segunda-feira, 23 de maio de 2016

Prisão sem trânsito em julgado agride presunção da inocência, diz Iasp

A permissão pelo Supremo Tribunal Federal da prisão antes do trânsito noHabeas Corpus 126.292 extrapola a interpretação jurídica da Constituição Federal. Esse é o argumento do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) em pedido para entrar como amicus curiae na ação. “Note-se que nem mesmo por mutação constitucional tal alteração poderia ter ocorrido, haja vista que a mutação constitucional encontra limites nas cláusulas pétreas e nos direito fundamentais, como é especificamente o caso da presunção de inocência”, destaca o Iasp.
A decisão do STF foi proferida em fevereiro deste ano e alterou jurisprudência que vigorava desde 2009. Ao permitir a prisão sem o trânsito em julgado, a maioria dos integrantes do tribunal seguiu o voto do ministro Teori Zavascki para dizer que o princípio da presunção de inocência não impede que as condenações sejam executadas depois de uma decisão de segunda instância. O entendimento foi o de que os recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF não têm efeito suspensivo e não discutem fatos nem provas, apenas matéria de direito.
Segundo o instituto, a redação constitucional sobre o tema é “absolutamente clara no sentido de impedir execução provisória da pena antes do trânsito em julgado” e esse conceito jurídico só pode ser interpretado como a fase processual onde não há mais possibilidade de recorrer da decisão. “Gostemos ou não, essa foi a opção política de nosso Constituinte.” Afirma ainda que nem as justificativas relacionadas aos altos índices de criminalidade registrados pelo Estado brasileiro e à lentidão da Justiça podem ser usadas no caso, pois trata-se de um direito fundamental. “Não podemos transferir tal responsabilidade do Estado para o cidadão.”
O uso da impunidade no Brasil como argumento também é citado no parecer do professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Renato de Mello Jorge Silveira, feito a pedido do Iasp e que consta na peça apresentada ao Supremo. Ele destaca que, apesar de inúmeras denúncias de corrupção serem veiculadas e causarem indignação da sociedade, “a busca por uma efetividade não pode, jamais, sustentar uma agressão aos primados mais caros conquistados pela Constituição de 1988”.
O professor também diz que a natureza devolutiva dos recursos especial e extraordinário não pode embasar a prisão antes do trânsito em julgado, pois há ocasiões em que essas medidas têm efeito suspensivo. Segundo Mello, a mudança jurisprudencial do STF pode resultar em insegurança jurídica, “onde uns tem mais bem preservada a presunção de inocência do que outros”.
Afirma ainda que a única maneira de se permitir a prisão antes de esgotados todos os recursos seria pela via legislativa, em eventual mudança constitucional. “A distinção da órbita brasileira, portanto, dá-se em função da construção constitucional brasileira, e, para alterá-la, e possibilitar uma situação paralela à vista em outros países, seria necessário, também, uma alteração constitucional, e não simples leitura jurisprudencial”.
“O problema, em suma, é normativo. Dentro do espectro normativo brasileiro não existe a possibilidade de retorno a um entendimento já superado em relação aos efeitos unicamente devolutivos dos recursos especial e extraordinário. E, isso porque, dentro de um sistema racional, enquanto recurso houver não pode se considerar efetuado um trânsito em julgado. Nesse aspecto, sim, existe uma agressão frontal à presunção de inocência qual colocada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal”, opina o professor.
Mutilação inconstitucional
Nesta semana, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o PEN (Partido Ecológico Nacional) ingressaram com ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) no Supremo para que o entendimento sobre a prisão antes de finalizadas as possibilidades recursais fosse revisto. Nos dois pedidos é solicitado que o STF declare a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado de ação penal.

Na ADC do PEN, protocolada nesta quarta-feira (18/5), o argumento usado é o de que a corte não poderia ter tomado aquela decisão sem analisar antes a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, inserido na legislação em 2011. Segundo o partido, faltou também no julgamento o amplo debate necessário ao caso, diante de sua relevância. "Na verdade, a alteração da orientação jurisprudencial surpreendeu a todos aqueles que contribuem para o funcionamento do sistema de Justiça criminal", consta na inicial.
Já para a OAB, que impetrou ação nesta quinta-feira (19/5), o Supremo cometeu uma "mutilação inconstitucional" ao redefinir a expressão “trânsito em julgado” ao permitir a execução antecipada da pena depois da confirmação da condenação por uma decisão de segundo grau. "Tal dispositivo, encontra-se umbilicalmente ligado ao princípio da presunção de inocência, esculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", consta na peça.
Clique aqui para ler a peça do Iasp.
Clique aqui para ler o parecer do professor Renato de Mello Jorge Silveira.

Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2016.

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