quarta-feira, 4 de junho de 2014

Stalking e responsabilidade civil

Introdução

Este trabalho tem como escopo central apontar como o direito civil brasileiro responde aos casos de stalking, para tanto, será feita uma breve análise do tema, para posteriormente demonstrar o entendimento dos tribunais brasileiros.
Cometer stalking é instigar o medo e criar incertezas. Não são raros os casos que envolvem grave violência e até morte. Esse comportamento começa com atitudes inocentes, que em um primeiro momento são vistas como “um mero incidente” ou uma demonstração exagerada de zelo e amor, longe de ser algo destrutivo, mas que com o tempo pode se tornar algo extremamente perigoso.[1]
O ato ainda não é criminalizado no Brasil, diferentemente de outras nações, que possuem leis severas para o fenômeno. Todavia, o novo código em trâmite já apresenta a criminalização do tema.

2 Conceito de stalking

A palavra stalking é fruto das práticas de caça e foi transformada para ser aplicada no direito penal. O termoderivado verbo stalk, que não tem uma tradução exata para o português, mas se aproxima de “perseguir incessantemente” (no contexto da caça é quando o predador persegue a presa de forma contínua). Os stalkers são “perseguidores” que possuem um comportamento obsessivo direcionado a outra pessoa, eles procuram sempre, agindo de forma intencional e de acordo com um curso de conduta, seguir, obter informações e controlar a vida de outra pessoa, causando dano psicológico.[2]
A doutrina estrangeira[3], ao abordar o assunto, coloca em evidência alguns aspectos essenciais para entender o stalking. O primeiro, e mais evidente, é a repetição dos atos. Tais atos não são necessariamente crimes, eles só se tornam uma ofensa a partir da repetição em um curto período de tempo, ou seja, para o stalking ser caracterizado, o ofensor tem de realizar a ação pelo menos duas vezes. Outro ponto importante é o dano psicológico provocado na vítima. Ora, para que se verifique ostalking, a vítima deve temer por sua segurança ou de seus familiares, seja medo de perder a vida ou de sofrer lesões corporais. O cerne da discussão não está no dano físico, mas sim o psicológico. O Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos[4], através do Departamento Nacional de Violência Contra Mulheressugeriu a seguinte definição de stalking:
Um curso de conduta direcionado a uma pessoa específica que envolve repetitivas aproximações físicas ou visuais; comunicação não consensual, ou verbal, ameaças escritas ou implícitas; ou uma combinação que causaria medo a uma pessoa razoável.[5]
Basicamente, são quatro núcleos que devem ser observados para que ocorra ostalking: Curso de conduta, perseguição, ameaça plausível e dano psicológico.
Curso de conduta nada mais é que uma série de atos direcionados à vítima buscando causar medo e controlar a mesma. Perseguição é o assédio, a atormentação. A ameaça plausível é ação realizada pelo ofensor para causar medo em outrem, enquanto o dano psicológico é o resultado final causado.
Apenas para exemplificar, imagine um caso onde o autor começa a perseguir sua ex-mulher após o término do relacionamento. Deixa recados, efetua telefonemas e envia mensagens das mais variadas (e-mails, mensagem por celular, carta), de forma diária durante um período de tempo, mesmo após a vítima ter deixado claro que não deseja de reestabelecer o relacionamento. As mensagens contêm ameaças implícitas, como por exemplo: “volta para mim ou algo muito sério pode acontecer contigo”. Observe que o autor utilizou-se de um curso de conduta, realizar repetidos telefonemas e deixar várias mensagens, para causar medo na vítima. A perseguição fica evidente no assédio realizado, enquanto a ameaça plausível está inserta na mensagem e na repetição de atos (a repetição em si é uma forma de ameaça).

Stalking e Dano Moral

Feita a breve análise estrutural da ofensa, de acordo com a doutrina estrangeira, é forçoso realizar um pequeno paralelo com a definição de dano presente em nossocódex civil.
É pacífica a interpretação de que para ser observada a responsabilidade civil, é necessária a presença de alguns requisitos: Ação ou omissão, contrariedade ao direito ou ilicitude, dano e nexo de causalidade[6].
Nesta senda, é possível observar que os casos de stalking se encaixam perfeitamente no instituto da responsabilidade civil. A ação está no “perseguir” realizado pelo ofensor, os constantes “presentes” enviados, as diversas ligações efetuadas, e-mail, etc. A ilicitude está presente no exagero das aproximações realizadas, na repetição dos atos e na ameaça (seja direta ou indireta). O dano é o psicológico, de ordem moral. As diversas ameaças perpetuadas acabam minando a confiança da pessoa que sofre a perseguição, abalando o seu dia a dia e prejudicando diretamente sua vida. Por derradeiro, o nexo de causalidade está presente justamente na simbiose entre a ação do ofensor e o dano causado à vítima.
Na enorme maioria dos casos, a ofensa é cometida por homens que não aceitam o término de um relacionamento e passam a perseguir suas ex-companheiras, seja no trabalho, em casa, virtualmente, etc.
É comum que o ofensor realize várias ligações durante o dia, mande e-mails ameaçando a vítima, envie presentes desagradáveis ao local de trabalho (o mais comum são itens de sex shops) ou comecem a minar a credibilidade da pessoa perante o círculo de amigos em comum, situações que claramente se encaixam como ilicitude civil.
Os Tribunais brasileiros não são silentes sobre o tema. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já se pronunciou:
Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. Stalking. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do stalking. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido.[7]
O Magistrado, ainda, no corpo de sua decisão discorre:
Decerto que por amor, paixão ou saudade, qualquer pessoa pode (e em muitos casos, deve) tentar por todos os meios reconciliar-se com o objeto de seus sentimentos, mas não se pode fazê-lo a outrance. Há limites e o limite é aintegridade psicológica do outro. É a paz interior. O inconformismo do amante não pode se transformar num estorvo nocivo à vida de ex-namoradas, mulheres e companheiras. O limite é o bom senso e aqui o apelante extrapolou do que se considera razoável. Abusou de seu direito de reconquista e, por isso, praticou ato ilícito (artigo 187 do Código Civil de 2002). Evidente, assim, a ocorrência de dano moral.[8] (grifo nosso)
Observa-se que o desembargador não deixa espaço para outra interpretação senão a de que houve ato ilícito e a configuração do Dano Moral, inclusive demonstrando objetivamente o motivo disto.
A reparação civil pelo stalking não é privilégio do Tribunal do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou, no corpo do acórdão:
A despeito de já ter sido decretada o término da sociedade conjugal, o réu, inconformado com a obrigação de prestar alimentos à autora, passou a importuná-la de forma agressiva e ostensiva, promovendo o que a doutrina vem denominando de assédio por intrusão ou "stalking”. O apelante agiu com perversidade minando a apelada, na tentativa de desqualificá-la perante o seu círculo, com o propósito de compeli-la a desistir dos alimentos fixados na ação de separação judicial. Tais condutas comprovam a violação da privacidade e intimidade da apelada e constrangimento por ela suportados com conseqüente dano psicológico emocional. Impossível acolher a tese de que o apelante agiu no exercício regular do seu direito, porquanto deveria ter se valido dos meios que o ordenamento jurídico lhe faculta a fim de ver-se exonerado da obrigação que lhe foi imposta. Em nenhum momento, o ordenamento jurídico lhe autoriza a agir da forma inoportuna como agiu, ofendendo e ameaçando a apelada, praticando assédio moral inaceitável e que não prescinde da devida sanção.[9] (grifos nosso)
O comportamento utilizado pelo réudesqualificar a vítima perante o círculo social da mesma, é típico do stalker, tanto é verdade que o Magistrado não titubeou ao denominar a situação como stalking, inclusive “traduzindo” o termo para “assédio por intrusão”. Outro assunto levantado pelo desembargador foi, novamente, o dano psicológico suportado pelo sujeito passivo. O relator responsável também entendeu que a vítima sofreu danos de ordem moral neste caso, devido, principalmente, pelo dano psicológico causado na vítima.
Não é por mera coincidência que o dano psicológico aparece em ambos julgadossupracitados, é a correta interpretação da ofensa, sendo perfeitamente possível e recomendável a condenação de um stalker em danos morais.

[1] MELO, Jamil Nadaf de. O crime de stalking e seu reflexo na legislação brasileira. UFSC: Florianópolis. Monografia, 2012, 71 p. Sob orientação de Alexandre Morais da Rosa.
[2] Id. Ibid.
[3]PROCTOR, Mike. How to Stop a Stalker. New York: Prometheus Books. 1º ed. 2003.
[4]National Instute Of Justice
[5] TJADEN, Patricia. Stalking in America: Findings from the National Violence Against Women Survey. Washington: National Institute Of Justice, 1998, tradução nossa, (A course of condut directed at a specific person that involves repeated visual or pysical proximity; non-consensual communication; or verbal, written or implied treats; or a combination thereof that would cause a reasonable person fear).
[6] GAGLIANO. Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume I: Parte Geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 441.
[7] BRASIL. Tribunal e Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível 2008.001.06440. Reparação civil. Danos Morais. “Stalking”. Assédio moral e psicológico. Des. Relator Marco Antonio Ibrahim. J. 10/06/2008. Disponível em:. Acesso em 03/06/2014.
[8] Id. Ibid.
[9] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0024.08.841426-3/001. Reparação de danos morais. Assédio por Intrusão ou Stalking Des. Relator Alberto Henrique. P.1. J. 31/03/2011. Disponível em. Acesso em 03/06/2014.

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