Relatório do Instituto Sou da Paz mostra que índices alarmantes destoam da queda geral de casos de crimes violentos
Viaturas da PM e da Polícia Civil, entregues pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em março de 2014. O número de mortes provocadas por policiais aumentou.
Na contramão da onda de redução dos índices de crimes violentos no estado de São Paulo, as policiais militar e civil protagonizam um aumento alarmante: em comparação ao primeiro trimestre de 2013, os três primeiros meses de 2014 apresentaram um aumento de 206,9% do número de pessoas mortas por policiais em serviço. Enquanto na cidade de São Paulo o total foi de 29 para 89, na grande São Paulo houve aumento de 176,9%, de 13 para 36. No interior do estado o crescimento foi de 40,7% (27 para 38). O aumento desproporcional da chamada letalidade policial é uma das conclusões do relatório trimestral do Instituto Sou da Paz, que se baseou em dados da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo.
Os números assustam por dois motivos. Primeiro por não ter havido aumento do número de policiais mortos ou feridos em confronto durante serviço. E, em um contexto mais amplo, pelo fato de ir na direção oposta da queda nos índices da maior parte de crimes violentos, como homicídio doloso (que apresentou queda de 4,9%, indo de 304 para 289), estupro (-26,4%, indo de 867 para 638), extorsão mediante sequestro (-22,2%), e latrocínio (cujo total de números absolutos foi de 40 para 36). Os outros crimes violentos apresentaram crescimento: roubo (44,6%) e roubo de veículos (18,4%). Segundo o relatório, isso ocorreu por conta do uso do registro eletrônico das ocorrências, que possibilita o aumento do número de notificações à polícia, gerando um impacto sobre as estatísticas.
“Nos chama atenção não ter havido aumento no número de policiais mortos em serviço”, observa Ligia Rechenberg, coordenadora de gestão e conhecimento do Sou da Paz. Pelo contrário: enquanto na capital houve uma queda de 33% no número de policiais militares e civis mortos em serviço, na Grande São Paulo não houve variação e no interior do estado o número absoluto foi de 0 para 1. “Como nenhum outro tipo de informação é disponibilizada, nossa análise fica prejudicada e o que podemos imaginar é uma mudança no padrão de atuação da polícia, especialmente a militar. É um aumento expressivo, que destoa do que vinha acontecendo."
Para a pesquisadora Giane Silvestre, do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma letalidade policial nesse nível indica que a polícia está adotando uma estratégia equivocada de controle do crime, contrária à garantia de direitos e também aos parâmetros internacionais. “Se está se mantando tanto para se controlar o crime, alguma coisa está errada. A morte como resultado de uma política de segurança pública não é a forma de política que estamos esperando”, ressalta.
A socióloga lembra ainda que a ocultação de outras informações complementares dificulta tanto traçar um diagnóstico mais completo quanto a tentativa de uma solução mais acurada. “Acho importante pensar em, além da letalidade, quem são essas pessoas que estão morrendo e onde estão. Infelizmente, ao contrário de outros crimes, a Secretaria de Segurança Pública não divulga detalhes sobre essas mortes, como se ocorreram mais na periferia ou nas regiões centrais. A divulgação de dados pela secretaria está muito aquém do que precisamos.”
Na pesquisa Desigualdade racial e segurança pública em São Paulo: letalidade policial e prisões em flagrante (abril de 2014), em que trabalhou como coordenadora da análise de documentos da Ouvidoria da Polícia, Silvestre chegou à conclusão de que, dos casos que possuíam inquérito policial, em 944 deles policiais foram apontados como autores de mortes. Desses, 887 (94%) acabaram sem indiciamento, 34 (4%) foram concluídos com indiciamento dos réus, 18 (2%) mantinham a investigação em andamento e 5 (1%) acabaram arquivados.
"SP contra o crime". Em maio de 2013, o governador Geraldo Alckmin anunciou uma espécie de bônus aos policiais que conseguirem reduzir os índices de criminalidade em suas áreas de atuação. Os primeiros números que devem ser atingidos para que policiais consigam bônus de até 5 mil reais a cada trimestre é de redução de 7% dos assassinatos (homicídios e latrocínios), além de frear o crescimento dos casos de roubos e furtos de veículos.
O programa, no entanto, é visto com ressalvas. “Acho um tanto quanto delicado. Em outros estados onde houve um processo de bonificação ou deixou-se de registrar determinadas ocorrências ou a tipificação daquela morte eram modificada no registro”, lembrou Silvestre. “E, pelo que vemos, esse plano parece não ter surtido efeito. A letalidade policial só aumentou.”
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