terça-feira, 27 de maio de 2008

Sistema penitenciário vive um ‘apagão carcerário’

Mais de mil presos morreram em cadeias e presídios do país, segundo Ministério da Justiça.
Cada detento custa R$ 1,6 mil por mês aos cofres públicos.


Se o retrato do que acontece atrás das grades de uma prisão é o espelho de uma sociedade, o Brasil pode entender a barbárie da qual se queixa nas ruas. Dentro das cadeias esse retrato é ainda pior, conforme apura a série especial de reportagens “apagão carcerário”, do Jornal da Globo, que constatou um sistema que parece funcionar apenas para perpetuar o horror, e que torna quase impossível pensar na recuperação de quem entrou nele.

Durante um mês e meio, o JG acompanhou as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário. Foram visitados porões, corredores, pátios e celas de uma estrutura falida, insegura e malcheirosa. Na prática, é um depósito de gente.

Segundo o Ministério da Justiça, o Brasil tem 422 mil presos e são necessárias mais 185 mil vagas. Cada detento custa R$ 1,6 mil por mês aos cofres públicos. É bem mais do que ganha, por exemplo, um agente prisional em Goiás, que precisou comprar as algemas porque o estado não fornece. “Meu salário é R$ 640,00 liquido”, diz o vigilante penitenciário Humberto Stefan.

No Instituto Penal Paulo Sarasate, na região metropolitana de Fortaleza, a polícia descobriu um túnel de 45 metro. Faltou pouco para os presos alcançarem o lado de fora.

Inferno

Entre os presos está o cantor de rap Osmildo Andrade Santos, que cumpre pena por assassinato. “Estude. Não queira vir para cá não, pois aqui é o inferno”, alerta.

O inferno a que o cantor se refere tem um apelido: selva de pedra, uma ala onde ficam os presos mais perigosos do estado. A polícia foi informada que ali haveria uma arma de fogo. Minutos depois dois presos foram assassinados lá dentro, com pedaços de ferro. Um deles estava com um cadeado na boca. Um recado macabro para quem, na lei do crime, falou demais.

Em Fortaleza, a campeã de reclamações é a comida. O almoço é servido em sacos plásticos. “De repente, eles sumiram com os vasilhames. Para que eles não fiquem sem alimentação, a gente fornece então o tal do saquinho”, afirma a vice-diretora Terezinha Barreto.

Nos bastidores, a polícia disse saber por que os presos ficam com os pratos de plástico: para derreter e fabricar facas artesanais.

Três mortes por dia

Segundo o Ministério da Justiça, 1.048 presos morreram dentro de cadeias e presídios brasileiros em 2007. Para a CPI do sistema carcerário, o número é maior: 1.250 mortos no ano passado.

A média é de três mortes por dia. Significa que viver na prisão, sob a custódia do estado, é duas vezes mais perigoso do que morar na cidade mais violenta do país, Coronel Sapucaia, em Mato Grosso do Sul.

O presídio Urso Branco, em Porto Velho, é um exemplo dessa violência. O local ficou famoso no mundo todo por causa das cenas de horror nas rebeliões de 2002 e 2004.

Nos últimos cinco anos, mais de 100 presos foram assassinados aqui dentro, a maioria vítima de colegas de cela que usaram o chucho, uma faca artesanal, para cometer crimes. Mas em dezembro do ano passado, um agente penitenciário foi surpreendido ao fazer uma revista. Ele levou um tiro no peito e morreu. Os presos estavam com dois revólveres dentro da cela.

A reação da polícia deixou marcas. Dois presos foram mortos. O responsável por entregar as armas aos detentos foi um agente penitenciário, que foi preso. Um ato que provocou mortes e um sentimento de revolta.

Estar na cadeia é correr riscos - seja preso, funcionário, policial ou visitante. A dentista só concorda em tratar do paciente se ele estiver algemado.

Para o detento, ficar numa ala dominada por uma facção rival é ser vizinho da morte. “Eles vão cortar nossa cabeça. A gente corre perigo aqui e nossos familiares não estão sabendo disso”, grita um preso.




“Já aconteceu, acontece e vai continuar acontecendo”



“O perigo é real”, diz um agente penitenciário que pediu para não ser identificado. Ele conta que já viu diretor de presídio, por medo ou vingança, ordenar a transferência de preso para uma cela onde o detento tem inimigos. “O cara chora, diz pelo amor de Deus. Mas é determinação lá de cima. E, às vezes, a gente sabe que o cara vai morrer, mas a gente bota lá dentro. No outro dia, o cara está morto”, afirma o carcereiro. E emenda: “já aconteceu, acontece e vai continuar acontecendo”.

A comissão de diretos humanos da Câmara dos Deputados recebeu, em 2007, 60 denúncias de violência contra presos. “A gente não pode olhar para eles, pedir uma regalia ou uma melhoria. Eles tiram a gente algemado e espanca lá fora”, conta um detento.

Espancamentos

O agente penitenciário diz que os espancamentos são comuns, e explica a razão. “Se não tiver porrada tem rebelião. Se você não quebrar os presos, alguns presos, eles vão vir pra cima de ti e vão te quebrar. É a sobrevivência do mais forte. Ou tu é a caça ou é o caçador”, diz o carcereiro.

Em Minas Gerais, a imagem é de caos. As celas estão abarrotadas. Num Distrito Policial, em Contagem, 34 homens dividiam o espaço que seria para no máximo 15. Para dormir, só revezando. “Metade em pé, metade deitada, porque tem 21 presos onde cabe seis”, diz o detento Cláudio de Melo Lima.

O 2º Distrito Policial de Contagem foi desativado pela secretaria de Defesa Social de Minas Gerais e está passando por reformas. Os 114 detentos foram transferidos para outras unidades.

Contêineres

Na penitenciária de Florianópolis, Santa Catarina, a saída para a superlotação foi transferir presos para contêineres com vigilância reforçada.

Em Planaltina de Goiás, o prédio da cadeia pública é o retrato da decadência. A droga não precisa passar pela portaria, pois entra pelos buracos na parede. “É só tijolo puro. A gente não tem como segurar”, diz o vigilante penitenciário Antônio do Carmo.

No pavilhão do presídio central de Porto Alegre, as celas não têm grades. Foram arrebentadas pelos presos. Para evitar rebeliões, a Brigada Militar dosa repressão e concessão. Ventiladores, televisões e geladeiras fazem parte do acordo. “É muito na relação de confiança. Nós temos uma superlotação. Se o preso não incomoda, faz tudo aquilo que é determinado pelas normas legais, não há razão para não fornecer”, afirma o tenente-coronel Éden.


G1.

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