domingo, 11 de maio de 2008

Artigo - Algeme-se a lei, soltem-se os presos!, por Percival Puggina*

Antes que alguém o diga, digo-o eu: só a pena não resolve o problema da criminalidade e da violência. Certo? Quanto a isso, estamos de acordo e, portanto, quem pretendesse invocar o contraponto fica dispensado dele. Arrume-se outro, porque desse já cansamos. É evidente que a criminalidade e a violência têm muitas causas e precisam ser enfrentadas com um amplo conjunto de ações. Este artigo não tratará de todas nem de algumas. Abordará somente a questão da pena porque ela tem sido objeto de insistentes contestações.

É verdade, meu caro leitor. Tem gente querendo algemar, imobilizar, enjaular o Código Penal. No entanto, a punição, junto com o amor, é elemento fundamental da pedagogia necessária à formação das consciências. Seria total irresponsabilidade paterna, por exemplo, adotar um processo de educação dos filhos que exclua o aconselhamento, a supervisão de suas ações, a informação de que determinada atitude será punida de determinada forma, e a aplicação da punição, caso ocorra o comportamento vedado. Muitos dos problemas que hoje se observam nas escolas, nas ruas e nos estádios de futebol decorrem, em parte, dessa renúncia ao dever familiar de educar para o bem, para a verdade e para a harmonia social. A consciência bem formada convive de modo saudável com o erro (errar é humano), com o sentimento de culpa (natural a todo ser dotado de consciência), com o arrependimento (idem), com a expiação e com o perdão. Considerar tudo isso muito penoso e não sancionar a ultrapassagem dos limites é preparar gravíssimos acidentes de percurso. Com quase absoluta certeza: os beneficiários dessa tolerância farão vítimas entre pessoas que nada têm a ver com ela.

Não é diferente, aliás, o que a sociedade busca promover, mediante suas estruturas policiais e judiciais, em relação a todos os cidadãos. O guarda da rua, a sinaleira da esquina, o pardal da estrada, o delegado, o promotor e o juiz são peças de um aparato instituído por todos como instrumento para prover justiça e segurança para todos.

É possível que o leitor esteja se indagando sobre qual a vertente filosófica de onde provêm as mencionadas idéias sobre a inutilidade das penas. Em bom português: qual a origem dessas tolices? Elas nascem de uma visão idílica a propósito da natureza humana. Segundo tal visão, o homem é um ser bom e generoso que se decompõe através da civilização e de institutos tão devassos quanto o direito de propriedade. A alegoria rousseauniana do "bon sauvage" levou Marx a muitos de seus delírios. Com esse ponto de partida, resulta lógico deduzir que o delinqüente e o criminoso são meros subprodutos da sociedade, destituídos de consciência e isentos de culpa. E caberia indagar: não deveríamos, nesse caso, soltar os presos e prender a sociedade? Não, porque tampouco a sociedade tem consciência, de vez que ela mesma também é vítima da enrascada em que a meteram desde que fomos arrancados do "estado de natureza"... Prenda-se a lei, então, porque, sem lei, voltamos à vida primitiva e nos tornaremos bons selvagens. Arre!

É muito engraçado saber que a primeira coisa que os defensores destas idéias fizeram, sempre que tomaram o poder, foi enviar multidões para o outro mundo e para a cadeia. Mas aí pode.

*Escritor


Zero Hora.

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