O fato de tráfico de drogas ser considerado crime permanente não autoriza a invasão de uma casa pela polícia, sem mandado judicial, em busca de provas — sobretudo se a notícia-crime é baseada apenas em uma única denúncia anônima. A conduta invalida a prova coletada, comprometendo todo o processo criminal. Com este entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul manteve sentença que absolveu um homem denunciado por vender drogas e cultivar maconha em seu próprio apartamento, em Caxias do Sul.
Com o consentimento da síndica do prédio, agentes da Brigada Militar invadiram o apartamento do suspeito e encontraram farto material para a produção, cultivo e venda de drogas. O dono da droga foi preso logo ao chegar em casa. Apesar de alegar que a droga se destinava ao próprio consumo, ele acabou denunciado por quatro fatos criminosos, com base nos artigos 33 e 34 da Lei 11.343/2006, que define crimes de tráfico.
A juíza Sonáli Cruz Zluhan, da 3ª Vara Criminal disse que a invasão do imóvel afrontou o inciso XI do artigo 5º da Constituição, que trata da garantia da inviolabilidade do lar. Além disso, observou que não havia investigação prévia, perseguição policial ou outro elemento qualquer que justificasse o arrombamento do imóvel pelos agentes. Por isso, também considerou a prisão em flagrante irregular.
Para a juíza, o Poder Judiciário não pode autorizar prisões a qualquer custo, pois o processo penal é um "processo de garantias’’, de observância obrigatória por qualquer julgador. ‘‘Se vivemos hoje no Estado Democrático de Direito — na prática e não simplesmente na letra fria da Constituição —, as ações dos policiais militares devem obedecer aos preceitos constitucionais e não violá-los descaradamente, com o aval do Poder Judiciário", afirmou em sua sentença.
O relator da Apelação na corte, desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, escreveu no acórdão que a subsequente apreensão de drogas não é capaz tirar a ilicitude do fato de lhe antecedeu — a entrada no imóvel sem mandado, após as 23 horas. No caso concreto, advertiu o relator, era "plenamente possível" proceder a investigações que justificassem a expedição do mandado de busca domiciliar.
Para relator, não é possível admitir o raciocínio de que o tráfico, enquanto crime permanente, está sempre em flagrante delito e, por isso, sempre excepcionando a norma do artigo 5º, inciso XI, da Constituição. "Por certo, o flagrante delito previsto no mencionado dispositivo não se refere a casos como o dos autos, em que é possível a investigação, o monitoramento, a representação por mandado etc., mas sim àqueles em que se visualiza a ação criminosa ocorrendo e somente se pode detê-la com o ingresso no domicílio", explicou.
Assim, tal como entendeu a juíza, ele considerou a prova ilícita. E, com sua inutilização, por consequência, absolveu o acusado. Por fim, o relator pediu que o acórdão — lavrado na sessão de 23 de março — fosse enviado ao Ministério Público, para apurar a conduta dos policiais.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 2 de maio de 2016.
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