A possibilidade de o Tribunal do Júri absolver um réu por clemência está sendo analisada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do Habeas Corpus (HC) 350.895, que começou na terça-feira (12/4) e foi suspenso depois de um pedido de vista do ministro Rogério Schietti, a relatora, Maria Thereza de Assis Moura, votou pela não aceitação dessa iniciativa.
Já o ministro Sebastião Reis abriu a divergência. Faltam votar os ministros Nefi Cordeiro, Rogério Schietti e Antonio Saldanha. A questão analisada trata de julgamento ocorrido no Rio de Janeiro. Dois irmãos foram acusados de tentativa de homicídio por organizarem uma emboscada e atirar na vítima.
No julgamento no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o júri reconheceu dois dos três quesitos analisados (materialidade e a autoria), mas absolveu os réus por clemência. A decisão foi então questionada pelo Ministério Público estadual, que conseguiu a anulação da deliberação junto à 3ª Câmara Criminal.
Para o TJ-RJ, apesar de o júri não precisar mostrar razões do seu convencimento, isso não os isenta de decidir sobre o caso de maneira coerente. “Ao verificar a contradição nas respostas, deve o juiz presidente aplicar o artigo 490 do Código de Processo Penal (CPP)”, argumentou a 3ª Câmara. O dispositivo delimita que se houver contradição entre decisão e provas, o juiz responsável pelo julgamento deverá explicar a contradição aos jurados e promoverá nova votação.
Em recurso ao STJ, a defensoria defende que a soberania do júri é absoluta e que o parágrafo 2° do artigo 483 do CPP é expresso ao permitir que os jurados reconheçam a materialidade e autoria do crime e mesmo assim absolvam o acusado. Também destacam que os jurados firmam juízo de valor de maneira diferente de um juiz, pois acabam se identificando com os atores do processo (réu ou vítima), podendo “absolver por causas supralegais, como clemência, razões humanitárias ou por entender que a pena não é justa para o caso”.
De acordo com Thais Lima, uma das defensoras públicas que atua no caso, o fato de o CPP prever que depois de perguntas sobre autoria e materialidade, os jurados seriam questionados sobre a absolvição do réu deixa claro o caráter absoluto da decisão. “Não há razão de ser, não permitir que o jurado absolva o acusado quando reconhece a materialidade e a autoria. O ministro Sebastião já tinha dito que entender diferente disso é esvaziar o próprio quesito genérico que é a absolvição.”
A defensora pública do Rio de Janeiro argumenta que entendimento contrário violaria a soberania dos veredictos, postergando-o para um segundo julgamento, o que também viola a literalidade da lei. “Quando o Código de Processo Penal prevê que cabe apelação aos jurados quando há absolvição, ela só é cabível quando eles absolvem a materialidade e a autoria”, finaliza.
Muitos precedentes
No STJ há diversos precedentes sobre o tema, tanto favoráveis quanto contrários a permissão de o júri absolver o réu por clemência. Esse foi outro ponto considerado para que houvesse um pedido de vista. Mesmo assim em consulta feita por defensores públicos, o ministro Nefi Cordeiro explicou que os jurados devem decidir conforme um juiz togado.
Desse modo, os jurados devem seguir as diretrizes impostas pelo artigo 386 do CPP. Seguindo esse raciocínio, a clemência, por não existir no ordenamento jurídico como causa de absolvição, é incapaz de ser usada como fundamento para o júri absolver o réu no terceiro quesito. Essa absolvição só poderia ocorrer em um segundo julgamento.
Em um precedente favorável à absolvição por clemência (Habeas Corpus – HC 276.627), o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, concluiu que é possível o júri absolver o acusado sem rejeitar a existência do fato ou sua autoria, conforme delimita o artigo 483, inciso III, do CPP.
“A conclusão no sentido de que a decisão dos jurados, em razão apenas da resposta positiva aos questionamentos sobre a materialidade e autoria do crime, mostra-se contrária à prova dos autos configura não só um esvaziamento do conteúdo do quesito genérico de absolvição, como também ofensa à soberania dos veredictos”, diz a ementa do julgamento.
Já em julgamento contrário ao entendimento (HC 243.716), que teve como relatora a ministra Laurita Vaz, consta na ementa que o artigo 483 do CPP determina a possibilidade dos jurados decidirem de maneira diferente dos fatos apresentados, mas que esse direito não é absoluto, podendo ser questionado.
“Referido juízo absolutório não se reveste de caráter absoluto, podendo ser afastado, sem ofensa à soberania dos vereditos, quando reste evidenciado que o decisum distancia-se, por completo, dos fatos constantes dos autos, mostrando-se manifestamente contrário às provas colhidas”, argumentou a ministra.
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de abril de 2016.
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