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Paraguai é um país com aproximadamente 6,5 milhões de habitantes e 406.752 km2, portanto bem menor do que o estado de Minas Gerais. Sua capital é Assunção, onde vive um terço da sua população, e os idiomas espanhol e guarani convivem harmoniosamente. O Paraguai divide com o Brasil a Hidrelétrica Itaipu Binacional no rio Paraná, fronteira entre Foz do Iguaçu e Hermandarias.
O sistema judicial paraguaio é absolutamente desconhecido dos brasileiros, apesar da existência do Mercosul, do comércio entre os dois países estar cada vez mais ativo e milhares de brasileiros habitarem a fronteira paraguaia nas margens do rio Paraná, onde plantam soja e fortalecem a economia do país vizinho.
Comecemos pelo curso de Direito. A graduação no Paraguai leva seis anos nas universidades Nacional e Católica. São cinco anos nas demais e nas Faculdades de Direito, tudo porque elas possuem autonomia para decidir o tempo de duração do curso. As que mantém o curso em seis anos sustentam que o prazo maior se justifica para que o ensino seja completo. As matérias também são da escolha dos estabelecimentos de ensino e, em todas, o Direito Romano é ministrado durante um ano. As provas, regra geral (90%), são orais. No dia marcado, o estudante, na frente do professor e de dois observadores, retira um esfera numerada conhecida por “bolilla” de dentro de um globo de vidro e daí desenvolve a matéria.
O Judiciário do Paraguai é reconhecido como poder e não mero órgão do Estado e está previsto no Capítulo III, artigos 247 a 257 da Constituição da República. Como o Paraguai é um unitário, a Justiça é única, não havendo, pois, a federal como no Brasil. A parte do Judiciário no orçamento corresponde a 3% do geral e seus juízes são inamovíveis, não podendo ser removidos ou mesmo serem designados para cargos superiores sem o seu consentimento. Aos juízes só se permite o exercício da docência e a crítica às decisões judiciais é garantida pela Constituição.
O Paraguai tem 17 departamentos e 16 circunscrições judiciárias. Em cada uma delas, chamadas de Foro, existe uma estrutura de primeira e de segunda instância, sempre proporcional ao número de habitantes e ao movimento forense. Não há entrâncias como aqui. Há varas especializadas em matéria civil, criminal, criança e adolescente e trabalhista, sendo que no crime há o juiz penal de garantias (inexistente no Brasil) e o juiz de execuções.
O Código de Organização Judiciária paraguaio (Lei 879/81) prevê a figura do juiz de Paz letrado (formado em Direito) e do juiz de 1ª instância (equivalente ao juiz de Direito). Para ser admitido como juiz de Paz é preciso ter idade mínima de 25 anos e ser formado em Direito, sendo que sua competência limita-se a causas de valor equivalente a cerca de R$ 3 mil (Lei 3.284/2002). Para tornar-se juiz de 1ª instância é necessário ter 30 anos de idade, ser diplomado em Direito e ter experiência prática de cinco anos como advogado, juiz de Paz ou professor universitário. O juiz de primeira instância tem, além de suas atribuições normais, a de julgar em grau de apelação as sentenças do juiz de Paz.
Para ingressar na magistratura, desde juiz de Paz até o Tribunal de Apelação, o postulante deve passar um concurso convocado pelo Conselho da Magistratura, que escolhe três candidatos e remete a lista tríplice à Corte Suprema de Justiça que faz a escolha de quem será designado. Um juiz de Paz recebe cerca de R$ 3,2 mil mensais; um juiz de primeira instância, R$ 7,5 mil.
A segunda instância é exercida pelos Tribunais de Apelação, órgãos muito diversos dos nossos Tribunais de Justiça ou Regionais Federais. São menores em tamanho e não possuem autonomia administrativa como os tribunais brasileiros. É comum que estejam instalados nos mesmos edifícios onde atua a primeira instância. Seus juízes, como na Argentina, são chamados de camaristas, que é o equivalente ao nosso desembargador.
Para ser camarista de um Tribunal de Apelação o candidato submete-se a concurso igual ao do juiz de Paz ou de primeira instância e os vencimentos iniciais correspondem a R$ 8,5 mil. Não existe carreira judicial e, portanto, o acesso não é privativo a juízes de primeira instância, muito embora estes possam concorrer e serem indicados.
A maior dificuldade para o juiz paraguaio reside na inexistência de vitaliciedade. Com efeito, a cada cinco anos o magistrado deve submeter-se a um novo concurso ou, em outras palavras, ser “reeleito”. Isto por certo retira-lhe, ou pelo menos diminui, a tranquilidade e a independência necessárias para julgar. Todavia, se ele for confirmado duas vezes e indicado para um terceiro mandato, torna-se automaticamente vitalício. O limite máximo de idade é de 75 anos — ou seja, cinco anos a mais do que no Brasil.
No topo da hierarquia judiciária encontra-se a Suprema Corte de Justiça, com nove ministros que são vitalícios e recebem em torno de R$ 11 mil. Para ser ministro é preciso que o interessado tenha no mínimo 35 anos de idade, título universitário de doutor, reconhecida honestidade e 10 anos de prática comprovada. Chama a atenção a exigência de titulação acadêmica, algo inexistente no Brasil, muito embora muitos ministros do STF o possuam.
A competência da Suprema Corte é bem menor do que a do STF do Brasil. Basicamente consiste em exercer a supervisão de todos órgãos do Poder Judiciário, decidir alegação de inconstitucionalidade, julgar recursos de cassação na forma da lei, determinar o afastamento de magistrados em processo administrativo, supervisionar os institutos prisionais e decidir os conflitos entre o governo central e os departamentos e municípios e entre estes. Junto com o Poder Judiciário outros órgãos integram o sistema de Justiça. Vejamos.
A Constituição paraguaia em 1992 criou o Conselho da Magistratura, composto de um representante da Suprema Corte, um do Executivo, dois parlamentares, dois advogados e dois professores. Cabe ao Conselho indicar em lista tríplice os pretendentes aos cargos de ministro da Corte, de juízes de qualquer instância e os membros do Ministério Público. Como se vê, as funções do Conselho, que são regulamentadas pela Lei 296/95, são mais de natureza política do que disciplinar ou de formulação de políticas públicas para o Poder Judiciário. Pouco tem a ver com o nosso CNJ.
Os promotores de Justiça, que lá são chamados de fiscais, submetem-se ao mesmo processo de seleção dos juízes, têm atividade intensa porque participam dos plantões e das blitz policiais, atuam em horário noturno e, apesar disto, não recebem o mesmo reconhecimento social dado aos magistrados. Todavia, a instituição está em franca evolução e basta uma leitura em seu site para que veja a intensidade de sua atuação.[1]
A advocacia no Paraguai passa pelos mesmos problemas do Brasil: excesso de profissionais. Não existe exame de Ordem. O bacharel em Direito habilita-se perante a Suprema Corte de Justiça mediante a apresentação de seu título, documento de identidade e certidão de inexistência de antecedentes criminais. Para um país de pouca população, impressiona o fato de que as inscrições já chegam a quase 35 mil profissionais. É possível um brasileiro obter a condição de advogado no Paraguai. Mas, para tanto, deverá revalidar seu diploma no Ministério da Educação paraguaio e, provavelmente, cursar algumas disciplinas complementares em universidade do país vizinho.
Finalmente, registre-se que o Paraguai também possui Associação de Magistrados, porém elas atuam mais em reivindicações de caráter corporativo do que de natureza política-institucional. Em outras palavras, não possuem a força política das associações brasileiras.
Esta é, em suma, uma visão do sistema de Justiça dos nossos hermanos do lado de lá do rio Paraná ou do rio Paraguai. Conhecê-lo é sempre oportuno porque estaremos, no futuro, cada vez mais próximos, seja por força da globalização, seja por conta de nossa identidade latino-americana.
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Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2014
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