Foi assim que a prisão se converteu no ponto mais culminante da bestialização do humano pré-iluminista
A prisão, como castigo central do sistema punitivo, nasceu com a Revolução Industrial (final do século XVIII e começo do século XIX). Primeiro contra os proletários (aqui está o “pê” inicial dessa equação). Na história brasileira ela passou a segregar, consoante o senso comum, outros três “pês”: preto, pobre e prostituta. O povo foi se miscigenando e então veio o pardo (já estamos falando do quinto “pê”). No final do século XX intensificaram as prisões daqueles que são a mais ostensiva massa de manobra da brutal política criminal brasileira: os policiais (sexto “pê”). Desde 2013 o STF começou a prender gente graduada da sociedade: seis parlamentares foram condenados à prisão (esse é o sétimo “pê”). Era o que faltava para consolidar no inconsciente popular (coletivo) a crença de que a prisão é um “bem”, logo, deve ser cada vez mais incrementada.
Pavarini (2008, p. 36 e ss.) bem sintetizou o assunto: contra o criminoso pobre, nos séculos XV e XVI, a política punitiva adotada foi a da sua aniquilação (o enforcamento foi o método mais difundido para isso). No século XVII se passa para a política dainternação (nas famosas casas de trabalho ou de recuperação – Workhouses) e desta se chega posteriormente (com a eclosão da Revolução Industrial, no final do século XVIII e começo do século XIX) à era da prisão (como retribuição – ao mal do crime -, que afeta o trabalho assalariado). Como era um período de falta de mão de obra, prontamente a prisão se converteu numa instituição ressocializadora (que implica o conhecimento e a transformação do criminoso, que é visto como um animal selvagem que pode se converter por meio da disciplina num trabalhador assalariado útil e dócil, como dizia Foucault). Na medida em que a Revolução Industrial avança, vai ficando claro o excesso de mão de obra: foi assim que perdeu sentido a ressocialização, sendo a prisão, no século XX, um simples depósito de pessoas (função negativa de inocuização, segregação da sociedade).
Nesse estágio já estávamos a um passo da radicalização bestial da pena de prisão, que deixou de cumprir a função apenas negativa (de segregação) para assumir também uma postura positiva (de instrumento de coesão social): em alguns países ela passou a ser campo de concentração e de extermínio. Mais uma vez o drama do castigo penal foi resolvido com a vitória da barbárie sobre a civilização. No século XXI a prisão, nos países cuja política criminal caminha pelos trilhos da crueldade e da vingança, consolidou sua função proeminente, dentro da máquina estatal exterminadora, de locus privilegiado do profundo gozo social vingativo.
Foi assim que a prisão se converteu no ponto mais culminante da bestialização do humano pré-iluminista, que a concebe como a punição par excellence para todos os crimes (e todos os condenados, ainda que não pratiquem crimes violentos). As prisões brasileiras e toda a errática política criminal brasileira são a negação da aposta rousseauniana (do século XVIII) na perfectibilidade do humano, ou seja, na sua possibilidade de constante progresso e civilização. Provamos, com elas, todo o contrário: o tempo aqui transcorre não como movimento para o progresso e o desenvolvimento, que constituíam as duas colunas de sustentação da civilização no século XVIII (veja Svampa: 2006, p. 19), sim, como percurso retrocessivo, para o incremento do processo de barbarização do humano, cada vez mais vulgarizado (Gomá Lanzón: 2009 – é muito mais difícil se emancipar que se tornar vulgar) e descomprometido com a ética (Regnasco: 2012, p. 111 e ss.), o que o leva (por meio de uma via rápida) ao estado de natureza (terra de ninguém, sem limites, onde todos se estranham o tempo todo – Hobbes).
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