Queria entender o que tanto atraía aqueles 2 milhões de seguidores — quase 1% da população brasileira —, então entrei na página e vi uma cabeça explodida por um tiro.
Achei desagradável.
Rolei com o indicador a rodinha do mouse, então a página desceu e vi outro morto. E um ferido. E mais um morto. Todos estropiados por fuzis e pistolas que, bem, não vou me alongar no lamaçal das descrições, mas senti minha garganta fechando e o estômago revirando. Como repórter, já tinha visto os mais variados tipos de defuntos; o que nunca tinha visto era tanta gente aplaudindo a morte.
"Aqui vagabundo não tem vez", anunciava a descrição da página. Trata-se de uma comunidade no Facebook dedicada a estimular policiais a matarem bandidos — ou supostos bandidos, porque não há garantia nenhuma de que aqueles moribundos tenham, de fato, cometido algum delito. Dezenas de milhares de seguidores vibram, exultam, gargalham, deliciam-se assistindo às cenas de "vagabundos" agonizando ou implorando para viver.
É uma nova modalidade de militância, um ativismo sádico que se organiza nas redes: exige-se violência para combater a violência. O que é absolutamente ilógico, embora até possa ser compreensível. A segurança pública tornou-se um desastre generalizado — no Rio Grande do Sul, nem se fala — e, como faltam vagas nos presídios, a Justiça solta criminosos o tempo inteiro. Resta à sociedade a ilusão de que matá-los é a única punição possível.
E assim a população vai se abrutalhando a ponto de se reunir em milhões para, da mesma forma que seus algozes, instigar uma série de crimes. Porque matar, não importa quem, costuma ser crime. Espancar, não importa quem, também é um crime. Quando as pessoas sabem que uma conduta é errada, mas, ainda assim, conseguem aprová-la em determinados casos, é porque estão mais se aproximando do comportamento de bandidos do que os repudiando.
É o que René Girard chamava de vítima expiatória: violento é o outro, nunca eu. E, para a violência acabar, basta eliminar o outro, ainda que para isso eu precise ser violento. Quando me perguntam o que faria se assassinassem na minha frente — deus me livre, bate na madeira — alguém importante como a minha mãe, por exemplo, respondo que transformaria o desgraçado em uma gosma flácida de carne e sangue. Portanto, também me enquadro na teoria de Girard. Porque sou humano.
Mas é justamente para isso, para deter os ímpetos humanos, que existe o Estado. É ele que impõe as leis, e a lei diz que matar é proibido. Se o Estado, representado pela polícia, cede aos apelos de uma sociedade assustada e aceita infringir a lei, quem precisa respeitar a lei? Que moral pode ter um Estado que descumpre a lei para exigir o cumprimento dela? Se a polícia mata um traficante que aparenta estar se rendendo, com as mãos para cima, e o Estado decidehomenagear o autor do disparo com uma medalha, sem antes apurar se a conduta foi, de fato, a mais adequada, se o procedimento estava, de fato, de acordo com a lei, se a legítima defesa estava, de fato, configurada, que exemplo a sociedade percebe? Às favas com a lei!
Não tenho pena de bandido, e longe de mim levar um deles para casa. O que quero são criminosos atrás das grades, trabalhando para pagar o que comem em presídios decentes — porque só trabalhando é possível encontrar uma alternativa para a vida; e só dormindo com decência é possível trabalhar no dia seguinte.
Não precisamos de mais violência, precisamos de mais polícia e mais punição. E, para haver punição, é fundamental que haja vagas, porque só com vagas haverá gente presa. E só com bandido preso é que a lei será cumprida.
ZH Colunista. 20/05/2016.
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