invés de se preparar o indivíduo para a vida de homem livre e consciente, no dizer de Augusto Thompson, muda-se o enfoque de readaptação: (A questão penitenciária).

"Ao invés de readaptação do interno para a vida em sociedade, coloca-se a sua adaptação à vida carcerária. Se o preso demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado readaptado à vida livre" (Manoel Pedro Pimentel, 1983, p. 157).

Aí se encontra a incoerência do sistema prisional. Se o réu está bem adaptado à cadeia, como conviverá com os semelhantes quando sair? Ou conforme mostrou o filme "Um Sonho de Liberdade": primeiro o réu teme os muros e depois convive com eles e por último não pode mais passar sem eles.

Ocorre o fenômeno que Donald Clemmer batizou de "prisionização". Ao invés de estar sendo ressocializado para viver sua vida posteriormente livre o sentenciado está sendo socializado para viver na prisão.

Motins, insatisfação, violência crescente acumulada no interior das pessoas, contidas em cubículos subumanos, em que muitas vezes é necessário um sorteio para eleger quem deita no chão ou então dorme de pé, amarrado nas grades para não cair.

Trata-se de um caldeirão pronto a explodir a qualquer momento, acrescentando-se a este quadro o número de aidéticos na rede penitenciária, cada vez maior. Em busca de privilégios, presos denunciam companheiros: uma carteira de cigarro, uma vaga para trabalhar ou transferência de cela, de presídio ou encaminhamento para avaliação, mediante propinas.

No Estado do Rio Grande do Sul, existem 12.000 apenados na rede penitenciária a um custo de cinco salários mínimos aproximadamente mensais por preso aos cofres públicos.

Existem 60.000 mandados de prisão sem cumprimento no Estado e 300.000 no país.

O Presídio Central de Porto Alegre abriga 1.458 apenados, com vagas para 666. Do total dos internos 15% trabalham e 85% não. A alegação é de que não existe efetivo suficiente para controlar o trabalho do preso. Atualmente a Brigada Militar faz a manutenção do presídio.

Dos internos na rede penitenciária do Estado, 60,65% são de cor branca, 25,36% de cor preta e 13,99% outros. Cabe esclarecer que a população negra total do Estado é de 5%.

Quanto à idade, 59,60% possuem de 18 a 25 anos, 18% de 26 a 35 anos, e 18,50% de 36 a 50 anos de idade. Por último 3,90% de 51 a 70 anos.

No tocante à instrução, os analfabetos estão na ordem de 13,70%. Os que possuem o primeiro grau 67,50%. Segundo grau, 16,80% e superior ou incompleto 2%.

Com relação ao estado civil, a população carcerária de solteiros é de 38,80%, casados 23%, divorciados e separados 13,60%, viúvos 4% e outros 20,60%.

Quanto à situação socio-econômica, 10% pertence à classe média, 60% à classe pobre e 30% à classe miserável. E o rico?

A reincidência é na ordem de 85%. Os réus que não possuem condições de pagar advogado representam 85% dos recolhidos na rede penitenciária.

Verifica-se a falência da reeducação nas prisões. Mas também a corrente abolicionista deve ser olhada com reserva. Existem normas que poderiam ser descriminalizadas, como o adultério e a sedução.

Se por um lado a prisão não reeduca, o abolicionismo também não é a solução. Enquanto não mudarmos o sistema como um todo, as alternativas penais ao encarceramento de curta duração mostram-se como soluções práticas e viáveis com resultados alentadores.

Através de um projeto pioneiro no Brasil de minha autoria, no ano de 1987, foi firmado um convênio com o Ministério da Justiça, Secretaria da Justiça e "Ajuris" para a implantação de um plano piloto referente à prestação de serviços à comunidade. A implantação inicial foi concluída em 1989.

Firmados vários convênios com instituições filantrópicas de Porto Alegre (155), foi possível constatar a receptividade em nosso meio quanto à aplicação de uma pena que ressocializa, reeduca, ao mesmo tempo em que oferece uma retribuição punitiva à conduta delituosa do réu.

Inicialmente o plano piloto foi implantado com duas assistentes sociais e dois estudantes de direito, pelo prazo de dois anos e meio, a partir de dezembro de 1987.

Esta pena provou que representa um novo enfoque ressocializante que o encarceramento não oferece. Muitos réus permanecem trabalhando na instituição após o término de sua prestação laborativa. Outros são contratados para trabalhar nas entidades cadastradas, posto que seu trabalho foi reconhecido como muito bom.

Custo zero para o Estado, e a reincidência é de 0,5%.

Só em Porto Alegre aproximadamente encontramos cerca de três mil réus que receberam a tal pena desde o início da implantação. Em todo o Estado seriam na ordem de cinco mil prestadores.

O segredo dessa pena é o controle, sendo que o prestador é levado a questionar seu comportamento, e a responsabilidade perante a comunidade como cidadão. Exemplos práticos: uma prestadora foi condenada por acidente de trânsito. Encaminhada ao Hospital das Clínicas de Porto Alegre, após o término da pena, prestou concurso e hoje chefia o setor de recursos humanos do referido hospital, cuidando também dos prestadores. Outra prestadora, condenada por furtar uma pulseira de ouro da patroa foi encaminhada a uma creche, sendo que hoje dirige o estabelecimento.

O papel fundamental desempenhado pelas assistentes sociais, consiste na correta avaliação do entrevistado e seu competente encaminhamento até a instituição que mais se adaptar à sua aptidão e realidade social. Quando não existem assistentes sociais na comarca, é possível criar-se o Conselho da Comunidade, atribuindo-lhe funções de controle.

Na comarca de Estância Velha (quatro municípios), os apenados estão ajudando a construir a delegacia local e limpando as praças e jardins.

Como ocorrem muitas lesões contra as mulheres, foi possível criar dois grupos de apoio à função jurisdicional, referente às mulheres espancadas e aos alcoolistas, com o apoio da Prefeitura, constituídos de assistentes sociais e psicólogas.

O resultado é amplamente positivo, demonstrando claramente que é necessário cada vez mais ampliar o tempo do sursis com a aplicação da pena de trabalho comunitário. Isto, aliás, foi sugerido no encontro internacional sobre penas alternativas realizado no Cairo, em abril de 1995.

Os juizados especiais criminais aplicarão amplamente esta pena restritiva de direito bem como a pena de multa.

Foram realizadas várias palestras e encontros e seminários sobre penas alternativas, em que fui convidada para demonstrar os resultados construtivos deste tipo de pena, convocando os magistrados a aplicarem cada vez mais a prestação de serviços à comunidade (cursos realizados em Florianópolis, São Paulo e Brasília).

Existe um vídeo já defasado, mas que está sendo utilizado nas palestras, para divulgar o trabalho.

O ideal seria a divulgação cada vez mais ampla da metodologia para a implantação desta pena restritiva de direito em todo o país, através de vídeos, palestras etc.


Vera Regina Muller, Juíza pretora em Estância Velha, RS.

MULLER, Vera Regina. Prestaçäo de serviços à comunidade - Uma alternativa viável às penas de encarceramento de curta duraçäo - Resultados. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.50, p. 10, jan. 1997.

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