sábado, 17 de maio de 2008

Artigo: Como produzir delinqüentes, por Bolívar dos Reis Llantada*

Ainda há pouco tombou em serviço um colega da Brigada Militar, pai de família, cidadão cumpridor de seus deveres, mais uma vítima inocente dessa criminalidade violenta que cada vez mais contamina o seio social. Não há como não se questionar sobre o motivo de tanta barbárie, tanto ódio entre seres da mesma espécie que convivem aglutinados. E, no mesmo viés, compelidos somos a buscar alternativas para a solução desta mazela que aflige a todos, pobres ou ricos, pretos ou brancos, homens, mulheres, crianças...

Se me recordo bem, no ano passado, atendi a um local de homicídio que me causou espécie, não tanto pelo aspecto do cadáver (o qual, invariavelmente, apresenta aparência pouco agradável), mas em face do local onde o corpo fora "desovado", mais precisamente na Vila Dique, atrás do aeroporto desta Capital. Parecia um cenário surreal, pouco crível ao primeiro olhar. Para chegarmos ao morto, simplesmente tivemos de andar sobre as águas, literalmente. Só que, ao invés de uma ponte de concreto ou madeira, o meio para atravessarmos o riacho encravado entre nós e o falecido se operou através do lixo! Isso mesmo, do lixo!!! "Obra de engenharia" de baixo custo e alta utilidade, descobriram os ribeirinhos, que, para alcançarem a outra margem do riacho, a passagem poderia se dar caminhando-se sobre o lixo acumulado. Se tal invento tivesse aflorado na época de Moisés, talvez os hebreus tivessem um mecanismo mais ágil para a travessia do Mar Vermelho...

O episódio supra visa ilustrar apenas o estado de penúria e miséria que assola principalmente os moradores dos arrabaldes dos grandes centros, e Porto Alegre não foge à regra. Quando a pesquisa sobre a enorme quantidade de esgotos a céu aberto existente em nossa capital veio à tona, creio que não houve nenhum sobressalto dos residentes nas periferias, acostumados quotidianamente a conviver com tal condição.

A esta altura, o paciente leitor deve estar questionando o que tudo isso tem a ver com o mundo do crime. Devolvo a pergunta: como é possível um ser humano criado nesse meio, entre porcos, patos e galináceos se alimentando de lixo de todos os matizes (leiam-se papel higiênico, absorventes íntimos e todo o demais produzido por essa massa populacional em ebulição), repito, como é possível alguém oriundo desse reduto se formar em Medicina, Odonto ou Direito? E o pior: como fugir do crime, do assédio dos traficantes, de se tornar um assaltante, quando, não muito longe dali, garotos saudáveis ostentam suas roupas de marca e seus pais desfilam com veículos importados?

Cabe à sociedade (a nós todos) responder...


*Delegado de Polícia, titular da Delegacia de Homicídios


Zero Hora.

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