sábado, 24 de maio de 2008

Agressão à honra não pode ser protegida pela internet

Continuam chegando aos tribunais questões relativas a abusos cometidos nos sistemas eletrônicos de comunicação via internet, com ofensas à honra e à dignidade de pessoas. O uso dos novos meios de divulgação para atingir inimigos, causando-lhes prejuízo com a difusão de informações falsas, agrava-se seriamente quando feito sob proteção de anonimato que lhes seja permitido.

Em nosso país, a questão vem claramente distinguida em duas partes fáceis de compreender. De um lado, como valor social indiscutível, está a liberdade plena da manifestação do pensamento. Não há democracia sem que essa garantia seja resguardada. De outro lado, como valor individual fundamentalíssimo, a preservação da vida, da intimidade, da imagem e da honra das pessoas.

Os dois segmentos, assegurados pela Carta Magna, têm, como um de seus elementos básicos, a proibição do anonimato. Quando se trata de comunicações destinadas ao público em geral, o anonimato nega o direito da vítima. Resulta em benefício danoso daquele que se esconde criminosamente, na certeza de que não será chamado a responder pelas conseqüências de sua ilicitude. Essa conduta é inaceitável.

Perde-se na noite do tempo a grita contra a divulgação anônima de ofensas ou de versões desairosas sobre pessoas ou grupos. Do mesmo modo, tem sido preservada a liberdade de emitir opiniões críticas, ainda que desagradem aos atingidos. O ponto do equilíbrio entre o direito individual e o direito geral é difícil de situar em cada caso, mas continua inaceitável quando, na atualidade, o sistema eletrônico, ao preservar seus clientes não identificados, garanta o anonimato do ofensor. Trato do tema depois de debate em mesa na Universidade Anhembi-Morumbi à qual compareceu, entre outros, Frederico Vasconcelos, expoente de nosso jornalismo investigativo em textos assinados por ele.

A imposição de revelar a identidade daquele que quis ocultar-se ao ofender a honra de alguém não viola o direito da livre manifestação. A divulgação ofensiva sem autoria conhecida é o oposto da democracia.

O governo do povo, pelo povo, seria impensável se, na amplitude dos "orkuts" e dos blogs, a agressão da honra tivesse compatibilidade com o anonimato. Pensamento anônimo pode existir na divulgação, desde que não interfira na órbita do direito de terceiros.

Posta a mesma questão em face da ciência jurídica, sabe-se que o direito se destina a coordenar as relações interpessoais, para repetir a feliz frase de Del Vecchio. Coordenação pacífica, equilibrada. Essas qualidades não sobrevivem e são impossíveis de serem preservadas ao se unirem o emissor ofensivo e o meio que propicia a comunicação pública, oral ou escrita, eletrônica ou impressa, que proteja o autor de crime contra a honra, punido pela lei.

Onde, pois, o equilíbrio? Incluídos meios velhos e novos sob a designação de comunicação social, tomada como gênero, é imprescindível submetê-los aos mesmos critérios de clareza aceitos tradicionalmente. Não fosse assim, estaríamos privilegiando a irresponsabilidade dos anônimos em face dos que, no exercício profissional de serem comunicadores, são constantemente chamados a garantir o direito de resposta sob o risco de sanções penais e econômicas.


Por Walter Ceneviva: é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.


Artigo publicado neste sábado (24/5) na Folha de S. Paulo.

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