O uso de informações de outro processo, pertencentes a contexto fático diverso daquele da ação penal sub judice, foi considerado pelo juiz Alessandro Rafael Bertollo, da 1ª Vara Federal de Paranaguá (PR), “esforço argumentativo” do Ministério Público Federal, que “leva a decisão judicial para um caminho de incertezas e presunções, o que não há de se admitir num Estado Democrático de Direito”.
Com essa fundamentação, o juiz federal absolveu uma doméstica acusada de transportar, para uma facção criminosa, cerca de dois quilos de cocaína. A droga é procedente do Paraguai e o MPF denunciou mais quatro homens supostamente envolvidos na logística de sua introdução no país e distribuição na cidade portuária paranaense. Um dos corréus foi condenado a dez anos, três meses e 27 dias de reclusão.
Os demais ainda não foram sentenciados porque houve o desmembramento do processo em relação a eles. Entre esses réus está o ex-companheiro da doméstica, com quem ela viveu por 15 anos, e o líder do bando. Segundo o MPF, o cabeça determinou a remessa da cocaína para o Brasil enquanto cumpria pena por tráfico no Paraguai. Recentemente ele foi extraditado e levado ao Presídio Federal de Mossoró (RN).
Boa parte do grupo, incluindo a ré e o seu ex-companheiro, responderam a processo por tráfico na 5ª Vara Federal de Londrina (PR). Nessa ação penal, escutas telefônicas feitas com autorização judicial revelaram a ligação da mulher no transporte de grande quantidade de cocaína. Porém, tais diálogos interceptados foram novamente usados pelo MPF para vincular a doméstica à droga apreendida em Paranaguá.
O advogado João Manoel Armoa postulou a absolvição da doméstica, sustentando que “ela já fora condenada com base nas interceptações telefônicas que não guardam relação com os fatos tratados na segunda ação”. Em juízo, um agente da Polícia Federal que prendeu em flagrante a doméstica no episódio de Londrina afirmou não haver provas contra ela na segunda transação de cocaína.
“A imputação dos fatos à ré, sem desrespeito ao ilustre procurador da República (autor da denúncia), é confusa, não linear e tampouco se corrobora pelos depoimentos prestados em sede policial e em juízo”, destacou o juiz. Segundo ele, os antecedentes da acusada e o fato dela ter vivido com “personagem fundamental na engrenagem da aquisição da droga no exterior”, por si só, não permitem vinculá-la ao crime posterior.
Eduardo Velozo Fuccia é jornalista.
Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2014
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