Itália: terra das artes, da moda, das massas e... do lixo. O cenário desse drama italiano é Campania, no sul do país, e cuja capital, Nápoles, se tornou o epicentro de uma crise. Corrupção, burocracia, mal-funcionamento dos órgãos governamentais e a interferência do crime organizado levaram ao limite um problema que já dura 14 anos: o lixo não é coletado na cidade há oito meses.
O problema começou em 1994 quando os depósitos de lixo da cidade tiveram sua capacidade de armazenamento superada e foram fechados por motivos de saúde pública. Os trabalhadores chegaram a se recusar a coletar o lixo e foi decretado estado de emergência em algumas localidades no sul do país.
No entanto, pouca coisa mudou desde então e a mesma cadeia de eventos segue acontecendo transformando a cidade de Nápoles e a região de Campania num aterro sanitário a céu aberto.
A raiz da questão está em que a máfia local - a Camorra - controla a indústria do lixo e, para obter mais lucro, enche os depósitos de lixo e os locais de incineração com lixo importado do norte da Itália e de países ricos da Europa. Os restos são jogados ou incinerados ilegalmente - um crime que viola a lei ambiental e que dá à máfia um ganho de seis bilhões de euros por ano.
Com os depósitos e aterros sanitários repletos de lixo, os trabalhadores não podiam mais recolher o lixo local, não deixando outra escolha à população a não ser empilhar o lixo nas ruas. Com o aumento das pilhas, os próprios moradores começaram a incinerar o lixo aumentando a poluição do ar. Finalmente, o governo resolveu interceder e encontrou uma solução temporária: usar pequenos espaços no meio das montanhas de lixo.
A raiz desta crise foi revelada em um livro publicado no ano passado nos Estados Unidos pelo especialista em crime organizado, o napolitano Roberto Saviano. O pesquisador afirmou que as companhias de limpeza controladas pela Camorra ganham os contratos para remover o lixo tóxico das indústrias do norte da Itália e depois, por causa do esgotamento da capacidade dos aterros existentes, jogam esse lixo nos rios da região. Saviano revelou também que as empresas geridas pela máfia misturam lixo tóxico com outros materiais e revendem como fertilizantes.
A situação atingiu o ápice em dezembro de 2007 quando, mais uma vez, a coleta de lixo chegou a um impasse porque os depósitos atingiram sua capacidade máxima. Mas, diferente do passado, o governo italiano não conseguiu encontrar uma solução temporária o que levou ao mais longo período sem o serviço de coleta de lixo.
Da ineficiência à ameaça à segurança humana
Enquanto as noções tradicionais de segurança humana englobam a segurança pública e a segurança comunitária - como as ameaças pela violência -, a comunidade internacional também reconhece a ameaça à saúde pública como parte da segurança humana. No entanto, como a situação já passou de ruim para pior, a questão agora é se as circunstâncias atingiram um ponto onde a segurança humana está sendo ameaçada, o que exigirá a ação de uma instituição externa como a União Européia.
A Comissão Européia parece achar que a crise chegou a esse ponto. No dia 6 de maio deste ano, a Comissão, que é o braço executivo da União Européia, entrou com uma ação contra o governo da Itália na Corte de Justiça Européia acusando o governo italiano de não cumprir com suas obrigações em prover serviços sanitários aos residentes de Nápoles e da região de Campania.
Com certeza, se a decisão da Corte for contra a Itália, o governo do primeiro-ministro recém-eleito poderá ter que pagar uma série de multas. "As pilhas de lixo não recolhido nas ruas de Campania ilustra graficamente a ameaça ao meio ambiente e à saúde humana que ocorre quando o gerenciamento do lixo é inadequado", afirma Stavros Dimas, comissário para o meio ambiente da União Euroéia.
Além de ameaçar a paz civil com violentos protestos e confrontos com a polícia, a região agora enfrenta uma questão de saúde pública com o aumento dos casos de doenças em certas áreas, como mostraram alguns estudos.
Uma pesquisa lançada no ano passado pelo Conselho Nacional de Pesquisa da Itália demonstra os efeitos de quase 14 anos de problemas sanitários recorrentes. O estudo descobriu que, entre os italianos que moram próximos aos depósitos menos controlados (principalmente onde são ilegais), a taxa de mortalidade é 12% mais alta do que a média para mulheres e 9% maior que a média para homens.
O estudo mostrou também que o índice de câncer hepático fatal na área é 29% mais alto do que o esperado em mulheres e 19% mais alto do que o esperado em homens. Por fim, foi documentado também um aumento dos casos de malformação congênita dos sistemas urinário e nervoso. O lixo acumulado nas ruas e parques é também refúgio para agentes transmissores de doenças como ratos e insetos causando mais prejuízo a uma situação já deteriorada.
Então o que fazer agora? O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que assumiu em abril deste ano, prometeu fazer da crise do lixo uma questão de prioridade nacional e se comprometeu a limpar Nápoles e a região de Campania em um mês. Berlusconi prometeu implementar novos incineradores e forçou a bertura de depósitos que estvam fechados. O Exército italiano foi chamado para conter e prevenir novos protestos e a região está enviando cerca de 700 toneladas de lixo por dia para a Alemanha, abrindo espaço para o lixo local.
O primeiro-ministro também mencionou recentemente que o governo italiano está "muito perto" de assinar acordos com empresas privadas para estocar e processar o lixo em áreas fora da região.
Enquanto essas ações emergenciais podem melhorar a situação no curto prazo, muitos especialistas afirmam que é necessário atacar a raiz do problema ou a situação vai voltar a se repetir. Como apontou Roberto Saviano, a questão não é a falta de espaço, mas a infiltração da máfia na indústria do lixo fazendo com que os descartes industriais de outras localidades ocupem o espaço destinado ao lixo local fazendo com que as ruas fiquem tomadas.
* Massimo Alpian faz mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Columbia, em Nova York.
Comunidade Segura.
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