sexta-feira, 29 de julho de 2011

Paraná tem a maior população de presos em delegacias do país

Apesar de construídas exclusivamente para abrigar presos provisórios, as carceragens das delegacias do Paraná comportavam, em abril deste ano, 16.462 detentos, distribuídos em celas que, juntas, deveriam receber no máximo 6.117 pessoas. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o estado possui o maior número de detentos em cadeias do país – no final de 2010, dos 50.546 presos custodiados nas delegacias, 16.223 estavam no Paraná.

Estimativas do Ministério Público (MP) do Paraná e da Co­­missão de Defesa dos Direitos Humanos da Ordem dos Advo­gados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), mostram ainda que pelo menos 3,5 mil presos já condenados cumprem pena nas delegacias do estado, ao invés de estarem em penitenciárias, como prevê a lei. Os impactos são diversos: sem estrutura física para receber tantos presos – e por tanto tempo –, as cadeias superlotadas favorecem o risco de fugas e rebeliões e, principalmente, comprometem o trabalho dos policiais civis, que precisam dividir a rotina de investigação com a custódia dos detentos.
Segundo o Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol), a superlotação é ainda mais crítica nas delegacias do interior, onde o efetivo de agentes é menor. Das 561 delegacias com carceragens no Paraná, 303 ficam no interior. Além do desvio de função ocasionado pela guarda dos presos, o sindicato critica as escalas estendidas a que os policiais são submetidos, justamente para evitar que as celas fiquem sem vigilância.
“Isso inviabiliza o trabalho policial. Agentes que deviam estar a campo permanecem na delegacia apenas para cuidar dos presos”, critica o diretor de assuntos parlamentares do Sinclapol, Sidnei Belizário de Melo. “Assim, a grande maioria dos boletins de ocorrência simplesmente não é investigada”.
O delegado-chefe da Divisão Policial do Interior (DPI), Júlio César dos Reis, afirma que há uma falsa impressão de que apenas um ou dois policiais conseguem “dar conta” da custódia e segurança dos presos, o que não ocorre na prática. “O policial civil tem formação para investigação e infelizmente tem que desviar boa parte das suas atribuições para essa custódia, o que, sem dúvida, dificulta o trabalho”, relata.
Para Reis, uma das alternativas buscadas é repassar o trabalho de custódia dos detentos exclusivamente para agentes da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju), o que já ocorre em outros estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A secretaria confirma a intenção, mas diz que a mudança ainda pode demorar para ser integralmente implantada.
Origem
A promotora de justiça Maria Esperia Costa Moura, da área de Execuções Penais do MP, destaca que o problema da superlotação tem como uma das causas a deficiência na assistência judiciária dos detentos. A vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR, Isabel Kluger Mendes, diz que não é raro encontrar nas cadeias presos que já foram condenados há meses e até anos. “Ninguém está defendendo que aquele que pratica um delito seja solto ou absolvido. Mas na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba, por exemplo, encontramos um rapaz que já havia sido condenado e estava ali há mais de quatro anos. Essa é uma situação gravíssima”, relata.
A superlotação das delegacias também é reflexo do esgotamento do sistema prisional brasileiro. O déficit de vagas nos presídios, no final de 2010, chegou a 164.624 vagas. Segundo balanço do Depen, só no Paraná seriam necessárias mais 5.311 vagas nos estabelecimentos prisionais. Isso, sem colocar na conta os mais de 16 mil presos mantidos nas delegacias.
Excesso de presos transforma cadeias em “escolas do crime”
As vistorias da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR nas carceragens de delegacias permitiram visualizar na prática uma situação implícita nos números: com a superlotação superando o número de vagas em mais de 10 mil presos, as celas se tornam ambientes mais do que favoráveis para a disseminação de doenças e da própria criminalidade.
Sem estrutura para separar presos de menor ou maior periculosidade, ou detentos provisórios daqueles que já foram condenados, as carceragens transformam-se em verdadeiras “escolas do crime” – expressão normalmente relacionada às penitenciárias.
“Imagine um garoto de 18 anos que foi preso por praticar um furto simples para comprar drogas, por exemplo. Esse rapaz teria todas as condições de ser recuperado se a lei fosse respeitada. Mas aí ele é jogado no meio de abutres, criminosos que estão ali há muito tempo e dominam a cadeia. Esse jovem acaba sendo coagido e violentado em todos os sentidos”, relata a vice-presidente da comissão, Isabel Kluger Mendes.
Gravidade
Para a promotora de justiça Maria Esperia Costa Moura, a “mistura” entre presos é um problema tão grave quanto o risco de fugas e rebeliões devido à grande concentração de pessoas nas celas. Nesse caso, a detenção, que deveria reforçar a segurança, acaba tendo efeito contrário, causando um agravamento maior da violência e da reincidência de crimes. “Os presos provisórios acabam sendo libertados, mas se tornam agentes de prestação de serviços para aqueles que ainda estão detidos, após serem cooptados por persuasão ou ameaças”, explica a promotora.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OAB-PR alerta ainda para as más condições de insalubridade vividas pelos presos em carceragens lotadas. Segundo Isabel, exemplos de graves riscos à saúde não faltam. “Na delegacia do Alto do Maracanã [em Colombo, região metropolitana de Curitiba], solicitamos uma vistoria da Vigilância Sanitária. A capacidade é de oito presos, mas havia cerca de 40 quando passamos por lá. Vários detentos tinham problemas sérios de furúnculos pelo corpo inteiro”, relata.


Fonte: Rafael Waltrick - Gazeta do Povo

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