Editorial publicado na edição deste sábado (26/4) da Folha de S.Paulo
Por relevantes que sejam os serviços do Ministério Público à sociedade, não podem ser irrestritos e ilimitados os poderes de investigação dos membros dessa instituição.
Embora óbvia, essa lembrança faz-se oportuna para o caso da promotora do Distrito Federal que apurava se o ex-deputado federal José Dirceu (PT), condenado no julgamento do mensalão, havia cometido uma falta grave ao supostamente utilizar um telefone celular enquanto cumpre sua pena no presídio da Papuda.
A princípio, não há qualquer problema num pedido judicial de quebra de sigilo telefônico nesse caso. É dever do Ministério Público fiscalizar se irregularidades são cometidas no sistema prisional, conduta ainda mais necessária quando sindicância administrativa, de forma enigmática, concluiu em meros cinco dias que as conversas não haviam ocorrido.
Ao que tudo indica, no entanto, a promotora Márcia Milhomens Sirotheau Corrêa extrapolou suas atribuições. Para proceder à investigação, ela solicitou a quebra do sigilo telefônico não apenas de indivíduos devida e previamente identificados, mas com base em coordenadas geográficas de extensa área em Brasília, que englobava inclusive o Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, e o Supremo Tribunal Federal.
Pela "ausência de justificativas, explicações e pormenorizações" em um pedido "inteiramente inédito e heterodoxo", a Advocacia-Geral da União ingressou com reclamação disciplinar contra a promotora na corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público.
Foram frágeis os argumentos trazidos por Corrêa na sustentação de seu pedido. A promotora alegou ter procedido conforme denúncias informais, feitas por pessoas que se recusaram a prestar depoimento formal e a divulgar sua identificação. Informou, ainda, que não desejava obter o conteúdo das conversas mantidas nas coordenadas geográficas requisitadas, só o registro das ligações efetuadas nesse perímetro.
É preciso lembrar que o sigilo telefônico não apenas protege o conteúdo de conversas entre pessoas, mas também o registro de quais ligações fizeram e receberam com seus aparelhos.
Menos mal que, em manifestação enviada nesta semana ao STF –onde o pedido de quebra de sigilo será julgado–, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tenha opinado contra as pretensões de Corrêa, que considerou desproporcionais. O Ministério Público passaria melhor sem esse arranhão na sua imagem.
Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2014
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