Motorista embriagado, dirigindo perigosamente e causando lesões ou a morte de alguém, comete crime doloso. Sempre entendi assim. Poderia fazer aqui uma lista de mais de uma dezena de fatos confirmadores da tese e que resultaram em condenações no júri. Exemplos muito claros de dolo eventual, quando, mesmo sem querer um resultado, alguém age assumindo o risco de produzir o dano indesejado. Há poucos dias, em São Leopoldo, um pai causou a morte da filha de três anos de idade ao perder-se na direção de seu carro. Estaria sob o efeito do álcool, o que não ficou demonstrado com suficiência para fazer prova em um processo criminal.
Ainda assim, foi preso em flagrante e permaneceu recolhido alguns dias. Não foi ao sepultamento da menina que era toda a alegria da família e que o pai chamava de Princesinha. Há informações desencontradas sobre o impedimento. O advogado do motorista diz que pediu sua liberdade desde o primeiro momento. O juiz esclarece que não havia pedido de liberação para que o pai fosse ao enterro. O promotor informou que só recebeu o auto de prisão em flagrante dois dias depois do fato, quando opinou em favor da liberdade, que foi concedida. Então, não havia motivo para que a prisão fosse mantida, o que se confirma pela decisão judicial de mandar para casa o flagrado, que será processado e julgado em liberdade.
Já está condenado, no entanto. Nenhuma pena será maior que a dor em seu coração. Dor que já se instalou e que nunca passará. Vi, em fotografia, a cena de seu desespero diante da sepultura da filha que sua imprudência matou. Quando o soltaram, foi logo ao cemitério. Voltará lá milhares de vezes e jamais terá conforto. As conseqüências do fato atingiram-no de forma tão grave, que a sanção penal tornou-se desnecessária. É o perdão judicial, previsto na lei, quando o homicídio culposo autoriza o juiz a deixar de aplicar a pena, se o crime destroçar seu autor muito mais que qualquer punição. E, no caso, é possível admitir-se que o motorista agiu sem intenção de matar e que não estava assumindo o risco de roubar a vida de sua filha. Sua ação teria sido culposa, pois não está provado que estivesse embriagado de forma a caracterizar conduta dolosa. Sendo assim, restará condenado e perdoado judicialmente, o que não apagará a pena que seus pensamentos e o coração já lhe aplicaram. De nada adiantará mandá-lo a qualquer presídio, se ele já está preso onde estiver, todos os dias, todas as horas. Algemado pela saudade irreversível que a vida lhe reservou. Nada pode ser tão doloroso quanto a morte de um filho. Nada será tão cruel quanto provocar essa morte. Nenhuma pena será tão dura quanto saber o pai que matou a filha e lembrar disso cada milésimo de segundo de sua vida. Seria inútil qualquer condenação.
* Jornalista
Zero Hora.
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