domingo, 11 de maio de 2008

Artigo - País de contrastes

Foi uma boa surpresa conhecer os recursos técnicos de que hoje dispõe a polícia investigativa de São Paulo e de outros Estados da Federação. Infelizmente, como os demais serviços públicos no Brasil, empregados de modo desigual e descontínuo.
Enquanto crimes que atingem pessoas de posses, escolaridade e relações respeitadas passam pelo crivo de um instrumental altamente sofisticado para comprovar a culpa dos acusados, quando se trata de pessoas que instigam desconfiança por serem faveladas, pretas, pardas, pobres, a desconfiança produz a acusação e a imediata prisão.
Para os primeiros, apesar de alguns erros, a presunção da inocência fica preservada até que as evidências tornem-se cada vez mais incontestáveis; para os últimos, essa presunção praticamente inexiste. O resultado pode ser mais impunidade para os últimos, porque processos malfeitos podem ser recusados pelo Judiciário, mas também mais injustiças quando provas são plantadas de modo que a acusação e a condenação aconteçam.
Basta ser jovem, pobre, favelado para que os estereótipos postos em ação resultem em processos algumas vezes kafkianos. Ainda pior quando o indivíduo (usualmente chamado de elemento) já tiver sido condenado por tráfico de drogas. Mesmo depois de cumprir a pena, mesmo em liberdade condicional, a segunda chance lhe é quase sempre negada.
Apesar de a lei penal rezar que a finalidade da prisão é a recuperação do prisioneiro, dificilmente este é preparado para retomar a vida na legalidade quando sai dela. Mesmo assim, cursos profissionalizantes, ofertas de esperança religiosa, pressão de familiares e o próprio sofrimento atroz que a perda da liberdade provoca fazem com que muitos não queiram voltar ao crime.
Assim parece ser o caso de Adauto, preso em blitz policial numa favela carioca portando o cartão de trabalho no PAC. Esse ex-traficante comparecia regularmente ao Patronato Margarino Torres, em Benfica, órgão da Secretaria de Administração Penitenciária cujas funções são: "planejar, desenvolver, coordenar e acompanhar as atividades pertinentes à Administração Penitenciária no que concerne à custódia, reeducação e reintegração do preso à comunidade..." Se estivesse foragido, não iria periodicamente a esse órgão. Mas foi publicamente apontado, sem a apresentação de nenhuma prova ou indício convincente, como o chefe do tráfico local.
Dois dramas simultâneos, de grande contraste no que concerne à postura da polícia. E o crime que produziu mais cuidados na obtenção de provas e esclarecimentos públicos foi o que mais horrorizou a todos.


ALBA ZALUAR.

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