sexta-feira, 2 de maio de 2008

Artigo - A prevenção é o único remédio

A Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) acaba de divulgar os números consolidados, de 2002 a 2007, de pesquisa realizada anualmente pela Clínica de Lesão Medular da entidade, sobre as causas de lesões medulares paralisantes, traumáticas ou não, em pacientes que chegaram para tratamento na instituição. Os números são chocantes.

De 1.848 pacientes atendidos, 347, ou cerca de 20%, adquiriram a paraplegia ou a tetraplegia em função de causas não-traumáticas (tumores, infecções, acidentes vasculares, etc.). São casos cuja prevenção ou eliminação está no âmbito da medicina.

São os 1.501 casos restantes, 81,2% do total, que nos preocupam muito. Todos eles são fruto de lesões medulares traumáticas, com quatro grandes categorias de acidente dominando as estatísticas. Deste total, 40% foram vítimas de ferimento por arma de fogo, 33.6% por acidentes de trânsito, 14,1% por quedas, 6,7% por acidentes em mergulhos e os 6% restantes ficam com as outras causas.

Esses são números inadmissíveis, em especial se levarmos em conta que são apenas a ponta do iceberg e atingem, principalmente, jovens. Quantas balas, perdidas ou não, quantos acidentes variados paralisaram a vida de jovens e adultos em todo o País, casos que não chegaram à AACD? Podemos multiplicar esse número por dez? Por cem? Por mil?

A AACD tem consciência de que eliminar - ou mesmo reduzir drasticamente - a violência social não é questão fácil. Trata-se de uma tarefa que exige ações sociais permanentes, vontade política, verbas e planejamento.

Entretanto, é possível diminuir, e muito, o número dessas vidas destroçadas, que cresce ano a ano. O nome do milagre? Prevenção.

Nem todas as pessoas paralisadas por armas de fogo o são no contexto do crime organizado. Crianças e adultos se ferem por manejar ou brincar com armas sem saber se elas estão carregadas - às vezes, sem sequer saber que aquilo é uma arma mortal.

Muitos acidentes de trânsito terminam com pessoas paralíticas, seqüela que poderia ter sido evitada se o atendimento imediato às vítimas fosse feito por um profissional ou, no mínimo, por alguém treinado para isso.

A tragédia, que deixa seqüelas para o resto da vida, com freqüência tem origem em atividades simples, do cotidiano. Muitas das pessoas que chegam à AACD com lesão medular traumática, em decorrência da qual ficarão paraplégicas, tetraplégicas, simplesmente caíram da laje de cobertura de suas casas durante um churrasco ou empinando uma pipa. Ou, então, mergulhando numa lagoa, num rio, mesmo em piscinas, durante um agradável fim de semana, sem saber que a baixa profundidade não permitiria a que a pessoa se lançasse de cabeça na água.

É preciso prevenir, o que significa ensinar, educar, alertar, comunicar. Disseminar a cultura da prevenção é um compromisso inalienável das entidades do terceiro setor. Esta prática contribui para a redução do número de acidentes e, ao fazer isso, permite oferecer atenção mais ágil e de alta qualidade a um contingente menor de pacientes, otimizando recursos. O quadro atual da AACD exemplifica bem a questão. A entidade é referência internacional de qualidade no tratamento e reabilitação de portadores de deficiências físicas, mas não consegue dar conta da demanda gerada pela ausência da cultura preventiva no País.

A diminuição dos casos terá efeito direto na redução de uma demanda que, de tão elevada, fica represada. Atualmente, nas oito unidades da AACD, mais de 32 mil pessoas aguardam uma consulta, 15.886 esperam por terapias, 1.588 para aquisição de aparelhos ortopédicos e outras 4.225 para realizar cirurgias - neste caso a fila pode chegar a uma espera de seis anos. São números angustiantes, que exigem a multiplicação da captação de recursos para prover a demanda reprimida. Tais estatísticas reforçam a necessidade de dar prioridade ao foco na prevenção. Negligenciar tal objetivo tornará praticamente irreversíveis os gargalos do Sistema Único de Saúde (SUS) e das entidades do terceiro setor que atuam nesse segmento.

A destinação de recursos é outra variável que precisa ser adequadamente equacionada. Desde 1998 a AACD, em parceria com o SBT, realiza a produção e veiculação do programa Teleton. A iniciativa, criada há 41 anos nos EUA, é uma maratona televisiva que visa a arrecadar recursos para a causa dos deficientes físicos. Os fundos arrecadados são utilizados na manutenção de suas oito unidades, ampliação dos tratamentos e redução da fila de espera das cirurgias de escoliose realizadas todos os meses.

Para este ano, a campanha Minha Cidade é Solidária, tema do Teleton 2007, foi inspirada na iniciativa pioneira do município paulista de Barueri, no ano passado, que com ações organizadas conseguiu arrecadar R$ 413 mil, provenientes de doações da população. A cidade de Barueri recebeu o título de "madrinha" do Teleton 2007 por esse resultado excepcional. O objetivo é reproduzir a ação em outras cidades e motivar municípios de todo o País a seguirem o modelo - até o momento já temos mais 15 adesões.

Em resumo, a dimensão do problema e suas conseqüências tanto individuais quanto sociais exigem participação ativa de toda a sociedade. Cada segmento tem um papel a cumprir, seja na divulgação de informações educativas, seja contribuindo para a arrecadação de recursos ou na oferta de um atendimento humano e de qualidade às pessoas que precisam de tratamento e de cuidados.

Não podemos fechar os olhos para essa realidade, que anualmente condena ao imobilismo milhares de pessoas.

E qualquer que seja a ótica - do drama individual ao impacto para a sociedade -, a prevenção é, sem dúvida, o remédio mais eficiente.

Eduardo de Almeida Carneiro, administrador de empresas, é presidente voluntário da AACD


Estadão

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