Estado dificulta um direito garantido pela Constituição. Aqui, não há concurso ou carreira para a Defensoria, que está atrelada ao governo
Enquanto 150 pessoas estão detidas por até 90 dias nas delegacias de Curitiba por não terem condições financeiras de pagar um advogado, o Paraná deixou de receber R$ 1 milhão do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do governo federal, por insistir em não dar autonomia e orçamento próprio à Defensoria Pública Estadual e não estruturar o órgão de acordo com a lei. Atualmente, a Defensoria do Paraná tem 49 advogados públicos e outros três voluntários para atender uma população de 10.284.503 habitantes, número considerado baixo se comparado ao de outros estados (veja infográfico).
O direito de pessoas sem condições financeiras terem um defensor público é garantido pela Constituição Federal. A Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45) e uma lei complementar determinam que o órgão deve ter autonomia em relação ao Poder Executivo, para que possa exercer suas funções sem pressões e interferências, e estabelece a necessidade de concurso público para a contratação de advogados. No Paraná, a Defensoria Pública ainda está atrelada à Secretaria de Estado da Justiça (Seju), não há concurso e não existe carreira para defensor público.
No ano passado, a Defensoria do Paraná atendia apenas cinco municípios: Curitiba, Londrina, Dois Vizinhos, Quatro Barras e Carambeí. Em Minas Gerais, por exemplo, a Defensoria atende 45% do total de comarcas. No Rio Grande do Sul, o índice é de 54%, e no Rio de Janeiro 92% das comarcas são atendidas.
A verba que poderia vir para o Paraná está no pacote de R$ 13 milhões distribuídos para 11 regiões metropolitanas com as maiores taxas de homicídios no país, além de Teresina (PI). A defensoria de São Paulo recebeu R$ 3,2 milhões; a do Rio de Janeiro, R$ 1,8 milhão; e a do Rio Grande do Sul, R$ 1,3 milhão. Além disso, o Pronasci entregou 12 veículos para o transporte de defensores públicos. O Paraná não recebeu o seu veículo. O dinheiro do Ministério da Justiça deve ser usado para reforçar o trabalho das defensorias estaduais, com objetivo de diminuir a superlotação das delegacias e tentar recuperar jovens detidos pela prática de pequenos delitos e crimes de menor potencial ofensivo.
“O Paraná não recebeu recursos porque não tem Defensoria. E também não quis receber um carro”, afirma o secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto. “É insustentável o Paraná não avançar nessa questão. Ele é um dos únicos que continua trabalhando com defensores improvisados.” Além do Paraná, dois estados estão nesta situação: Santa Catarina (não tem defensoria) e Goiás (só tem a lei que criou o órgão).
Diagnóstico feito em 2005 pelo governo federal constatou que a defensoria pública é a “prima pobre da Justiça”, ou seja, para cada 100 mil habitantes há cerca de oito juízes, quatro promotores ou procuradores e menos de dois defensores. Hoje, no Paraná, para cada grupo de 100 mil habitantes há quase sete juízes, mais de cinco agentes do Ministério Público e 0,5 advogado público.
Faz-de-conta
Para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Fernando Calmon, o Paraná vive uma situação de “faz-de-conta” quando o assunto é a Defensoria. “A situação do Paraná é muito ruim. É uma negativa de direitos à população do estado”, critica. “O Paraná está vivendo na contramão da história, em situação anterior à dos anos 80. Ou o estado cumpre o que diz a Constituição, ou vai continuar vivendo em um faz-de-conta.”
O presidente da Anadep critica a falta de autonomia administrativa. “O artigo 5º da Constituição prevê assistência integral, contra tudo e contra todos, inclusive o governador e o presidente da República. Se não há autonomia administrativa, como defender o cidadão, se poderá haver uma retaliação por parte do governante de plantão?”, questiona Calmon.
Outro problema apontado pelo presidente da Anadep é a falta de concurso público para a contratação dos advogados. “Um dos problemas do Paraná é a falta de concurso público. O estado está sempre prestigiando a, b, ou c. Vira um cabide”, afirma Calmon. “É uma questão de determinação. Se o governo do Paraná quiser, encaminha uma lei criando a Defensoria nos moldes da Lei 80. Não tem nada de complicado. Em Roraima, por exemplo, o cidadão é muito melhor atendido do que no Paraná.”
O sociólogo Pedro Bodê, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná, lembra que a falta de estrutura da Defensoria Pública impede que as pessoas exerçam o direito constitucional à ampla defesa. “Do ponto de vista da segurança pública, da Constituição e dos direitos básicos do cidadão, é algo terrível”, comenta. “Acaba tendo gente condenada sem o direito à ampla defesa.” A opinião do advogado Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, é parecida. “A Defensoria deveria ser um órgão com autonomia, com uma missão institucional própria”, afirma.
Violência
Além de prejudicar o atendimento às pessoas com menor poder aquisitivo, a situação da Defensoria Pública no Paraná pode contribuir com o crescimento dos índices de violência, já que presos de pequeno potencial ofensivo tendem a fica na cadeia. “Geralmente os presos com maior potencial ofensivo têm capacidade de contratar um advogado, o que não acontece com os acusados de crimes de menor potencial”, afirma o presidente da seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Alberto de Paula Machado. “A omissão do estado é prejudicial para o preso que ainda tem chances de recuperação. Estudos mostram que o ambiente das delegacias degrada às pessoas.”
Para Machado, o governo deveria colocar na ponta do lápis os valores destinados à construção de unidades prisionais e quanto seria investido para estruturar uma Defensoria Pública. “Seria um projeto de grande interesse social. Só do ponto de vista financeiro já valeria a pena, porque estudos mostram que um preso chega a custar R$ 1,7 mil por mês aos cofres públicos”, comenta o presidente da OAB-PR. Até 2006, o balanço de três anos do governo do estado apontava um investimento de R$ 78,5 milhões no sistema penitenciário do Paraná, com a criação de 11 mil vagas.
A Gazeta do Povo procurou a Defensoria Pública na quinta-feira da semana passada, mas foi informada que a coordenadora do órgão, a advogada Silvia Xavier, estava em férias e só poderia falar sobre o assunto nesta semana. Também na quinta-feira, a reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Seju para obter um posicionamento sobre o assunto. A assessoria pediu o prazo de um dia para repassar as informações. Na sexta-feira, a assessoria informou que ninguém da Seju iria se manifestar.
Gazeta do Povo.
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