A Lei 12.403/2011* alterou parte do Código de Processo Penal e trouxe importantes alterações envolvendo as medidas cautelares pessoais. A nova lei entrou em vigor no dia 04 de julho e já vinha sendo alardeada pelos grandes veículos de informação como a “coroação da impunidade no Brasil” uma vez considerada a possibilidade de “tirar milhares de presos da cadeia” e de, em algumas situações, poder ser aplicada uma medida cautelar alternativa à prisão.
Com o objetivo de aprofundar e fomentar o debate sobre este tema tão importante, o IBCCRIM realizou, em parceria com a Defensoria do Estado de São Paulo, o curso “A Nova Sistemática das Medidas Cautelares no CPP (Lei 12.403/2011)”, entre os dias 27 e 29 de junho de 2011. Contando com a participação de renomados especialistas na matéria, que realizaram brilhantes exposições, o evento foi um sucesso de público – as 90 vagas foram rapidamente esgotadas.
Participaram como palestrantes: Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró, Dora Cavalcanti Cordani, Paulo Sérgio de Oliveira, Fábio Delmanto, Alberto Zacharias Toron e Guilherme Madeira Dezem.
Inicialmente, pode-se dizer que esta nova lei tem como objetivo mostrar – melhor seria dizer “relembrar” – que a prisão provisória é uma medida de exceção, a ultima ratio. A regra é a liberdade. Assim, as novas medidas cautelares dão aos juízes um leque de opções, com diferentes graus de restrição de liberdade, de modo a evitar o binômio liberdade-prisão. Note-se que aplicação de uma (ou mais) medida(s) pode ser tão eficaz quanto o encarceramento, mas menos gravosa.
Considerando, ainda, que o Brasil possui mais de 160 mil presos cautelares, segundo levantamento feito pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), e que estes encarcerados têm o direito constitucional assegurado de aguardar o julgamento em liberdade, percebe-se a importância de discutir essa questão.
Apesar de por se tratar de lei processual, deveria seguir a regra do artigo 2º do CPP e ter aplicação imediata. Todavia, os palestrantes explicam que considerando a nova redação dada a alguns artigos, que trazem alterações em garantias e direitos fundamentais, as medidas cautelares terão o mesmo tratamento dado às normas de direito material: a aplicação se dará segundo a lei que for mais benéfica – pela ultra-atividade da regra anterior ou pela “retraoatividade” da nova legislação.
Uma das novidades trazidas pela lei 12.403/2011, e intensamente criticada nos meios de comunicação, é a redução do campo de incidência da prisão preventiva, posto que será aplicada em casos de crimes dolosos “punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos” (CPP, art. 313, inc. I). Nas infrações cuja pena máxima seja inferior a quatro anos, o juiz deve avaliar o cabimento de uma das medidas cautelares alternativas à prisão.
Durante o curso, foram discutidos os critérios de adequação e necessidade, segundo os quais seria possível a decretação de alguma(s) da(s) medidas cautelares, conforme disciplinado no artigo 282 da nova lei. Motivos como a “garantia da ordem pública ou da ordem econômica”, mantidos no caput do artigo 312, foram criticados por serem muito amplos e genéricos; em outras palavras, usar esses argumentos como fundamento da necessidade da prisão cautelar é, no mínimo, justificar de forma deveras abstrata, o que não pode ser admitido quando se trata da liberdade de uma pessoa.
Não raras vezes a prisão preventiva é utilizada como uma medida de defesa social, constituindo uma dupla presunção de culpabilidade. Presume-se que, dada a natureza do crime, o sujeito vá voltar a delinquir, ou representar risco para o restante da sociedade.
Assim, o juiz deveria indicar porque cada uma das outras cautelares não seria cabível, sempre justificando. “Primeiro se analisa possibilidade de decretar prisão preventiva para depois analisar as outras medidas” – esse raciocínio precisa ser urgentemente invertido.
De modo geral, o critério básico para utilização das medidas cautelares pessoais deve ser a proporcionalidade. O parágrafo 6º do artigo 282 destaca o caráter excepcional da prisão preventiva, que “será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”, entre as elencadas no artigo 319.
Entre as medidas alternativas á prisão, estão (i) o comparecimento periódico em juízo para justificar e informar as atividades, (ii) a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, (iii) a proibição de manter contato com determinada pessoa, (iv) proibição de ausentar-se da comarca, (v) recolhimento domiciliar no período noturno, (vi) suspensão de função pública ou de atividade econômica ou financeira, (vii) fiança, (viii) monitoramento eletrônico e (ix) internação provisória, quando for caso de o acusado ser inimputável ou semi-imputável.
O rol de medidas cautelares pessoais alternativas à prisão é, segundo os palestrantes, taxativo. A crítica no que diz respeito a estas medidas está relacionada à ausência de procedimentos regulamentados para aplicação das mesmas e de meios para fiscalização de seu cumprimento. Houve, ainda, certa “timidez” do legislador no que tange à fixação de limites em algumas das cautelares – como é o caso da distância, inclusive a digital, na proibição de manter contato com pessoa determinada.
Outro ponto significante da nova lei é a reformulação do instituto da fiança, que é uma quantia em dinheiro, recuperável, que o réu oferece como garantia de que não fugirá durante o processo. Fica a cargo do juiz decidir o valor da fiança, que pode alcançar a cifra de R$ 100 milhões, se a situação econômica do réu permitir. E geralmente este é o problema da nova lei: a possibilidade de a fiança ser mais um instrumento de discriminação contra acusados de baixa renda.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo realizou um levantamento na primeira semana de aplicação da lei e revelou que em alguns casos a fiança era mais alta do que o acusado poderia pagar – um exemplo emblemático: um réu de poucas posses, acusado de furtar um celular, teve fiança calculada em mais de R$ 5 mil, quantia desproporcional que, aparentemente, foi estipulada para mantê-lo preso.
Concluindo, como já dito no início deste texto, a sociedade em geral não vê com bons olhos as novas medidas cautelares. Mas para aqueles que defendem o texto, elas evitam prisões desnecessárias e erros irreparáveis no curso dos processos. Dada a relevância da matéria e o esgotamento das vagas nesse último curso, é possível que haja outro neste segundo semestre de 2011. Fique atento à programação de cursos do IBCCRIM!
* http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm
IBCCRIM. (Érica Akie Hashimoto)
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