O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária desta quinta-feira (5), iniciou o exame do Recurso Extraordinário (RE) 591054, com repercussão geral, no qual se discute a possibilidade de considerar como maus antecedentes, para fins de dosimetria da pena, a existência de procedimentos criminais em andamento contra o sentenciado.
O relator do RE, ministro Marco Aurélio, em voto pelo desprovimento do recurso, lembrou que o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal traz a garantia de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. No entendimento do ministro, para efeito de aumento da pena somente podem ser valoradas como maus antecedentes decisões condenatórias irrecorríveis, sendo impossível considerar para tanto investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal.
O ministro ressaltou que diversos tribunais e organismos internacionais, entre os quais a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Comitê de Direitos Humanos a Organização das Nações Unidas defendem a presunção da inocência e condenam a possibilidade de que seja declarada a culpa de uma pessoa antes que o Poder Judiciário a estabeleça em definitivo. Lembrou ainda que a súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
O relator observou que, caso os inquéritos ou processos criminais considerados como antecedentes tenham desfecho favorável ao acusado, ainda assim ele sofrerá prejuízo, pois os procedimentos terão sido utilizados para aumentar sua pena em processo no qual foi efetivamente condenado. “O lançamento no mundo jurídico de enfoque ainda não definitivo e portanto sujeito à condição resolutiva potencializa a não mais poder a atuação da polícia judiciária e a precariedade de certos pronunciamentos judiciais”, argumentou.
De acordo com o ministro, as normas não podem ser interpretadas de forma a gerar perplexidade e a abordagem deve ser científica para evitar distorções. Considera também que elementos passíveis de perderem a sustentação fática não podem ser utilizados como reveladores de antecedentes. “Os dados que podem ser valorados na aferição da culpabilidade devem derivar de envolvimentos judiciais que levaram a condenações definitivas do agente por infrações penais, sejam crimes comuns, militares, eleitorais ou contravenções”, sustentou.
O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Gilmar Mendes.
Divergência
A divergência foi aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, o artigo 59 do Código Penal compreende diversos aspectos que devem ser considerados pelos juízes para dosar a pena, entre os quais a culpabilidade, os antecedentes, a conduta pessoal e a personalidade do sentenciado. “Esse artigo entrega ao prudente arbítrio do juiz a possibilidade de dosar a pena de maneira a fazê-la suficiente para a reprovação e prevenção do crime”, argumentou.
No entendimento do ministro, os antecedentes mencionados no artigo 59 do Código Penal, que trata da fixação da pena, não podem ser confundidos com o artigo 61, que fala das circunstâncias agravantes. Em seu voto, destacou que não é incomum que os juízes criminais se deparem com extensa ficha criminal de um determinado réu, muitas vezes por fatos semelhantes ao que são objeto do julgamento, e que essas circunstâncias devem ser levadas em consideração na dosimetria da pena.
Nesse mesmo sentido votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux.
PGR
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que o fato de o réu responder a processos penais e a investigações criminais sem a ocorrência de condenação definitiva deve merecer a atenção do julgador na fixação da pena, pois revela a conduta social do apenado e a sua própria personalidade. Ele ressaltou que o artigo 59 do Código Penal, que estabelece os critérios para o cálculo da pena, é multifacetário, não se restringindo aos antecedentes criminais, mas levando em consideração também conduta social reprovável e culpabilidade. No entendimento do procurador, esse procedimento não significa violação do princípio constitucional da presunção da inocência, mas desconsiderar essas circunstâncias ofenderia ao princípio da isonomia, pois o comportamento social e a personalidade de réu que não responda a nenhum outro processo seria semelhante ao de quem responde a outros processos e inquéritos.
Defensoria
Em nome da Defensoria Pública da União, que foi admitida como parte interessada no processo, o defensor João Alberto Simões Pires Franco argumentou que o aumento da pena pela mera existência de processo representa ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois o acusado, mesmo sem ter sido condenado no processo em curso já sofre, em razão dele, majoração em sua pena. Argumentou ainda que, caso o cidadão seja absolvido nos processos que serviram para exasperar a pena, não haveria como voltar ao status quo anterior. Para o defensor público, a quebra da isonomia se daria exatamente ao aumentar a pena-base de alguém que responde a inquérito ou a processo penal sem que essa pessoa tenha, efetivamente, um antecedente. “O antecedente tem que ser concreto e perene, ou então não antecede nada”, destacou.
Caso
No caso concreto, o RE foi interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado, que, por unanimidade, deu provimento parcial a apelação interposta pela defesa, para reduzir as penas atribuídas ao réu pelo cometimento dos delitos tipificados nos artigos 306 (embriaguez) e 311 (dirigir acima da velocidade permitida) da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), sob o fundamento de que na dosimetria da pena foi considerada como maus antecedentes a existência de processos criminais em andamento.
O julgamento foi suspenso na sessão de hoje e deve ser retomado oportunamente para que sejam proferidos os demais votos.
PR/AD
Processos relacionados RE 591054 STF. |
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