sexta-feira, 2 de maio de 2008

Morador de rua diz que albergues são "presídios semi-abertos"

Claudia Andrade
Em Brasília

Depois de passar a infância em um orfanato no interior de São Paulo, Anderson Lopes Miranda mudou-se para a capital na adolescência. Hoje, aos 32 anos, ele é um dos coordenadores do Movimento Nacional da População de Rua e também um crítico dos albergues, que classifica como "presídios semi-abertos".

"Você tem que entrar às 17 horas e sair às 5 horas. E ainda tem que bater continência para os educadores. Muitas vezes não tem comida, o café da manhã é frio, e também não tem um trabalho sócio-educativo para o morador de rua. Você tem a porta de entrada, mas cadê a porta de saída?", questionou ele durante a solenidade de divulgação de uma pesquisa que revela o perfil dos moradores de rua brasileiros, encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Há quatro anos, Miranda conheceu sua mulher, Janaína, também moradora de rua, em uma casa de oração. O casal tem duas filhas, uma de dois anos e outra de 2 meses. Sem emprego, Anderson afirma ter colocado as filhas em uma creche e diz que não abre mão de que elas estudem. Para ele, o maior orgulho foi um curso profissionalizante de cozinheiro que fez depois de ganhar uma bolsa de estudos. Mas trabalhar na área é mais complicado.

"Eu já trabalhei sim, já tive carteira assinada, mas não agüento trabalhar com carteira assinada, prefiro fazer trabalhos por conta. O morador de rua também precisa ser trabalhado quando tem um emprego", diz.

Documentação
Ele reclama também do que considera "preconceito" da sociedade e de policiais municipais. "Precisa de mais humanização para acabar com esse preconceito das pessoas e do poder público. Muitas vezes os policiais municipais nos jogam água para nos espantar e tiram nossos documentos. Que cidadania é essa? E isso não acontece só nas capitais, não. É em todo o lugar."

"A população de rua é tratada como bicho. Mas quem está na rua não é porque quer, é por causa de uma política de exclusão. Agora tem eleições, aí todo mundo ama todo mundo. Tem que lembrar que a população de rua também tem título de eleitor, a maioria, e precisa ser reconhecida", defende.

A questão da documentação é apontada pelo sociólogo Flávio Silveira como um dos fatores essenciais para a reinserção do morador de rua na sociedade. "Os órgãos são muito burocráticos; é preciso facilitar o processo para tirar documento. Mais de 20% da população em situação de rua não tem documento nenhum. São pessoas que existem, mas não oficialmente, porque não estão registradas", ressalta.

Flávio Silveira é diretor do Instituto de Pesquisa Meta, responsável pela pesquisa sobre moradores de rua divulgada nesta terça-feira pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Para ele, o acesso aos documentos é uma medida pontual que facilitaria a volta ao mercado de trabalho e também a inserção em programas sociais. Segundo o estudo, 88,5% não são atingidos por programas governamentais.


POSSE DE DOCUMENTOS PELA POPULAÇÃO

Carteira de identidade 58,9%
Certidão de nascimento/casamento 49,5%
CPF 42,2%
Carteira de trabalho 39,7%
Título eleitoral 37,9%
Sem documento algum 24,8%
Todos os documentos 21,9%

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