A garantia fundamental ao devido processo legal, diferentemente do que ocorria nos textos constitucionais anteriores, foi incorporada ao texto da Constituição de 1988 e proclamada em seu inciso LV, do artigo 5º, em face de sua indispensabilidade à proteção dos direitos fundamentais, pois configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção aos direitos civis e políticos, quanto no âmbito formal, ao assegurar‑lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa, visando salvaguardar suas liberdades públicas e impedir o arbítrio do Estado.
O devido processo legal garante no âmbito do processo sancionatório — seja penal, administrativo ou eleitoral — a vinculação estatal a “padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado”. Esses padrões são consagradores de verdadeiro “círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado –, até que sobrevenha irrecorrível sentença que, condicionada por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado que jamais necessita demonstrar a sua inocência o direito de defender‑se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos”, como “fórmula de salvaguarda da liberdade individual” (HC 73.338/RJ).
A integral exigência de nossa Corte Suprema aos “padrões normativos” e “parâmetros ético-jurídicos” na colheita de “elementos probatórios” é igualmente observado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão, ao se referir ao devido processo legal como fundamental para “evitar abusos estatais” e construir “a confiança do povo numa administração imparcial da Justiça” (Decisão – Beschluss – do Primeiro Senado de 8 de janeiro de 1959 – 1 BvR 396/53).
Não são por outros motivos que, como corolário ao devido processo legal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, são inadmissíveis no processo as provas ilícitas, definidas como aquelas obtidas com infringência ao direito material, entendendo-as como sendo aquelas colhidas em desrespeito aos direitos fundamentais e inviolabilidades públicas (por exemplo, por meio de tortura psíquica, desrespeito a intimidade e vida privada, desrespeito à inviolabilidade domiciliar, quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico sem ordem judicial devidamente fundamentada), configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.
A inadmissibilidade da utilização das provas ilícitas não tem o condão de gerar a nulidade de todo o processo, pois, a previsão constitucional não afirma serem nulos os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos (HC 69.912/RS, HC 74.152/SP, RHC 74.807-4/MT, HC 75.8926/RJ, HC 76.231/RJ); Entretanto, a consequência da ilicitude da prova é sua imediata nulidade e imprestabilidade como meio de prova, além da contaminação de todas as provas que dela derivarem.
O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal é absolutamente pacífico no sentido da adoção da doutrina do fruits of the poisonous tree (fruto da árvore envenenada), ou seja, pela opção da prevalência da comunicabilidade da ilicitude das provas (Rextr. 251.445-4/GO).
Nossa Suprema Corte consolidou esse importante entendimento sobre a derivação da ilicitude da prova e contaminação de todas as demais provas dela diretamente decorrentes (HC 73.461-SP, HC 73.510-0/SP, HC 84.417/RJ, HC 90.298/RS), afirmando que “qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária”, pois “a exclusão da prova originariamente ilícita – ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação – representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal” (HC 93.050/RJ), mantendo-se, porém, válidos “os demais elementos do acervo probatório, que são autônomos” (HC 89.032/SP).
As provas ilícitas e as ilícitas por derivação, da mesma forma que não podem ser utilizadas no procedimento de origem, também não podem ser reapresentadas de maneira reflexa, indireta ou aproveitadas como provas emprestadas em quaisquer outros processos penais, civil, administrativos ou eleitorais, pois contaminadas com o vício insanável do desrespeito aos Direitos Fundamentais (HC 82.862/SP).
A consagração do Estado de Direito exige fiel observância ao princípio do Devido Processo Legal, e, consequentemente, as provas ilícitas bem como todas aquelas delas derivadas são constitucionalmente inadmissíveis, mesmo quando reconduzidas aos autos de forma indireta, ou ainda, utilizadas como provas emprestadas, devendo, pois, serem desentranhadas do processo, pois são imprestáveis para a formação do convencimento do magistrado e atentatórias a plena eficácia dos direitos fundamentais.
Alexandre de Moraes é advogado e chefe do Departamento de Direito do Estado da USP, onde é professor livre-docente de Direito Constitucional.
Revista Consultor Jurídico, 11 de abril de 2014.
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