sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Para diretor do Unicef, raiz da exploração sexual de crianças é social e não econômica

Rio de Janeiro - A raiz da exploração sexual de crianças e adolescentes não é econômica e sim social. Essa é a defesa do diretor regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na América Latina e no Caribe, Nils Kastburg.

Em entrevista à Agência Brasil, durante o 3º Congresso Mundial de Enfrentamento à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em andamento no Rio, Kastburg diz que a situação mais grave está na família. Segundo ele, na América Latina e no Caribe, a cada hora 228 meninas e meninos são abusados por alguém ligado a sua família.

O diretor do Unicef também aponta a necessidade de leis de cooperação internacional e de trabalho conjunto entre países limítrofes para combater o problema, especialmente os 12 que compõem a União Sul-Americana de Nações (Unasul).

Agencia Brasil: Que peso tem, para o Brasil e a América Latina, o fato de esse congresso mundial acontecer no Rio de Janeiro?

Nils Kastburg: Os dois primeiros congressos mundiais trataram exclusivamente de exploração sexual comercial. Agora, no terceiro, temos ampliado o âmbito de discussão, o que permite trabalhar a temática do abuso sexual em torno da família. Muitos dos que vemos nas ruas de prostituição começaram com violência intrafamiliar, com abuso sexual em casa. E o que esperamos é que este congresso ajude a visibilizar mais isso. Havia um manto de silêncio em cima de todos os altos níveis de abuso em torno da família. As mulheres que viam suas filhas sendo abusadas por seus amantes não falavam e é importante que comecem a falar desse tema. Sabemos que quando não se rompe o silêncio, isso se repete de geração em geração. Hoje em dia, a América Latina e o Caribe têm 228 meninas e meninos sendo abusados a cada hora por alguém em torno da sua família e este congresso quer pôr à luz do mundo o que está ocorrendo em nossa região. Também espero que este congresso consiga visibilizar o mau comportamento dos homens, porque na grande maioria dos casos de exploração sexual, seja comercial ou familiar, o problema está nos homens.

ABr: A pobreza quase sempre está na base da exploração sexual de crianças e jovens, especialmente quando se trata da comercial. Como um congresso pode ter impacto sobre essa exploração quando ela está relacionada a um problema tão profundo quanto a pobreza?

Kastburg: Primeiro a exploração sexual e o abuso sexual em torno da família não é um tema relacionado à pobreza. Têm muitas crianças que no contexto da pobreza estão muito bem protegidas. O abuso é exercido por aqueles que, por exemplo, vêem fotos pornográficas de crianças pela internet. A maioria dos que estão comprando essas fotos são pessoas de classe média ou ricas. Eles são parte desse problema, que é dos ricos, da classe média e dos pobres. Primordialmente, as meninas que terminam na prostituição, não acabam assim por causa da pobreza, mas principalmente por causa da violência. Encontro muitas meninas que me dizem 'eu prefiro dar sexo para um policial do bairro uma vez por semana para que ele me proteja, que estar em casa todas as noites com meu padrasto abusando de mim'. Então, 50% ou 60% das crianças que estão nas ruas da América Latina, não estão primordialmente por pobreza, estão principalmente por causa da violência familiar. A exploração sexual comercial se nutre dos altos níveis de abusos sexuais na família. O que precisamos é romper o silêncio e gerar uma vergonha. Temos que fazer com que a sociedade, que atualmente é indiferente, sinta vergonha do fato de que há pessoas que querem usar e abusar dos meninos e meninas brasileiros e de todo o mundo. Enquanto tivermos uma sociedade que tolera isso, vamos estar mal.

ABr: Então o problema é social e não econômico?

Kastburg: Exatamente. Mas se na parte econômica existem grandes disparidades, se há grandes diferenças, o rico e o de classe média vão usar seu poder econômico para influenciar uma pessoa que tem menos poder econômico ou menos poder de se defender. Também temos muitos abusos sexuais nas escolas. Existem muitos professores que usam seu poder sobre as crianças. Isso não tem a ver com o fato de serem ricos ou pobres.

ABr: Um dos temas que é foco do congresso, e que no Brasil já é fruto de uma grande discussão no Legislativo, é a questão da pedofilia na internet. Na sua opinião, às pessoas são mais tolerantes com essa prática por achar que o online não é real e por isso não se configura num abuso de fato?

Kastburg: Uma grande diferença entre o segundo e esse terceiro congresso é a expansão da internet. Por um lado, isso ajuda os jovens a se comunicarem, mas por outro também abre [oportunidade] para aqueles que querem abusar das crianças. Nesse momento eu acredito que a Europa tem uma enorme responsabilidade. Cerca de 25% do tráfico [de crianças] acontece na Europa ou ao redor dela. E muitos turistas europeus estão vindo aos nossos países da América Latina e se aproveitando das crianças da região. Esse tipo de turismo nós não queremos. É muito importante anunciar para cada turista que nossos meninos e meninas não estão para ser comprados ou abusados. E a internet é um instrumento muito poderoso por estar guiando minuto a minuto onde se pode ter acesso à crianças para prostituição infantil ou para abuso sexual. Por isso, temos que melhorar a capacidade da polícia e do sistema judicial de saber o que está se passando na internet. Mas nós temos apenas quatro países - Canadá, Chile, Paraguai e o Brasil - que proíbem a pornografia infantil. Então faltam muitas leis na América Latina e no Caribe, porque se no Brasil não se permite, mas em outro país sim, vai se fazer intercâmbio com ele. É importante conseguir que proibir a pornografia infantil se converta numa política pública regional e que haja um sistema de seguimento para pôr na cadeia aqueles que o fazem. Também deve haver um compromisso do setor privado, de todas as empresas que provêem serviços de internet de assegurar-se que não existe uma página de exploração infantil em seus domínios.Do mesmo modo, queremos que os gerentes de todos os hotéis digam aos seus empregados claramente: se vocês virem alguma menina ou menino, acompanhando um adulto, de maneira suspeita, não os deixem subir para o quarto. Temos que dizer claramente que esse turismo que destrói nossas crianças, não queremos aqui.

ABr: Como os países da Unasul podem agir em cooperação para combater a exploração sexual de crianças?

Kastburg: No Mercosul já existe a política de “Niños Sur” (Crianças do Sul), que queremos que seja reforçada. Ela assegura por exemplo, que se for descoberta uma rede que levou uma menina paraguaia para a Argentina, que essa menina seja acompanhada para ser reunificada com sua família. Essa cooperação é muito importante entre os países limítrofes. Foz do Iguaçu/Ciudad del Este é um centro onde há talvez três mil meninas que estão envolvidas em abuso sexual e prostituição. O mesmo tem acontecido na fronteira entre Boa Vista (RR) e a Guiana. Temos que ver como está a fronteira entre Bolívia e Brasil. Em todas as nações limítrofes, onde há grandes diferenças entre ricos e pobres, ali vai haver também muitos que usam e abusam do seu poder econômico e social. É muito importante que haja responsabilidade de quem está demandando. Se o cliente está pagando por esse serviço, ele tem que ser responsabilizado. Eu espero que nós possamos ter leis em toda a América Latina dentro de alguns anos, que penalizem quem procura esses serviços, os que procuram fotos na internet, os que têm as fotos nos seus computadores. É muito importante ter uma coordenação na parte legislativa, porque muitos desses usam o translado de pessoas, os fluxos migratórios. Por exemplo, existem 400 mil brasileiros que compraram terras no Paraguai. Eles estão indo e vindo entre Brasil e Paraguai e podem estão contribuindo para a exploração sexual lá. É importante que o Brasil ajude o Paraguai a resolver isso, não é uma resonsabilidade só deles. É uma responsabilidade também do Brasil.

ABr: Qual a expectativa do Unicef e das intituições parceiras com relação a aplicação do que for decidido no Congresso, por parte dos países participantes?

Kastburg: Nós achamos que falta visibilizar o problema, romper o silêncio, estabelecer os marcos legislativos necessários, e mudar a atitude da sociedade. Temos uma sociedade que tolera a violência contra a criança. E necessitamos educação para a proteção. Há muitas pessoas que pensam que oferecer educação sexual vai fazer com que a menina saia e se jogue na primeira cama para ter sexo. Nada pode estar mais incorreto. Educação sexual é ajudar a menina e o menino a se protegerem do abuso sexual. Uma menina de quatro anos a quem a mãe diz 'filha, se um homem quiser te tocar, você diz que não”, estará dez vez mais protegida que a menina cuja mãe não lhe diz nada.


BBC Brasil.

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