A efetivação das medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha é um dos desafios no combate à violência contra a mulher no Brasil. A conclusão é do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc). O relatório sobre os mecanismos de resposta a violência de gênero no Cone Sul será apresentado amanhã no Paraguai e destaca a necessidade de respostas mais rápidas por parte da polícia e do Judiciário. O informe regional destaca ainda a baixa cobertura dos serviços — apenas 8% dos municípios brasileiros têm unidades especializadas no atendimento à mulher.
“As políticas públicas precisam chegar até a ponta e não podem ficar restritas aos grandes centros. Precisam funcionar em nível local também, auxiliadas por programas de saúde, educação, segurança pública e prevenção”, afirma o coordenador da Unidade de Prevenção ao Crime e Segurança Pública, Nívio Nascimento. Ele destaca a legislação brasileira — uma das últimas a ser aprovada na região e por isso, é considerada uma das mais avançadas.
“Todos os países da região têm legislações sobre a violência familiar, mas a maioria dessas leis não tem um enfoque de gênero, com exceção para Brasil e Argentina”, destaca o documento. Porém, o Chile é o único país da região que tipifica os femicídios no Código Penal. No Cone Sul, o reconhecimento da violência doméstica começou em 1994, quando Argentina e Chile aprovaram leis para barrar a violência familiar e intrafamiliar. A pesquisa do Unodc, no âmbito do projeto Fortalecimento das Delegacias da Mulher e da sociedade Civil para Combater a Violência de Gênero na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, ressalta a estratégia comum entre os países de criar nos governos locais secretarias de gêneros, chamadas de “área mulher”.
No Brasil , a Secretaria de Políticas para Mulheres, ligada à Presidência da República, foi instituída em 2003, durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A pasta é ocupada atualmente pela ministra Iriny Lopes e tem orçamento para este ano de R$ 109 milhões. Até agora, foram investidos R$ 24 milhões, o que representa 22% do autorizado.
O relatório afirma que apesar da criação de órgãos e de iniciativas de governo na área de proteção à mulher os sistemas funcionam como um “aglomerado de serviços dedicados ao mesmo problema, que podem incluir ações coordenadas, mas sem a necessária consciência das conexões e sem um projeto comum construído a partir de um diálogo.”
Um dos problemas identificados nos países da região é a dupla competência jurídica na análise dos casos: as práticas criminais são remetidas a tribunais criminas e as medidas na área civil são julgadas por juizados de paz. Isso acontece no Paraguai, Argentina, Chile e Uruguai. A Lei Maria da Penha conseguiu resolver esse dilema. “A forma de organização e administração da Justiça em cada um dos países ainda se configura como um obstáculo para o acesso à justiça das mulheres que vivem em situação de violência doméstica de gênero”, diz o texto, completando que os avanços esbarram na orientação tradicional do sistema judicial.
O encontro terá representantes das secretarias das mulheres da região, da ONU Mulheres, peritos na área de gênero e tráfico de pessoas e das forças de segurança pública. Ainda não estava confirmada a participação de integrantes do governo brasileiro.
CPI engatilhada
Deve ser instalada no segundo semestre a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI ou CPI mista) destinada a investigar a violência contra a mulher e apurar denúncias de omissão do Estado na punição desse crime. A previsão de gasto para os trabalhos dessa comissão, que tem mais de 300 assinaturas de parlamentares, é de R$ 200 mil. O requerimento foi lido na semana passada.
Estatísticas incipientes
Em abril, o Correio mostrou, na série de reportagens Fácil de Matar, o fenômeno pouco estudado dos assassinatos por gênero no Brasil. Os femicídios cresceram 30% na última década. O país ainda não produz estatísticas oficiais de homicídios por sexo, na contramão de países da América Latina, que, além de monitorar as mortes de mulheres, tipificam o crime em lei. Costa Rica, Guatemala, Chile, Colômbia e El Salvador incorporaram no ordenamento jurídico a definição do femicídio. Em toda a região, o ritmo acelerado com que esses homicídios crescem indica o massacre por questões de gênero.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário