Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) 4501/12, que altera a Lei Maria da Penha (11.340/06), foi criticado por promotores e pelo Conselho Nacional de Justiça. O projeto amplia a extensão de medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica, previstas na Lei Maria da Penha, e permite que seja aplicada a suspensão condicional do processo para a formação de acordo, prevista na lei que criou os juizados especiais, para crimes de violência doméstica com pena mínima de até um ano (Lei 9.099/95).
A promotora de Justiça do Estado de Mato Grosso, Lindinalva Rodrigues, disse que a possibilidade de suspensão condicional dos processos de violência contra a mulher e formação de acordos significa “a morte da lei”. Esse é considerado o ponto mais polêmico do Projeto de Lei.
Segundo Lindinalva, o problema enfrentado hoje é a não aplicação da Lei Maria da Penha. Ela considera a legislação “exemplar”, mas diz que ainda é ignorada pelos próprios operadores jurídicos. Conforme a promotora, a lei é aplicada apenas em algumas capitais e de forma precária. Ela disse que não há estrutura para a fiscalização dos acordos. Além disso, acredita que os acordos beneficiariam apenas o réu, deixando a vítima com a sensação de impunidade.
“Ouvir a vítima para ver se ela concorda com um acordo é um retrocesso inacessível; é deixar o problema para ser resolvido por ela”, afirmou. Ela considera fundamental a mediação do Estado nesses casos. Para ela, a reeducação do agressor deve ser feita por psicólogos dentro do presídio.
Possibilidade de acordo
O promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal Thiago Andrá Pierobom de Ávila defendeu a retomada da possibilidade da solucionar casos de violência doméstica mediante acordo do Estado com o agressor, com prévia oitiva da vítima. Para ele, no entanto, esse acordo deve ser construído sob uma ótima feminista, considerado o interesse da mulher.
Ávila lembra que movimentos feministas historicamente têm se colocado contra acordos em caso de violência doméstica, que beneficiam o réu. “A mulher era induzida a arquivar o processo, e o agressor pagava duas cestas básicas”, afirma. Porém, lembra, esse modelo foi rompido com a Lei Maria da Penha.
O promotor destaca que no Brasil, o número de processos aumenta de forma assustadora nos últimos anos, e os acordos podem ser uma resposta efetiva do Estado à violência doméstica. Para ele, os acordos são uma forma de responsabilização do réu. Além disso, acrescenta, embora todos os crimes de violência sejam graves, alguns são mais graves que os outros.
Ávila cita que, na França, a maior parte dos casos são solucionados com acordos processuais. Na Espanha também haveria acordos processuais em cerca de 40% dos casos. Segundo ele, existe hoje recomendação da ONU para criação de programas de reeducação para homens.
A conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ana Maria Duarte Amarante Brito, considera que há necessidade de mais debate sobre a possibilidade de suspensão condicional do processo e considera válido o debate, já que a conciliação como método de solução de conflitos está sendo discutida no mundo inteiro.
“Mas haverá condição de implementação dessa suspensão? Há temor de esvaziamento do efeito inibitório das penas e do efeito repressivo, para punir agressor”, observou. “Ainda estamos combatendo o patriarcalismo na sociedade e começando a implementar a lei”, complementou.
Possíveis inconstitucionalidades
A conselheira do CNJ ainda apontou possíveis inconstitucionalidades no Projeto de Lei. Um deles seria o artigo que prevê a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher para as causas de alimentos, guarda, regulamentação de visitas e separação, indenização, medidas protetivas cíveis e outras, quando a mulher estiver em situação de violência doméstica e familiar.
Hoje a lei prevê a criação desses juizados para julgar apenas as causas decorrentes da prática de violência doméstica. Assim, quando a mulher está em situação de violência doméstica, às vezes ela ainda necessita buscar dois juízos distintos para resolver questões relacionadas, por exemplo, a alimentos, separação, visitas, entre outras.
Ana Maria explica que a Constituição defere aos tribunais a iniciativa de leis relativas à suas competências. “Uma lei que dará mais competência para determinados juizados especiais vai padecer do vício de iniciativa”, disse. Ela levantou ainda a possibilidade de sobrecarga desses juizados. Segundo ela, foram instituídos no País apenas 87 Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, sendo 12 deles no Distrito Federal e ainda falta a “interiorização” da lei. Com informações da Agência Câmara.
Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2014
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