segunda-feira, 2 de maio de 2016

Nos EUA, prisão mostra que xadrez ajuda a ressocializar população carcerária

Não faltam verbos para definir ações a que presos podem ser submetidos pelo bem da sociedade: reeducar, reabilitar, recuperar, ressocializar, reintegrar, reinserir, readaptar, reincorporar, resgatar, profissionalizar... punir. Noruega à parte, “punir” é a preferência mundial. Os Estados Unidos não fogem à regra. É o país que mais prende no mundo, por mais tempo. E oíndice de reincidência é de 77%. Todas as demais ações são discutidas, nunca praticadas. A não ser por algumas festejadas exceções, que os jornais anunciam com o ânimo de quem descobre um oásis no deserto.
A última descoberta foi feita no Condado de Cook, em Illinois, e divulgada na sexta-feira (29/4), pelo jornal Daily Southtown: um programa criado há quatro anos está mostrando que o xadrez, o jogo, não a cela, está comprovadamente ajudando o estado a reeducar seus prisioneiros, para a vida na prisão e, mais tarde, na sociedade.
A última descoberta havia sido anunciada em outubro de 2015, em Louisiana, onde o verbo da vez foi “profissionalizar”. Uma juíza criou mais de 20 cursos profissionalizantes na “infame e brutal Penitenciária de Angola”, com grande sucesso. A grande “sacada” da juíza foi perceber que os presos respeitavam muito mais os outros presos do que qualquer outra pessoa quando se trata de “ouvir alguém”. Por isso, ela selecionou presos condenados à prisão perpétua para ser os mestres e mentores dos presos que voltariam às ruas em algum tempo.
Foi uma ideia simples, como a do xerife do Condado de Cook, Tom Dart, que, cansado de “voltar a prender” presos recentemente libertados (e reincidentes), criou cursos de xadrez na prisão. Em conversas com o professor de ciências Mikhail Korenman, que opera a escola de xadrez Karpov’s nos EUA, o plano surgiu da ideia óbvia de unir o útil ao agradável: os presos têm muito tempo livre e o xadrez é um ótimo passatempo.
A dupla concluiu que, pela forma que é jogado, o xadrez poderia, subliminarmente, ensinar muitas coisas úteis aos presos. Na verdade, não foi tão subliminar assim porque os presos logo descobriram que poderiam aplicar em suas vidas pessoais tudo o que estavam aprendendo no jogo do xadrez. Enfim, a dupla ofereceu aos presos divertimento para reeducar.
Segundo o xerife, muitos presos se meteram em encrencas com a lei porque “têm uma predileção por gratificação imediata” e porque agem impulsivamente, sem pensar nas consequências.
O xadrez pode ensiná-los a pensar antes de agir. As pessoas aprendem, jogando xadrez, que é preciso elaborar estratégias ou táticas para vencer no jogo da vida. E que é preciso ter paciência, porque agir impulsivamente pode ser uma atitude devastadora. O xadrez treina a resistência mental das pessoas, o que ajuda, por exemplo, nos estudos. Ensina enfrentar oposição aos próprios planos e situações difíceis. E tem mais uma coisa essencial: ensina a vencer e perder – com naturalidade e cortesia, em qualquer das hipóteses.
O professor e educador Mikhail Korenman dá três aulas por semana, de duas horas cada uma, divididas entre o Pavilhão 2 e o Pavilhão 11. As aulas são uma combinação de teoria e prática. Na parte teórica, são discutidos movimentos, estratégias e táticas e são estudados grandes jogos do passado. Os favoritos dos presos são os jogos em que um jogador estava em grandes dificuldades, mas, com paciência e uma boa estratégia, conseguiu reverter o jogo a seu favor.
Muitos presos estão indo bem no jogo. No início de abril, sete dos melhores jogadores da prisão competiram contra 14 prisioneiros de prisões diferentes da Rússia. Foi uma espécie de “covardia”, porque na Rússia, terra dos grandes campões Botvinnik, Karpov e Kasparov, o xadrez é uma paixão nacional. Mas os presos americanos conseguiram ganhar dois dos 14 jogos, o que foi motivo de grande comemoração.
Mas grandes vitórias estão surgindo nas vidas pessoais de cada jogador de xadrez. “Esse sou eu”, disse Jeff, 32, ao jornal, apontando o rei. “Se eu eu fizer um movimento errado, sem pensar, o rei está frito.” Ele explicou: “Já fiz muitos movimentos errados na vida, por não pensar antes de agir e por não ter paciência para enfrentar situações difíceis. Isso não vai acontecer no futuro”.
Para Shanti, 32, o grande aprendizado que o xadrez lhe trouxe foi aprender a aceitar derrotas. Aprender com seus erros e melhorar na próxima oportunidade. “Antes de vir para a prisão, eu tinha um ego enorme e queria ganhar a qualquer custo. Mas a vida não é um conto de fadas, é um perde e ganha. Aprendi muito sobre paciência e aceitação”.
Para Ernest, o xadrez mostrou como uma decisão apressada e errada pode arruinar tudo. Porém o mais proveitoso do xadrez, para ele, foi o treinamento de resistência mental. “Finalmente adquiri resistência mental para estudar, depois de 20 anos fora da escola". Ele fez um curso supletivo e passou. Disse ao jornal que, quando for libertado, vai trabalhar e ensinar os filhos a jogar xadrez.
As exceções à regra no panorama do sistema prisional americano são fruto de iniciativa privada (juízes, advogados, promotores, xerifes, educadores etc.), não do governo. Normalmente, há colaboração de organizações e empresas privadas. Governos, via de regra, só atuam quando é necessário esvaziar as prisões, por falta de verba para mantê-las.
No Brasil, as APACs simbolizam o esforço do país para desenvolver ações que ajudam a reeducar os presos e reinseri-los na sociedade.
Revista Consultor Jurídico, 1 de maio de 2016.

Nenhum comentário:

Pesquisar este blog