Nos últimos meses presenciamos vários atos que chocaram a todos, atos de violência e crueldade que submeteram a população a um cárcere em suas próprias residências, um medo que se espalhou e chocou todos os cidadãos e nos fez surgir a dúvida: será que não estamos vivendo uma guerra pior que uma guerra declarada? Uma guerra onde não se pode conhecer o inimigo, uma guerra covarde e destruidora, na qual o inimigo esta tão perto, mas não podemos enxergá-lo, um inimigo disfarçado chamado de crime organizado.
A população nos dias dos ataques do crime organizado viveu uma situação desesperadora que fez emergir uma pergunta sem resposta: em quem se pode confiar? Os dados apresentados pela imprensa provam que o tráfico e o crime organizado matam mais que as guerras entre países.
Uma conclusão é pacífica entre nós juristas, não adianta combatermos a conseqüência sem antes extirparmos a causa daqueles resultados. A violência do crime organizado é somente a conseqüência a “ponta do iceberg”. É preciso se ater principalmente em cessar, acabar com a causa dessa violência.
O Judiciário muitas vezes achincalhado, criticado, é apenas cumpridor das leis, obedece ao que o legislador institui. Se algo tem que ser mudado é a legislação e não a forma com que o Judiciário procede a seus julgamentos.
A questão a ser analisada é saber quem é o financiador do crime organizado no Brasil. Ora, em sua completude o grande financiador é o tráfico de drogas, e quem sustenta o tráfico de drogas é a própria sociedade. E não adianta ser hipócrita em achar que só a classe baixa é a responsável pelo financiamento do tráfico de drogas. Também a classe média e a classe alta, ou seja, todos nós podemos ser, de alguma maneira, os financiadores do crime organizado.
Portanto há necessidade de acabar com a causa dessa auto-destruição, falta na verdade é uma política educacional que realmente seja capaz de construir um futuro com vasto conhecimento, princípios e homens de caráter. É necessário ensinar realmente, fazer aprender, e não simplesmente “empurrar” um aluno passando-o de série como se ele realmente fosse um fantoche nas mãos dos educadores. Não adianta taparmos os olhos para a realidade que nos circunda, pois essa é nossa diferença dos animais. Apesar disso, no Brasil a política educacional escorraça os menos favorecidos, enquanto os que podem pagar estraçalham os menos providos culminando em uma disparidade sócio-econômica ainda mais exacerbada.
É de exímia pertinência ressaltar ainda que nosso sistema carcerário é um sistema arcaico, desprestigioso e falido. A finalidade assegurada pela Constituição Federal que é de ressocialização do preso, passa longe da sua realidade. Um criminoso, preso por furtar uma galinha na intenção de saciar sua fome, é entregue ao devastado sistema penitenciário não levando em conta ser um indivíduo de baixa periculosidade e que consequentemente sai da cadeia “pós-graduado” em roubo a bancos, tráfico de drogas, sendo que o mais plausível seria a prestação de serviços à comunidade. Um indivíduo de baixa periculosidade, de fácil recuperação se transforma em um monstro de alta periculosidade que sai da cadeia para realizar façanhas absurdas no mundo do crime.
É preciso refletir sobre estas questões e chegar ao que de fato está errado, na verdade imaginem um indivíduo banido da sociedade, excluído dos vínculos sociais, que passa fome, que vê seus filhos sem digna educação, sem emprego, sem direito a moradia e saúde, e que passa a receber o acolhimento de uma organização criminosa que o recepciona, lhe dá uma identidade, (soldado, general), é chamado de irmão, tem a proteção pela organização criminosa, sua família é sustentada enquanto preso, e tem direito a bons advogados, estas são algumas dentre varias garantias asseguradas pelo estatuto do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Vê-se uma ascensão de um poder paralelo ao poder do Estado, uma criação de leis e governos próprios concorrentes ao governo do Estado. Principalmente nas favelas, nas quais por meio do terror as facções criminosas fazem às vezes do Estado, garantindo melhores condições de vidas àqueles que se submetem a essas organizações e lhes dando segurança. Organizações muito bem organizadas aterrorizam grandes centros. Entre elas estão as mais conhecidas e as maiores organizações de São Paulo e do Rio de Janeiro como Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) respectivamente. Em respostas a seus atos essas instituições criminosas têm a fidelidade de seus membros e da população que subsidiam.
Não se quer fazer apologia ao crime organizado, mas sim fazer com que a população pense nos rumos tomados pela sociedade, deixando a hipocrisia, o individualismo e o egoísmo de lado, e enxergar essa realidade que esta diante de nós e não somente problemas enfrentados nos morros e nas periferias das cidades! O problema maior é ate que proporção este poder paralelo vai chegar.
A policia dentro dos limites toleráveis deve sim reagir com veemência aos atos criminosos, na intenção de coibir os atos de violência e assegurar a paz e a ordem na sociedade, porém não devemos mais uma vez ficar combatendo essa conseqüência. A Polícia tem um papel digno e heróico, cujo salário recebido para nos proteger, muitas vezes é dispor da sua própria vida. Não adianta para uma dor de cabeça tomar um remédio, tem que combater a causa dessa dor de cabeça. Nota-se que a principal causa desses problemas é educacional e social em princípio e por conseqüência, gera um sistema prisional brasileiro lastimável.
É muito fácil falar dos problemas sem apresentar propostas, mas as propostas estão aí para serem discutidas, porque não privatizar o sistema carcerário? Mas veja o perigo, numa sociedade corrompida politicamente qual a garantia de que o PCC não monte uma empresa de fachada e tome conta dos presídios? Esta é mais uma dentre tantas questões delicadas.
Não adianta reduzirmos a maioridade penal para 16 anos, o problema não esta nesta redução, e produziríamos um efeito contrário, jovens que cometem crime entre 16 e 18 anos, acabariam por superlotar ainda mais os presídios que já estão abarrotados, onde os presos vivem “enlatados” sem a mínima dignidade humana. Nosso sistema carcerário está falido, nossos presídios não reeducam e são as verdadeiras Faculdades do crime enquanto que a Febem é o curso técnico.
A proposta que vislumbro ser a mais adequada é haver um interesse político, que parte de uma reforma educacional e social verdadeiras, além de um meio eficaz para distinguir o criminoso de alta do de baixa periculosidade, tratando cada qual com sua especificidade e por conseguinte uma reforma penitenciária capaz realmente de ressocialização do criminoso. Uma pessoa que deprede patrimônio público seja por meio de pichações ou qualquer outro meio, deverá ser compelido a pagar seu dano reformando escolas, pintando hospitais ou algo do gênero. É necessário fazer esse discernimento e não simplesmente deposita-los em cadeias públicas. Não se pode comparar um roubo cometido por estar com fome de um roubo a banco, devemos entender a finalidade das normas penais, portanto a pena não tem que ser a mesma, a isso damos o nome de consciência jurídico-social.
Como aceitar que as duas bases da sociedade que é educação e segurança sejam tão mal remuneradas, o professor cuida de toda estrutura educacional que reflete nas atitudes dos homens, e a polícia salvaguarda o direito a nossa integridade física e ao nosso direito a vida muitas vezes com suas próprias vidas. Esses profissionais que são tão importantes,na verdade, não têm o devido reconhecimento e a devida remuneração.
É necessário restringir alguns direitos da população carcerária, todavia há que se assegurar os direitos e garantias humanas mínimas que lhes cabem. É muito fácil criticar quem está preso ate o momento em que um filho seu está lá por um crime de baixa potencialidade ofensiva, ou ate mesmo um parente ou um amigo que comete algum deslize e acaba sendo condenado a prisão. Todos sabem as condições muitas vezes sub humanas que vivem os presos.
Se houver no Brasil um sistema educacional que realmente funcione e que o cidadão tenha assegurado os seus direitos à saúde, moradia, vida digna, ao emprego e possa sustentar com dignidade sua família, haverá uma clara expressiva diminuição da população carcerária, em conseqüência da diminuição dos crimes praticados, sendo suficientes os investimentos em segurança pública e destinando mais verbas à educação.
O Brasil precisa de políticos honestos com vontade de trabalhar em benefício da população e não se enriquecer por meios ilícitos às custas dos cidadãos. É necessário um sistema educacional que realmente eduque e uma reforma social que dê dignidade à população. Procuram-se os direitos humanos não só para os presos, mas também para o cidadão que tanto sofre apunhalado pelas diferenças e pelo abandono social. Para mudarmos a sociedade é preciso primeiro assegurar condições dignas às pessoas e, principalmente, condições dignas às famílias.
Estas críticas são apenas o começo de uma discussão, que vão muito além de uma pequena reportagem em um jornal.
Para finalizar, uma frase dita por Thomas Edison: "A não- violência leva-nos aos mais altos conceitos de ética, o objetivo de toda evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres do planeta, nós continuaremos selvagens."
Por Hery Kattwinkel, Advogado formado pela PUC Campinas
KATTWINKEL, Hery. Violência – um mal educacional e social. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 31.07.2008.
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