sexta-feira, 25 de abril de 2014

A falácia da redução da maioridade penal como solução para a problemática da criminalidade

1. Introdução

Segundo o sistema jurídico vigente, a maioridade penal se dá aos 18 anos de idade. Essa norma encontra-se inscrita em três Diplomas Legais: artigo 27 do Código Penal, artigo 104 caput do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 228 daConstituição Federal.
Uma das questões que vem sendo discutidas de forma mais intensa no Brasil trata da redução da maioridade penal, existem correntes contra e a favor, mas a maior parte da sociedade nem ao menos procura fazer uma reflexão profunda sobre a complexidade do problema e quais as consequências que uma tomada de decisão errada pode acarretar.
Ambos os posicionamentos possuem sua fundamentação, de um lado um grupo defende que a redução não trará benefícios pois o problema da criminalidade tem origem em fatores sociais, já uma outra parcela acredita que ao enrijecer as leis para menores os problemas serão minimizados.
Segundo Miguel Reale:
“Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo.”
Adorno, Bodini e Lima (1998) salientam que o ECA, por vezes, é alvo de muitas críticas por ser visto, primordialmente como uma cartilha que reúne em seu bojo várias medidas de proteção e controle social, mas, ao mesmo tempo, se mostra tão ineficaz para solucionar muitos dos problemas que envolvem os tutelados por este estatuto, as crianças e os adolescentes. Esses autores são da opinião de que o ECA não pune seriamente os jovens infratores, já que as medidas sócio-educativas são brandas ao extremo, permitindo que menores criminosos estejam à solta por sua condição de menoridade.
Melo Barros (2008), ao explicar a letra da lei, quanto à medida sócio-educativa de internação, esclarece que as medidas privativas de liberdade guardam um relação com o princípio basilar do ECA, o da proteção integral da pessoa em desenvolvimento, e que “mesmo sendo privativa de liberdade [a internação] tem como objetivo ressocializar o adolescente”.

2. Funções do sistema penitenciário

A prisão, como a conhecemos hoje, é um lugar de reclusão onde o indivíduo, acusado por algum tipo de crime, é condenado a cumprir pena privativa de liberdade. A pena de prisão tem sua origem nos ideais humanistas do século XVIII, como mostra o artigo VII da Declaração dos Direitos do homem. Ela surge em substituição à pena de banimento e aos suplícios. No entanto, é importante ter claro que a reclusão não coincide com a pena de prisão. A reclusão foi um instrumento utilizado pelos grupos sociais desde sempre.
Nesse ponto é fundamental que identifiquemos qual a função da penalização do indivíduo. Qual é a razão de ser da punição? Qual o objetivo das prisões? Essas são as questões que estão no âmago do problema.
Claude Faugeron (apud Combessie, 2001) identifica que a prisão vem servindo a diferentes lógicas sociais. Ele ressalta principalmente três tipos: o encarceramento com o sentido de neutralização, ou seja, que busca afastar do convívio social o indivíduo verdadeiramente perigoso para a sociedade; o encarceramento no sentido de diferenciação social ou ressocialização, aquele que tem por finalidade proporcionar na cadeia uma formação adequada para que o criminoso possa ser reabilitado a voltar à sociedade; e, por fim, o encarceramento de autoridade, o que visa afirmar uma relação de poder.
Conforme Foucalt (1999, p 292):
“As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta.”
A função primordial das prisões é possibilitar a ressocialização, é inserir aquele indivíduo novamente na sociedade, no entanto atualmente só vemos o Sistema Penitenciário funcionar como um mecanismo de controle social. De forma alguma podemos dizer que existe incentivo para a reinserção desse detento no convívio social ou mesmo no mercado de trabalho.
Combessie sublinha que desde o período da industrialização, no século XIX, a prisão das classes ditas “perigosas” se faz sentir. A elite dirigente e defensora dos ideais democráticos utiliza a pena de prisão para exercer o controle social em momento de grandes conflitos econômicos (Combessie, 2001).
Temos um sistema penitenciário falho, que fica muito aquém da sua real função e não cumpre seu papel original, muito tem se falado no Brasil que os presídios são verdadeiras escolas do crime e que os presos saem muito pior do que entraram. Então como podemos pensar em mandar adolescentes para esse tipo de instituição?
Ao adolescente, os efeitos serão ainda mais danosos, uma vez que ele não possui o mesmo poder de discernimento de um adulto, por se constituir pessoa em formação, em estágio de desenvolvimento físico e mental.
Podemos ainda argumentar sobre a atual capacidade do sistema carcerário brasileiro que já se encontra a muito extrapolada apenas com os presos maiores de dezoito anos ao serem somados mais detentos com idade inferior a situação se tornará insustentável. Segundo dados da CPI carcerária apresentados pelo documentário “O grito das prisões” na Bahia, onde deveriam caber 5 mil presos, estão instalados 15 mil. E esse número é apenas um porção exemplificativa de como está a situação dos presídios em todo o Brasil.

3. Papel da mídia na defesa da redução

Quem é favorável a redução da maioridade para 16 anos afirma que muitas vezes são cometidos crimes brutais e devido ao brando tratamento do ECA (penas que não excedem 3 anos) os adolescentes tem fortalecida a ideia de impunidade e a sociedade, vítima das atrocidades, tem a sensação de injustiça. Segundo pesquisas elaboradas pela Folha, O Estado de São Paulo, 85% da população é a favor da redução da maioridade penal para 16 anos.
O que leva uma parcela tão significativa da população a defender essa redução mesmo sabendo que as prisões apenas pioram os indivíduos?
Nosso país possui meios de comunicação de massa que tendem a transformar determinados acontecimentos em grandes espetáculos, especialmente quando os sujeitos envolvidos são crianças e adolescentes, essa superexposição de fatos isolados acentua o medo e a sensação de insegurança na população e estimulam os debates sobre a maioridade, no entanto quando casos chocantes são noticiados surge um sentimento de revolta e as discussões perdem seu caráter racional e dão lugar ao acalorado discurso passional.
Bobbio chama a mídia de quarto poder: ao lado do poder político, econômico e coercitivo, a mídia configura-se como o derradeiro pilar sobre a qual está erigida nossa singular elite latino-americana. Ou seja, estando concentrada nas mãos de uma restrita classe social, a mídia, com enfoque no contexto brasileiro, serve a interesses próprios, que por muitas vezes desvirtua-se do seu papel de fornecer informação isenta e presta-se a incutir no imaginário popular as ideologias que melhor lhes servirem.
E qual o objetivo da mídia ao manipular a informação e espetacularizar os atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes?
O grande propósito da imprensa de massa é criar uma cultura da insegurança social, tendo relação com a lógica da lucratividade onde as desigualdades sociais são aprofundadas e as pessoas e o Estado se recusam a reconhecer que muitos adolescentes que cometem atos infracionais são vítimas diárias de diversas modalidades de violência. Há uma apropriação da violência para obterem-se lucros, multiplicando-se os números de empresas privadas de segurança, a oferta de moradia segura em condomínios fechados, carros blindados, entre outros.
Devemos analisar os fatos sobre uma perspectiva menos sentimental e mais racional, adultos e adolescentes são seres desiguais e devem ser tratados como tal, devido a isso os menores de 18 anos infratores possuem uma legislação especial não podendo ser imputadas a eles normas da legislação penal comum.
Engana-se quem pensa que os menores infratores gozam de impunidade depois de cometerem delitos. O ECA traz diversas medidas repressivas e pedagógicas que buscam não apenas o caráter punitivo mas, principalmente, o ponto educacional e de ressocialização.

4. A falácia da redução como solução

A redução da maioridade penal em nada vai modificar a nossa realidade atual.
Os que hasteiam a bandeira da redução da maioridade penal tratam essa medida como a solução para os graves problemas de violência urbana, eximindo a culpa dos pais que não incutiram valores morais e éticos na educação dos seus filhos e do próprio Estado que não forneceu condições adequadas para o desenvolvimento e socialização dessas crianças.
O jurista argentino Eugenio Raul Zaffaroni (2007, p. 131) ressalta o caráter demagógico desse discurso a favor da redução:
“O novo “popularismo penal” [...] é uma demagogia que explora o sentimento de vingança das pessoas, mas, politicamente falando, é uma nova forma de autoritarismo. A violência aumenta porque aumentou a miséria. Os anos 1990 foram os anos do festival do mercado: os pobres ficaram mais pobres e alguns ricos, nem todos, mais ricos. Os mesmos autores dessa política de polarização da sociedade são os que hoje pedem mais repressão sobre os setores vulneráveis da população. [...] No final, eles não são vulneráveis a essa violência. A “guerra” que pedem é a “guerra” entre pobres. [...] Essa política dos chamados comunicadores sociais e dos políticos sem programa, que só querem mais poder policial, no fundo é a neutralização da incorporação das maiorias à democracia.”
A violência, dentre outros motivos, está ligada à pobreza, à miséria cultural e ao enfraquecimento do Estado Democrático de Direito. Sabe-se de antemão que a maioria dos internos de instituições que visam à reeducação de menores é habitante de regiões marginalizadas socialmente e de alta periculosidade criminosa. Regiões essas que ultrapassam os limites temporais da história.
Vivemos em uma sociedade viciada na hipocrisia que defende a punição exemplar de um adolescente mas que não toma atitudes para proteger o jovem marginalizado, grande vítima de todo um sistema, que não tem acesso à educação, saúde, segurança ou alimentação dignos, que é entregue ainda muito cedo ao mundo dos abusos e consumo de drogas.
Afirma Souza (2013, p 4):
“Não é justo, então, que além já terem todos os seus direitos negados, esses jovens ainda sejam punidos com as mesmas penas aplicadas a adultos criminosos. “
Muitos dos que defendem a redução afirmam que as facções criminosas tiram proveito da imputabilidade penal, utilizando jovens entre 16 e 18 anos para o cometimento de crimes, mas ao reduzir a maioridade para os dezesseis anos apenas estaremos estimulando que crianças cada vez mais jovens sejam aliciadas para uma vida delituosa. E qual será a proposta depois, diminuir a idade penal até o nascimento? Essa diminuição contínua jamais solucionaria o problema.
Pesquisas indicam que não existe nexo de causalidade entre a redução da maioridade penal e uma diminuição nos índices de violência, ao passo que também apontam um taxa de reincidência de 70% no atual modelo de sistema prisional que adotamos e de apenas 19% no caso de adoção de medidas com caráter sócio educativo.
Leoberto Brancher afirma:
“A degradação humana e o contágio violento, promovidos pelo sistema penitenciário atual já prenunciam o que iremos enfrentar com o encarceramento precoce dos adolescentes infratores. O recrudescimento da violência será exponencial, e não apenas proporcional ao número de novos presidiários. O agravamento virá da ampliação da boca do funil etário da massa carcerária e da definitiva estruturação de transtornos de personalidades antissociais que, atualmente, ainda vêm sendo revertidas ou têm seus danos minimizados pela intervenção das medidas socioeducativas”.

5. A redução do ponto de vista legal

O Direito Penal deve ser a ultima ratio, ou seja, deve-se aplicar o princípio da intervenção mínima onde a prisão é a última alternativa. No entanto o que tem-se visto no Brasil é uma ampliação exacerbada da punibilidade, com as sanções penais sendo vistas como a única solução possível para a problemática da criminalidade.
No Dicionário Acadêmico de Direito, encontramos a seguinte definição de “menor”:
“Aquele que, em razão da idade, ainda não alcançou a capacidade jurídica plena (arts. 3 e 4 do CC), para exercer, pessoalmente, seus direitos, devendo serrepresentado, em caso de incapacidade relativa” (ACQUAVIVA, 2008).
O Prof. René Ariel Dotti manifesta-se pela inconstitucionalidade da redução da maioridade, uma vez que, para ele, a previsão da inimputabilidade prevista na CFconstitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título II do diploma constitucional. Incabível, portanto, ser objeto de emenda, pois constitui cláusula pétrea, visto que o § 4.º do art. 60 prescreve não ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as garantias individuais.
Lenza (2008) defende que é perfeitamente possível esta redução uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir o direito e garantia individual, entretanto nada fala acerca da possibilidade de mudança da matéria como o próprio STF já interpretou.

6. Conclusão

Diante do já exposto podemos concluir que a redução da maioridade penal não constitui solução efetiva para os problemas de violência urbana e de aumento na taxa de criminalidade, sendo um antissenso já que países mais desenvolvidos caminharam na contramão dessa atitude, vide Espanha e Alemanha.
A resolução dos problemas sociais e especificamente a redução dos atos criminosos praticados por adolescentes perpassa ações do poder público e da sociedade como um todo. O recuo nos números da criminalidade envolvendo menores infratores, seja nos grandes centros, seja no interior do Brasil, ocorrerá com a eficaz implantação das políticas que promovam a valorização do indivíduo como um verdadeiro cidadão.
Ao adolescente devem ser garantidos os direitos previstos na Constituição aliás, o que afirma a CF deve ser posto em prática, os direitos e garantias individuais devem ser assegurados a todos e em caso de infração o menor deve ser punido por sua legislação própria, o ECA que foi desenvolvido levando em conta as características e necessidades que jovens em desenvolvimento físico e mental possuem, só assim haverá uma esperança de futuro para crianças e adolescentes provenientes de comunidades postas a margem da sociedade.

Referências

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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Professor Cosme Oliveira Moura Júnior

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