No dia 21 de julho passado, em visita à cidade de Manaus (AM), aproveitei o tempo disponível para visitar o Ecam, que é o Espaço de Cidadania Ambiental, localizado no shopping Manauara, e que completa hoje um ano de existência. O Ecam funciona sob a coordenação da Vara Especializada em Meio Ambiente e Questões Agrárias da Justiça Estadual, cujo titular é o juiz Adalberto Carim Antonio, e conta com a participação do Ministério Público, de institutos e órgãos ambientais, do Ibama, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Secretarias do Estado e do Município do Meio Ambiente, IMPRAM (indústria gráfica instalada no pólo industrial de Manaus), Polícia Ambiental e outros parceiros.
Estes órgãos trabalham unidos, dividem o espaço na mais completa harmonia. Não faltará quem diga que isto é o que deles se espera. Mas a resposta será que entre o esperado e a realidade há uma grande distância. Regra geral, entes públicos trabalham no mais completo individualismo. Cada um procurando o seu destaque e não o interesse público. O Judiciário e o Ministério Público não costumam fugir desta regra.
No local, pessoal especializado está disponível para explicações. O espaço é usado para educação ambiental, exposições de produtos com materiais recicláveis, esculturas feitas de vidro e garrafas PET, artesanato indígena e oficinas. Os bens expostos não são vendidos, mas os visitantes podem anotar os dados do artista e comprar diretamente. E assim são feitos negócios, inclusive com estrangeiros que visitam o local e se encantam com a iniciativa. Ganham os artesãos e o meio ambiente.
Mas até aí a iniciativa fica na cota do bom. Muito embora elogiável, outras há, assemelhadas, no nosso imenso país. O inusitado estava por vir.
Fui levado a uma sala de aula anexa. Sem saber bem o que lá iria encontrar, entrei. E vi um jovem professor dando aula para cerca de 40 homens e mulheres sobre a proteção da fauna. De uma maneira didática, em linguagem simples, ele transmitia conhecimentos sobre a matéria. Ao que pude concluir dos slides, era um biólogo pertencente aos quadros do Ibama.
Ali fiquei assistindo às explicações sobre a necessidade de preservar os animais, a importância deles para a preservação da floresta, o perigo da invasão de espécies do exterior e que aqui não tem predador, o tráfico de aves para os grandes centros, as dificuldades de devolver um animal silvestre domesticado à floresta, quais as sanções administrativas e penais e outros detalhes da matéria.
Então perguntei sobre a platéia: fui informado que eram pessoas envolvidas em crimes ambientais ou que respondiam a ações civis públicas e que fizeram acordos na Vara do Meio Ambiente de Manaus. Além de todas as obrigações que assumiram para formalizar a transação ou a suspensão da Ação Penal (v.g., recuperar o dano ou tomar uma medida compensatória), deveriam, ainda, participar de um curso de 12 horas, durante quatro dias, das 17h às 20h, nele recebendo lições sobre a proteção da água, fauna, desmatamento, poluição sonora, queimadas e temas correlatos.
Os participantes exerciam profissões variadas. Entre outros, motoristas de caminhão, comerciantes, empresários, profissionais liberais, pastores, executivas representando empresas infratoras, servidores públicos. Pela roupa, alguns mostravam boa condição social. A participação era intensa, animada. Falavam, perguntavam, alguns contavam por que ali estavam e aproveitavam para invocar inocência, outros protestavam contra criminosos ricos que permaneciam impunes e alguns reconheciam o erro. O professor, com calma, tudo escutava e respondia.
Na parede, uma lista apresentava cinco itens, certamente objeto de resposta deles. O último perguntava “Qual o seu sonho”? A maioria respondia “ter mais tempo para ficar com a minha família” ou “abrir o meu próprio negócio”. Segundo as pessoas que trabalham no local, eles começavam o curso revoltados e terminavam agradecendo a oportunidade de terem aprendido boas coisas sobre o meio ambiente. Alguns pediam para familiares assistirem às aulas. Ao término do seminário recebiam um certificado, entregue pelo juiz em ato formal. Ele representa o passaporte para a extinção do processo.
Aí está um ótimo exemplo de cumprimento de penas alternativas pela prática de um crime ou mesmo dos efeitos benéficos de um acordo em Ação Civil Pública. A Lei 9605/98, que trata dos crimes e infrações administrativas ambientais, antes mesmo do Código Penal, permitiu penas restritivas de direitos, como a prestação de serviços à comunidade. É evidente que estas sanções são muito mais úteis do que a prisão, até porque a maioria dos infratores é de pessoas que convivem na sociedade em atividade lícita. Mas elas não podem ser uma mera ficção, algo que ninguém cumpre nem fiscaliza. O sucesso delas está no acompanhamento e o complemento, na educação do infrator, para que não reincida.
O juiz, cada vez mais, vê-se obrigado a sair de sua situação de mero julgador, fechado em seu gabinete, proferindo suas decisões isolado do mundo. Atualmente é preciso ir além, ser um conciliador, um administrador eficiente, envolver-se com a sociedade e seus problemas (sem perder a imparcialidade, por óbvio) e preocupar-se com os resultados de sua sentença.
Da louvável iniciativa da Vara do Meio Ambiente de Manaus podem ser tiradas algumas conclusões:
a) só um Juízo Ambiental especializado é capaz de promover uma execução da pena tão direcionada e com tanto sucesso;
b) só um juiz que sai do comodismo do seu gabinete e procura unir órgãos e pessoas, envolvendo-as em um objetivo comum, alcança sucesso de fato;
c) a função do processo não se limita à sentença de mérito, mas sim à solução do conflito e isto, na área ambiental, se consegue com a recuperação do dano e a reeducação do infrator.
Se o mal deve ser combatido, o bem deve ser enaltecido. Merecem cumprimentos o Judiciário amazonense, o magistrado e todos os que fazem do Ecam uma realidade positiva e ferramenta eficiente na reeducação do infrator ambiental, de forma inédita no Brasil.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário