O americano Robert Mericle, dono de dois centros de detenção privados de crianças e adolescentes foi condenado a um ano de prisão, mais 100 horas de serviços comunitários e multa de US$ 250 mil. Mericle subornou dois juízes do “sistema de tribunais juvenis”, para que eles mandassem muitas crianças e muitos adolescentes para suas prisões na Pensilvânia.
De acordo com o processo, Mericle e seu sócio, o advogado Robert Powell, deram US$ 2,1 milhões aos ex-juízes Mark Ciavarella Jr. e Michael Conahan, em subornos, para condenar e sentenciar as crianças e adolescentes à prisão, normalmente por pequenos delitos, e ajudar ajudar a acabar com o sistema público de detenção infanto-juvenil do estado, direcionando os menores para as instituições privadas.
Construtor do “PA Child Care” (“Assistência às Crianças da Pensilvânia”), Mericle não foi condenado por subornar dois juízes, porque não há base na lei americana para isso. Como Al Capone, ele foi pego por fraudar o imposto de renda. O juiz federal Edwin Kosik o condenou por ajudar os juízes corruptos a esconder a “renda extra” dos ex-juízes, nas investigações da Receita Federal americana, e por mentir aos investigadores.
O escândalo ficou conhecido como “Kids for Cash” (“Crianças por dinheiro”) e chegou a ser retratado em um documentário (veja o trailer). O ex-juiz Mark Ciavarella Jr., que presidia as cortes juvenis, foi sentenciado a 28 anos de prisão, em 2011, e o ex-juiz Michael Conahan, a 17,5 anos de prisão, em 2010, de acordo com o Times Tribune e o Jornal da ABA (American Bar Association).
Assim que o esquema foi desmontado, um tribunal superior da Pensilvânia examinou os processos das crianças e adolescentes que foram enviadas para as prisões privadas de Mericle. O resultado foi uma ordem libertação imediata de cerca de 4 mil crianças e adolescentes.
Os pais das crianças e adolescentes que não deviam ter ido para a cadeia comemoraram a sentença, dizem os jornais. Durante um ano em uma cela de prisão, Mericle poderá pensar sobre o mal que fez a tantas crianças e adolescentes, em sua ganância pelo lucro, disseram.
Prisões privadas sob ataque
Em artigo no site da União Americana das Liberdades Civis (ACLU – American Civil Liberties Union), o ex-diretor do Departamento de Correções de Oklahoma, Justin Jones, escreveu que o sistema de prisões com fins lucrativos só tem um objetivo: o lucro e ninguém se importa com o interesse público, com a segurança da população, nem com a legalidade ou a Justiça.
Jones, que conhece a fundo o sistema, diz no artigo que os lobistas das cadeias privadas investem na desmoralização de políticos que defendem penas mais amenas na justiça criminal e, na outra ponta, em leis que façam com que os condenados passem mais tempo na prisão.
Um exemplo, em seu estado, foi o trabalho dos lobistas para converter o uso de telefone celular de delito para crime. Hoje, as prisões privadas não fazem muito esforço para impedir a entrada de telefones celulares. Mas fazem um grande esforço para pegar prisioneiros com celulares. Muitos sentenciados com penas curtas, por um delito, passam a ter penas longas, pelo “crime” de usar um celular. Assim, a fonte de lucro se mantém.
Para ele, a melhor maneira de acabar com os abusos dessa “besta”, como ele define o sistema de prisões privadas, é deixá-la ir à falência, por falta de “clientes”. Há algumas medidas que, segundo o autor do artigo, deveriam ser tomadas nos EUA, mas não há muita esperança de que isso venha acontecer:
1) Eliminar o sistema de sentenças mínimas obrigatórias. Esse sistema obriga os juízes a sentenciar réus a penas mínimas de 10 ou 20 anos de prisão, quando há alguns agravantes apresentados no julgamento. Mas não permite ao juiz considerar atenuantes. E, é claro, não permite a eles sentenciar de acordo com o tamanho do crime.
2) Transferir prisioneiros com doenças mentais graves ou crônicas para instituições especializadas.
3) Proibir contratos entre os tribunais e as prisões privadas, em que fica estabelecida uma quota mínima de réus a serem enviados pela Justiça a essas instituições penais. Segundo esse contrato, se o tribunal não cumprir a cota, é obrigado a pagar a “empresa” o valor total do contrato, de qualquer forma.
4) Aplicar penas alternativas e privilegiar a liberdade condicional a réus condenados por crimes não violentos. Muitos juízes não levam isso a sério e preferem mandar todos os condenados para a prisão.
O problema maior é que o modelo de negócios das empresas-prisões é que elas não podem aceitar uma reforma significativa do sistema de sentenças, tornando-o inteiramente baseado em provas, uma aspiração da comunidade jurídica. “Porém, o sistema corporativo que privilegia grandes lucros para CEOs e retorno significativo para acionistas não tem lugar em nosso sistema de justiça criminal”, ele afirma.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2014
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