domingo, 29 de junho de 2008

Espanha - Susto vira desconfiança

Existe uma grande diferença entre o trânsito brasileiro e o espanhol: a qualidade dos assessores de imprensa.

Aquilo que polícia rodoviária nenhuma faz no Brasil, por falta de dinheiro, a Espanha faz em dobro. Munidos de jornalistas bem treinados para convencer os meios de comunicação, os órgãos de trânsito pintam uma Espanha que ruma à perfeição em matéria de boa conduta ao volante. Coisa distante da realidade.

É verdade que as mortes caíram 10% em 2007 e devem baixar outros 10% este ano. Mas também houve redução no Brasil nos anos seguintes à implantação do Código de Trânsito Brasileiro. E apenas agora o novo código espanhol, que imitou o sistema brasileiro de pontos na carteira, está chegando ao segundo aniversário.

A exemplo do Brasil, o susto inicial com os rigores da nova regra começa a se transformar em desconfiança em relação à capacidade de fiscalização e punição pelo poder público. A lei prevê pena de mais de um ano de prisão para quem dirigir com teor alcoólico superior a 0,5 grama por litro de sangue. Na prática, porém, o motorista flagrado acaba punido com uma multa de 1,5 mil euros (R$ 3.768,69), a perda da carteira por um ano e 30 jornadas de trabalho comunitário, que não são cumpridas por falta de vaga em atividades sociais.

Só a certeza de que a lei não será levada ao pé da letra explica, ainda, que 56% dos motoristas excedam o limite de velocidade, segundo um estudo do Real Automóvil Club de España. Se fosse, 48.412 espanhóis encheriam as prisões do país a cada ano por andarem 60% acima da velocidade permitida nas cidades e 80% nas estradas.

Até o mês passado, quando os legisladores espanhóis decidiram pôr fim ao absurdo, o condutor sem licença flagrado numa blitz era apenas multado e liberado, podendo seguir estrada afora, ao volante. Mas uma bizarrice que ainda prospera é o jeitinho espanhol para se livrar de punições. O infrator simplesmente paga a um desconhecido para lhe repassar os pontos que acumula na carteira. E os desconhecidos não param de lucrar, como se vê neste anúncio em um site de classificados: "Vendo 6 puntos del carnet de conducir por 3 mil euros. Máxima seriedad. Multa no incluída".

As mortes no trânsito também costumam ter o mesmo componente das brasileiras: o álcool. Nem por isso as estatísticas incentivam o cerco à bebida. Espanhol gosta de beber. E bebe em todos os lugares, até no McDonalds, que teve de se adaptar ao costume e passar a vender cerveja. Nos bares de beira de estrada, da Andaluzia ao País Basco, o chope também acompanha as tapas nas pausas para descanso dos motoristas.

Com tanto mau exemplo para um país desenvolvido, talvez fosse de se esperar que morressem até mais que 2,7 mil pessoas por ano no trânsito. Mas na Espanha não existe nada parecido com uma BR-101.


Zero Hora.

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