Promotor de Justiça de Curitiba defende a legalização das drogas
"A política de repressão ao uso de drogas ilícitas é um fracasso"
Polêmico e há 15 anos atuando como promotor no Paraná, Robertson Fonseca de Azevedo, 42 anos, levantou a questão sobre a legalização de drogas ilícitas durante a 13ª Semana Estadual de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas (Previda), realizada de de 23 a 27 dejunho, em Curitiba.
Por telefone, em entrevista a O Diário, Azevedo esclareceu porque é a favor da intervenção do Estado no controle do comércio de entorpecentes. Na opinião dele, a política de repressão ao consumo de drogas não funciona. Hoje, Azevedo atua como promotor de Justiça em Curitiba, mas já passou por Altônia, Guaíra, Rio Branco do Sul (Região Metropolitana de Curitiba) e Maringá. Aqui, foi promotor da Vara da Infância e Juventude entre 2002 e 2005.
O controle estatal sobre as drogas ilícitas, segundo o promotor, diminuiria os índices de violência no País e possibilitaria o controle sanitário das substâncias. "Hoje, o cara que usa drogas não sabe o que está consumindo, pois não existe fiscalização da produção. Um uísque 12 anos tem informações sobre o conteúdo no rótulo, assim como uma tintura de cabelo -- produto altamente tóxico. A pessoa sabe o que está comprando. É um direito do consumidor saber o que consome".
O DIÁRIO - Por que o senhor defende a intervenção do Estado no controle do comércio de drogas?
ROBERTSON FONSECA DE AZEVEDO - Eu defendo a legalização porque a política de repressão ao uso de drogas ilícitas não funciona. Se pensarmos hoje na cocaína, no crack, na maconha e nas outras substâncias, a proibição é um fracasso enquanto política pública. A proibição não impede a existência e o consumo das substâncias ilícitas. Do ponto de vista da saúde e da segurança pública, é preciso uma política que leve em consideração a intervenção do Estado na produção, comercialização e no consumo das drogas ilícitas. Se houvesse controle estatal, teríamos recursos para tratar as pessoas que chegam ao ponto de precisar que o serviço de saúde seja acionado. Nem todo mundo que bebe álcool precisa de tratamento, então, talvez, nem todos que fazem uso de outras substâncias vão, necessariamente, precisar de tratamento médico.
Mas a idéia é liberar geral?
Não, e sim ter medidas restritivas em relação ao uso das substâncias. Mais ou menos como acontece atualmente com o tabaco e com o álcool. De repente, o governo pode dizer que o crack não daria para ser legalizado, considerando a maneira que a droga é feita e as conseqüências imediatas que provoca no organismo do indivíduo. Talvez possa ser diferente com a cocaína, que tem outra natureza e diferentes efeitos.
Como funcionaria esse controle do Estado sobre as drogas?
Eu proponho, às drogas ilícitas, a mesma fiscalização que existe sobre bebidas alcoólicas, cigarros, medicamentos e energéticos. As drogas ilícitas devem ser objeto de atuação do Estado, que deve controlar produção, transporte, comércio; tudo o que hoje é feito sem controle. Mas devem existir restrições.
Quais restrições?
Impedir, por exemplo, fumar maconha em igrejas e escolas. Proibir fumar maconha ou cheirar pó e dirigir. Restringir ou proibir propaganda, exigir que o cigarro de maconha tenha filtro e que a erva seja lavada.
A legalização das drogas vai diminuir a violência?
Certamente. Acho que esse será um resultado imediato do controle estatal. Se houver fiscalização, quem vai mandar é a lei; ao contrário do que acontece hoje (como não existe controle do Estado, quem manda é o traficante). A ilegalidade do tráfico é que causa violência. A violência não decorre diretamente do uso da substância. Vamos supor que alguém vá a um sex shop, compre um brinquedinho e pague com cheque frio. O dono do estabelecimento pode bater na porta do Judiciário, dizer que tem alvará de funcionamento e impostos em dia, mas que um cliente não cumpriu o pacto comercial. O juiz pode dizer: ?Pô, como alguém sustenta a família vendendo objetos eróticos? Como alguém tem a cara de pau de comprar um brinquedo desses?? Ele pode fazer comentários de ordem moral, mas vai dizer que os acordos comerciais precisam ser cumpridos. Imagine outra situação: alguém vai a um estabelecimento comercial para comprar ?pedra?. O sujeito pede a mercadoria e paga com cheque frio. Esse comerciante não tem como bater na porta do Judiciário, alegando que o pacto de comércio não foi cumprido. Ele não pode pedir que o juiz exerça a força do Estado para fazer com que o consumidor pague o que deve. O traficante vai usar da violência para fazer valer o princípio fundamental do pacto comercial, que é comprou, pagou.
A legalização poderia elevar o consumo de drogas...
Não. O consumo das drogas já existe. A criminalização do uso de algumas substâncias gera um problema em si. O ideal seria que o Estado pudesse exercer o seu poder de polícia para dizer: Crack não pode porque é feito com querosene e com substâncias nocivas à saúde de qualquer pessoa. Agora, talvez pudesse estabelecer limites para o consumo. Fumar maconha, certamente, não vai ser possível em locais fechados, pois se não pode tabaco, também não pode maconha, que fede mais. O ideal é estabelecer limites para que seja tirada da ilegalidade toda uma população que hoje está sujeita à violência do tráfico. A forma mais radical de acabar com o tráfico é a legalização.
O senhor realmente acredita que os traficantes estão dispostos a se tornar pessoas jurídicas e empreender atividades comerciais legais?
Não. Eles vão cometer crimes de outras formas. O traficante lucra com a ilegalidade porque não paga imposto. No entanto, seria possível que pudéssemos ter pessoas jurídicas que fossem responsabilizadas pela produção das substâncias.
A legalização traria controle sanitário dos entorpecentes?
Sim. Do ponto de vista da saúde pública, é melhor que haja controle sanitário das drogas que hoje são proibidas.
A proibição das drogas beneficia quem?
O traficante e o cidadão corrupto.
O que deve ser feito para não incentivar o consumo?
Criação de impostos e educação. Esclarecer as pessoas sobre os efeitos nocivos das drogas. A idéia é criar um programa público de educação sobre os efeitos maléficos das drogas, restringir o consumo a determinados grupos e locais -- para que não possa acarretar danos a terceiros.
O Estado tem o direito de proibir as drogas ilícitas?
Se não existe crime de auto-lesão (tatuagem, piercing, brinco, suicídio), não existe justificativa penal para que algumas substâncias que fazem mal sejam proibidas. Se o cara faz mal a ele mesmo (consumindo drogas), o Estado não tem o direito de intervir. A não ser que estejamos falando de substâncias tão horrorosas em que o comércio seja proibido, como foi o caso do BHC. Existem substâncias psicoativas de uso livre, controlado e proibido. De uso livre são energéticos e café. Outra, que tem efeito estimulante parecido com os dois, é a cocaína, que é proibida. A proibição, enquanto política pública, tem se demonstrado um fracasso. Veja o quanto se gasta com salário, armamento, combustível, diária e todo o resto para repressão às drogas. E qual o efeito prático disso? A redução da oferta não tem sido uma política eficaz.
O que seria eficaz?
A redução da demanda, por meio da repressão, e o tratamento de quem queira deixar de usar o entorpecente seriam eficientes. Outra política que falta, que é o que tenho trabalhado, é a de redução de danos. Quem usa drogas está sujeito a danos. Quem fuma maconha queima papel, engole fumaça, é claro que faz mal. A política de redução de danos tenta diminuir esses prejuízos (sem, necessariamente, impedir o uso, mas buscando inclusão social para os usuários de drogas). Não é a droga em si o principal problema, mesmo porque a substância é igual a um telefone, um charuto: pode ser bem ou mal usado. O que importa é reconhecimento do uso como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo ou com a comunidade a qual pertence. O que dá direito ao Estado de dizer para um sujeito não usar cocaína, LSD? O Estado não diz: ?Não tome refrigerante?.
Qual o objetivo do senhor ao levantar esse debate?
É propor uma discussão. Eu tenho elementos jurídicos suficientes para propor um debate. Se eu fosse acadêmico de Direito ou bacharel que estivesse fazendo concurso público, eu não poderia ter levantado essa questão, pois seria tachado de maconheiro e irresponsável. Como eu sou um promotor de Justiça, tenho esse respaldo. A liberdade de expressão e de manifestação não é igual para todos. Eu tenho garantias funcionais para dizer o que penso.
O Diário do Norte do Paraná.
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