domingo, 29 de junho de 2008

Artigo: Embriaguez ao volante - Inserção do crime de perigo abstrato no tipo penal. Mais um equívoco do legislador

Está vigendo desde o dia 20 de junho de 2008, por meio da Lei 11.705/08, a nova redação do artigo 306 do Código de Trânsito, que trata da direção embriagada: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”, assim, o condutor responderá ao processo e estará sujeito a pena detentiva de 6 meses até 3 anos, mais multa e suspensão (da CNH ou da permissão) ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir, portanto, de acordo com a nova lei, não importa se o agente está embriagado ou não, isto é, para cometer o delito basta realizar a conduta em via pública, após ter ingerido bebida alcoólica na quantidade descrita na lei, mesmo que dirija normalmente, ou seja, não coloque em risco a segurança viária.

Com a entrada em vigor desta lei, visa o Estado a diminuição dos casos envolvendo motoristas alcoolizados ou sob efeitos de substâncias psicoativas, agindo mais no sentido da precaução, isto é, evitar a condução de veículo automotor após o uso das drogas, contudo, o delito continua sendo afiançável (o Delegado a arbitra), e após o pagamento, o condutor será liberado.

Se a preocupação do legislador é a precaução, talvez seria mais razoável a estipulação da fiança somente pela autoridade judiciária, pois, o motorista poderia “refletir” com mais tempo o seu ato falho em um local mais apropriado, qual seja, o cárcere.

De outro lado, a parte final do artigo diz que também cometerá o delito, o motorista que estiver “sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Note-se que é exigido que o motorista esteja “sob a influência” de substância psicoativa, portanto, para caracterizar tal delito, exige-se que a quantidade seja capaz de influenciar o motorista, fazendo com que a direção seja anormal, ou seja, que coloque em risco efetivo a segurança viária (em “zig-zag”, por exemplo).

Em suma, se o motorista ingerir bebida alcoólica em quantidade acima da permitida, mesmo que dirija normalmente, será detido, contudo, se estiver sob o efeito de substância psicoativa (fumou maconha), somente será responsabilizado, caso a direção coloque em risco a segurança vária.

O tratamento desigual é justificado? Claro que não. Ocorreu (mais um) erro do Legislador, portanto, face Princípios Penais (Razoabilidade/ Proporcionalidade e Ofensividade) a responsabilização penal somente poderá ocorrer caso o motorista embriagado, ocasione risco concreto à segurança viária, mesmo que tenha ingerido (por exemplo), 500ml de cerveja, assim, a responsabilização criminal somente ocorrerá se o motorista realizar conduta que interfira na segurança viária.

Em uma Democracia nenhuma norma pode desrespeitar a Constituição, que possui seus princípios, e entre os quais, destaca-se ao presente caso o da Ofensividade (ou Lesividade para Zaffaroni e Ferrrajoli): a conduta praticada pelo agente (guiar veículo automotor embriagado) deve afetar concretamente o bem jurídico tutelado pela norma, e na direção embriagada, a objetividade jurídica é a segurança viária, portanto, mesmo que tenha ingerido razoável quantidade de bebida alcoólica, se o condutor não afetar efetivamente a segurança viária (bem jurídico), a conduta será atípica, pois, “não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão à objetividade jurídica” - nullum crimen sine iniuria.

Este postulado afasta definitivamente a inserção em nosso Direito Penal dos denominados delitos de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida em lei (como exemplo, o delito de formação de quadrilha, onde pune-se o agente, independentemente de cometer o crime ou não), e assim, não se permite prova em sentido contrário, bastando para a acusação provar a realização da conduta). Outrossim, se formalmente a conduta é tida como delituosa, o mesmo não se pode dizer acerca do aspecto material, por faltar a lesão ou o perigo concreto de lesão ao bem tutelado pela norma penal (a segurança viária)

Críticas a esse entendimento certamente existirão, contudo, a existência do Direito Penal moderno, está estritamente vinculada aos postulados constitucionais, que devem ser observados por todos aqueles que aceitaram o Estado Constitucional e Democrático de Direito.

Obviamente que a Polícia fará o seu papel, isto é, autuará o motorista, que será conduzido à presença do Delegado, registrando-se tudo no Inquérito Policial (o delito não é de menor potencial ofensivo sua pena máxima ultrapassa o limite de 02 (dois) anos permitidos na Lei 9.099/95), e posteriormente será arbitrada a fiança nos termos do Cpp 322.

Caberá ao Ministério Público promover ou não a Ação Penal, e ao Magistrado recebê-la ou rejeitá-la, todavia, importantíssima, será a atuação do Advogado, que ao denotar a instauração da persecutio criminis fará uso dos meios necessários para anular a Denúncia, valendo-se desde uma simples petição ao juízo primário, ou até mesmo da propositura da Ação de Habeas Corpus, evidenciando o disposto no artigo 43 do CPP: A peça acusatória será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, portanto, faltando a Justa Causa no tocante à falta de tipicidade material.

Em tempo: conforme o Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo (Cremesp), Substância Psicoativa é aquela que possui a capacidade de alterar o comportamento, o humor e a cognição de um ser vivo, existindo dois grupos, quais sejam, as drogas ilegais (maconha, cocaína etc) e as lícitas(como o álcool), portanto, quem dirigir alcoolizado somente cometerá o delito se realmente por em risco a segurança do trânsito(“estar sob a influência de substância psicoativa”), pois, o álcool também é substância psicoativa.

Jorge Alexandre Karatzios é advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal.


O Estado do Paraná, Direito e Justiça.

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