O problema do sistema penitenciário brasileiro, que não é de hoje, ganhou visibilidade no cenário nacional com a divulgação do relatório da CPI do Sistema Carcerário, na Câmara dos Deputados. É inaceitável que seres humanos sejam amontoados onde, para dormir, em muitos lugares, se faça isso em turnos ou que várias pessoas acomodem-se num mesmo colchão; onde doentes não recebam a devida assistência médica e os sadios fiquem expostos ao contágio de doenças que se supunha estivessem erradicadas ou controladas. O abandono é total. A barbárie, a opressão, a humilhação, a violência são a regra nos estabelecimentos prisionais. E isso tem que mudar, pois a dignidade humana tem que estar presente, senão jamais seremos uma verdadeira república, constituindo uma sociedade livre, justa e solidária, conforme determina a nossa Constituição.
As causas da caótica situação dos presídios são sabidas, tanto em nível nacional quanto estadual. Falta de espaço físico. Ausência de políticas públicas para dotar as cadeias de infra-estrutura de atendimento aos detentos em todos os campos. Em resumo, não há investimento por parte do Estado, em especial do Poder Executivo, responsável pela estrutura necessária para o cumprimento das penas impostas pela Justiça.
O trabalho feito pela CPI é importante para chamar a atenção para um problema que nos aflige e precisa ser resolvido. Todavia, não pode a sua atuação desviar-se do foco central, que é propor soluções e indicar os verdadeiros responsáveis pelo descalabro.
Observa-se, entretanto, o contrário. Há uma tendência para apontar culpados, escolhidos porque não têm vinculação político-partidária. O caso do RS é emblemático no ponto.
Governo após governo, o sistema prisional deteriora-se. Cresceu a violência, elevou-se a população carcerária e não foram construídos novos estabelecimentos prisionais. O Presídio Central de Porto Alegre transformou-se na maior casa carcerária da América Latina.
É do Poder Executivo a obrigação de manter um sistema prisional que atenda minimamente à demanda existente. Ainda assim, divulga-se que a CPI concluirá por responsabilizar, entre outros, um magistrado, um promotor de Justiça e um defensor público, todos com atuação na Vara das Execuções Penais da Capital, pela situação do Presídio Central. Rematado absurdo, pois não se cogita em apontar qualquer responsabilidade de governantes que passaram, ou estão atualmente, no governo do Estado!
É inaceitável atribuir responsabilidade sobre quem, de longa data, vem alertando o Executivo das péssimas condições do sistema penitenciário e, dentro do possível, agindo em defesa da efetivação dos direitos dos encarcerados.
Aos fatos. Já em 1995, 13 anos atrás, os dois juízes da VEC de Porto Alegre (sendo que um deles até hoje lá continua atuando) promoveram a interdição total do Presídio Central em decorrência de superlotação. Houve recurso judicial contra a decisão e a vedação de qualquer novo ingresso transformou-se em parcial. Aberta a brecha, mais e mais presos foram colocados no Presídio Central. Mesmo assim, não se omitiu o Judiciário. Em 2004, o corregedor-geral da Justiça e 10 magistrados com atuação em execução de penas, entre os quais os juízes da VEC de Porto Alegre, oficiaram ao governador do Estado, dando conta da preocupação e do descaso com que estava sendo tratada a questão penitenciária.
É sério, então, pensar em responsabilizar magistrado, promotor e defensor pela situação do Presídio Central?
À sociedade incumbe decidir. Queremos soluções para o problema penitenciário ou pirotecnia política, com a exposição pública de quem não tem vínculo partidário e que, de alguma forma, sem as luzes do picadeiro, sempre persistiu em alertar para a gravidade do problema. Para pensar.
*Juiz de Direito em Porto Alegre
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