Escrever sobre certos assunto causa até certo enfado, pois nos parece coisa tão sabida e ressabida que o leitor, certamente indagará nullum novum?
Pois a novidade que nos ocorre no presente artigo é simplesmente esta: está quando os nossos juízes criminais continuarão a tratar os chamados antecedentes criminais, notadamente a reincidência, sem se deter em sua análise (ou o que é pior, sem levar em conta a definição legal desta), especialmente em face da Constituição Federal?
Vezes e mais vezes os juízes dos tribunais topam com a elevação da pena so o fundamento de ter o réu maus antecedentes criminais ou ser reincidente. A maioria das vezes, o sentenciante não se dá ao trabalho de indicar em que folha do processo se encontra o comprovante da reincidência: outras vezes, não faz a demonstração de que há reincidência porque o fato sob julgamento ocorreu depois do trânsito em julgado da condenação anterior; e boa parte das vezes nem da reincidência se trata, pois o fato posterior for a praticado antes do trânsito em julgado do fato anterior.
Dia destes, denunciamos isso em uma apelação. O Desembargador relator propôs e os membros da Câmara aceitaram, pelo silêncio, o seguinte raciocínio: muito embora não haja nos autos certidão demonstrativa de que a condenação anterior transitou em julgado, se não estamos diante de uma reincidência jurídica, estamos diante de uma reincidência moral. E manteve a pena.
E ainda há quem critique o direito alternativo!
Pois trazemos à reflexão daqueles que são dado a isso, a seguinte questão, relacionada ao tema: se o art. 5 inciso XXXVI, da Constituição Federal assegura a garantia da imutabilidade da coisa julgada (tanto mais de observar-se se tratar de decisão criminal condenatória!). como conciliar com tal princípio a elevação da pena por força dos chamados maus antecedentes criminais, em especial a reincidência?
Explico-me: alguém é condenado a 3 (três) meses pela prática de um crime de lesão corporal dolosa. Algum tempo depois do cumprimento dessa pena, volta a praticar fato idêntico. Ao setenciar, diz o juiz: "Sendo o réu reincidente, fixo-lhe a pena a 4 (quatro) meses de detenção." Indago: esse 1(um) mês a mais diz respeito ao crime que está sendo julgado ou ao crime que for a praticado anteriormente? Quem tenha a mínima capacidade de raciocinar concluirá o óbvio: se a pena seria fixada no mínimo caso fosse o réu primário, o acréscimo se refere ao crime anterior, conditio sine qua non do acréscimo.
Se é assim (e é lógico que é assim), a decisão condenatória anterior está sendo alterada em prejuízo de quem, por hipótese, já cumprira a pena pelo fato anteriormente praticado, com a agravante de não haver entre nós a revisão criminal pro societate. Realmente, em termos práticos, aos 3(três) meses já cumpridos o juiz está adicionando mais 1(um), a ser cumprido juntamente com a pena relativa ao segundo crime.
Em caso onde não havia reincidência, mas o julgador tinha levado em conta os maus antecedentes do condenado para fixar a pena acima do mínimo, levantamos em recurso, a questão da inconstitucionalidade dessa considerações, na medida em que por força do devido processo legal, a cada crime deve corresponder um processo, no sentido de que não é possível, constitucionalmente, que um mesmo fato seja levado em conta em dois ou mais processos, como se dá com a valorização dos chamados maus antecedentes. É o ne bis in idem.
Pois o Ministério Público de segundo grau, tido e havido como custos legis, saiu-se com esta: dado o princípio constitucional da isonomia, não se pode tratar igualmente um réu sem antecedentes criminais e um réu com antecedentes criminais, donde justificar-se a elevação da pena.
Mas se a senilidade ainda não me toldou o juízo, é justamente o contrário: se alguém responde a 1(um) processo, receberá caso venha a ser condenado, a pena correspondente ao crime aí referido; se responde a 2 (dois) processos, receberá, caso venha a ser condenado, a pena correspondente aos dois crimes. E assim por diante.
A Câmara, diplomaticamente, sem ferir as questões constitucionais levantadas, reduziu a pena ao mínimo legal.
Adauto Suannes
SUANNES, Adauto Alonso S.. A reincidência, autêntico bis in idem. Boletim IBCCRIM. São Paulo, n.14, p. 07, mar. 1994.
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