Francisco de Assis Serrano Neves foi um dos maiores advogados criminalistas com atuação – como então se dizia – nos auditórios do Rio de Janeiro no terceiro quartel do século XX. Além de exímio causídico, notabilizado por sua intervenção em processos célebres, Serrano Neves foi um estudioso que nos legou obras importantes, entre as quais o pioneiro O Direito de Calar (Rio, 1960, ed. F. Bastos), Imunidade Penal (Rio, 1967, ed. Alba) e Direito de Imprensa (S. Paulo, 1977, ed. J. Buschatsky).
Intransigente com a ética profissional, deixou numa quadra espirituosa e amarga sua decepção com certas disfunções forenses: “De Têmis já foi contada/A história controvertida/Ora é peituda e vendada/Ora é peitada e vendida”. Os jovens advogados ainda podem ver seu sorriso amigável e irônico num dos bronzes que ornamentam o Salão dos Passos Perdidos.
Em 1975, Serrano Neves publicou na Revista da Ordem dos Advogados do Brasil (ano VI, v. VI, nº 15) o artigo As Codificações Processuais e o Mercado Negro da Prova, que aqui se reproduz. Apenas quatro décadas nos separam desse texto, mas parece que ele provém de um outro tempo. Quase escrevi de um outro mundo.
Surgido timidamente no final do século XIX (o trabalho The right of privacy, de Samuel D. Warren e Louis B. Brandeis foi publicado em 1890, no nº 4 daHarvard Law Review, p. 193), o direito à intimidade seria desenvolvido pela jurisprudência estadunidense e na metade do século XX, catapultado pelo modelo de Estado do bem-estar, chegaria à família jurídica romano-germânica continental e suas colônias. Nossa Constituição de 1988 não fez por menos e proclamou o princípio: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (art. 5º, inc. X CR).
É verdade que, para um certo corpo teórico (que fez muito sucesso quando o neoliberalismo pretendeu flexibilizar as velhas garantias trabalhistas), os princípios, longe de serem comandos inscritos a fogo na pedra, são apenas votos por melhores dias que o constituinte resolveu soprar aos ouvidos do legislador. Mas o decisivo para o desmonte do direito à intimidade foi a invasividade que passou a caracterizar os sistemas penais daquela mesma conjuntura, ou seja, da crise do capitalismo industrial e das mutações econômicas subsequentes.
O texto de Serrano Neves é um susto para o leitor acostumado a este sistema penal do vigilantismo eletrônico com o qual, graças à sua sócia oculta, a mídia, a nação brasileira está quase conformada. Ele nos ressensibiliza para a esperança de que é possível um sistema penal que respeite a dignidade da pessoa humana naquilo que ela tem de mais íntimo e reservado. Boa leitura!
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Revista Consultor Jurídico, 21 de maio de 2016.
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