O maior partido no Brasil é o dos descontentes e indignados. Descontentes por mil razões, incluindo o desprazer de ser vítima dos crimes difusos (como o roubo, as agressões e as invasões ao domicílio), que atingiram, nos últimos doze meses, 20% da população com 16 anos ou mais. Descontentes também pela quantidade epidêmica de homicídios (21% da população brasileira de 16 anos ou mais tiveram um parente ou amigo como vítima de assassinato nos últimos doze meses). Esse é o resultado da pesquisa realizada pelo Datafolha em 2 e 3 de abril de 2014: um em cada cinco brasileiros (de 16 anos ou mais) foi vítima dos crimes e período citados. Foram realizadas 2.637 entrevistas, em 162 municípios brasileiros.
A pesquisa considerou o roubo, assalto (sic), agressão, sequestro relâmpago e invasão ao domicílio. Assalto é o nome jornalístico (senso comum) que se dá ao roubo. Do ponto de vista técnico há aqui uma imprecisão. Lendo-se todo o levantamento fica a impressão de que poderiam estar se referindo, com a palavra “assalto”, ao furto. De qualquer modo, o número de atingidos é exorbitante, e isso revela o estágio altamente degenerado em que nos encontramos em termos de convivência social.
Se considerarmos o censo de 2010 (o último disponível com dados definitivos), a população acima de 16 anos era de 141.248.576. Isso significa que, nos últimos 12 meses (de abril de 2013 a abril de 2014), mais de 28 milhões de pessoas foram vítimas de algum dos crimes listados.
As maiores vítimas foram os jovens: 28% sofreram com um desses crimes durante o último ano. Na faixa etária dos 60 anos ou mais, a taxa cai para 11%. Pessoas com rendimento familiar mensal de 5 a 10 salários foram as mais afetadas: taxa de 26%, acima da média.
O desencanto popular com todas as políticas e as ideologias, de esquerda ou de direita, está mais do que evidente. Se Cuba e Coreia do Norte são dois países que comprovam o desastre administrativo e governamental do comunismo (sem falar da derrocada geral da antiga União Soviética), o Brasil constitui o exemplo mais vivo da degenerescência absoluta do modelo capitalista selvagem e/ou extremamente desigual. Nem comunismo, nem capitalismo selvagem. Ambos alimentam o descontentamento e sinalizam com a tragédia e a má qualidade de vida para a maioria da população. A minoria satisfeita (burocrática ou burguesa) não atende o princípio da utilidade que visa a proporcionar a melhoria da maioria (não de uma minoria elitizada cujo bem-estar fica calcado nos ombros daqueles que vivem em condições miseráveis).
A luz no fim do túnel vem dos países em processo de “escandinavização”, que contam com um capitalismo evoluído, distributivo e tendencialmente civilizado. Eles estão indicando que é a igualdade material (das condições de vida) que torna a vida no planeta sustentável e agradável. Eis os seus números aqui.
Os 18 países selecionados conforme o número de homicídios apresentam a média de 1 assassinato para 100 mil pessoas. Os EUA (um país extremamente desigual, embora rico) tem taxa quase quatro vezes maior. No Brasil a situação é epidêmica e de descalabro geral: 27,1 assassinatos para cada 100 habitantes. No que diz respeito ao roubo tem-se resultado semelhante. A igualdade material (excelentes condições de vida, alta escolaridade, aumento da renda per capita etc.) é a grande responsável (ao que tudo indica) pela redução drástica da violência em um país.
Os partidos políticos dos modelos governamentais fracassados (comunismo e capitalismo selvagem e/ou extremamente desigual) sempre prometem um mundo melhor. Esse mundo melhor realmente existe, para poucos (para os burocratas que administram os países comunistas ou para os burgueses ricos que concentram a renda do país em suas mãos). A grande maioria não desfruta dos rendimentos obtidos pela nação. Cada diz tudo vai ficando pior. Comunismo e capitalismo selvagem e/ou extremamente desigual é tudo que o povo majoritário não quer, porque vem sofrendo na carne as suas draconianas consequências.
Analisando-se nossa epidêmica criminalidade, sabe-se que o descontentamento é maior nos municípios de elevado porte: nas cidades com até 50 mil habitantes, 14% foram vítimas dos crimes citados; nas de 50 a 200, foram 20%; entre aqueles com população de 200 a 500 mil, o índice fica em 19%, e vai a 25% nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Quanto maior a cidade, mais vitimização (o que pode dar suporte às teorias que afirmam que os vínculos familiares e sociais podem ser inibidores do crime). Comunidades menores, pelo que tudo indica, possuem menos violência.
No que tange à característica político-partidária dessa população descontente, entre aqueles que avaliam o governo da presidente Dilma Rousseff como ruim ou péssimo, 25% foram vítimas de algum destes crimes, taxa que cai para 15% entre os que aprovam sua gestão. A criminalidade generalizada (epidêmica) afeta a boa reputação do governante (e pode ter implicações eleitorais). Quem é vítima de crime tende a desaprovar o governo, em razão da sua indignação.
O tipo de crime mais frequente entre os entrevistados foi o que abrange roubo, furto (sic) ou agressão, que vitimou 14%. Entre os moradores das capitais e cidades de regiões metropolitanas, essa taxa chega a 20%, e cai pela metade (10%) nas cidades do interior. Na parcela dos mais jovens, chega a 21%, e também fica acima da média entre aqueles com renda mensal familiar de 5 a 10 salários mínimos (19%).
A entrevista também abordou roubos e tentativas de roubos às residências. Neste caso, 9% tiveram a casa ou apartamento invadido por alguém que roubou ou tentou roubar algo. Com relação ao sequestro relâmpago, 1% do total de pessoas que na entrevista disseram que já foram vítimas desse tipo de crime.
Além dos crimes acima citados, a pesquisa abordou os entrevistados sobre parentes ou amigos assassinados nos últimos 12 meses: 21% responderam que tiveram casos de homicídios entre amigos e familiares nesse período. A região Nordeste apontou uma taxa de 31%, acima da média nacional, e a região Sul ficou abaixo, com 13% de respostas positivas. A taxa entre os jovens foi de 30%.
A verdade é que a maioria do povo dos países comunistas e capitalistas selvagens está farta da política puramente retórica, dos discursos vazios que prometem tudo e não cumprem nada ou quase nada. Quem monopoliza o poder é justamente o alvo do maior descontentamento, que se torna dobrado nos países comunistas, onde nem sequer isso é possível manifestar. Não emancipação onde a maioria absoluta do povo não tenha excelentes condições de vida. Tudo isso nunca passou de uma promessa vã dos políticos, mas hoje se sabe que é factível, é viável. Basta olharmos os países que estão se “escandinavizando”. Não se trata de uma ilusão, de uma promessa, de um planeta de outras galáxias. A redenção ou emancipação do povo passa necessariamente pela maior igualdade material da população. Fora disso estamos falando de pura retórica, de pura enganação, de puras ideologias degeneradas.
Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.
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